segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Qaqortoq, cidade surpresa na Gronelândia, com história, arte, floresta e....


A Gronelândia tem mudado muito, e está a caminho de se tornar um país destino de emigração. Para mim é sempre uma Ultima Thule inalcançável.

Qaqortoq, 60°43' N, 46°2' W

Fundada em 1775 como Julianehåb, esta pequena cidade do sul da Gronelândia já tem dois séculos e meio de História, e é rica de algum património e tradições. Tem agora cerca de 3100 habitantes (como Castelo de Vide, por exemplo), e é a quarta maior povoação da ilha. Fica 670 km a sul do Círculo Polar; é, in extremis, uma cidade sub-ártica. Já estive mais a norte que isso, na Noruega.


O local já tivera presença humana na pré-história (Culturas Saqqaq e Dorset). Os Vikings chegaram no final do  século X, estabeleceram-se em Hvalsey, poucos quilómetros a nordeste. Ficaram durante cerca de 500 anos, até meados do século XV, e de alguma forma partilharam a área com os proto-Inuit 'Thule'.

O edfício icónico e o mais fotografado, a igreja luterana de 1832, pintada de vermelho vivo. Um postal.

Foi a colonização dinamarquesa que fundou a cidade Julianehåb (Juliane era  raínha da Dinamerca) em 1775, como centro do negócio da caça de focas e do tratmento da sua pele. Na época das grandes viagens de exploração ártica, a cidade ficou conhecida pelo encontro acidental em 1933 entre Charles Lindberg e Knud Rasmussen, dois dos maiores aventureiros do século XX. Isso é recordado no museu.

A Igreja do Salvador
Frelserens Kirke, 1832

Navio votivo
O MS Hans Hedtoft sofreu o choque de um iceberg e afundou-se com 95 pessoas a bordo em 1959, na viagem inaugural pela costa ocidental da Gronelândia com destino a Julianehåb. Foi um "Titanic dinamarquês" que esta igreja homenageia.



A Praça da Fonte e o Museu

Não, não é uma cidadezinha de Itália :) ; é o centro cívico de Qaqortoq e é muito europeu:


Na Torvet i Qaqortoq encontram-se, em edifícios coloniais, uma loja, padaria, o Lal’laati’s Corner Café, a sede do jornal e o Museu, tudo à volta da fonte Mindebrønden de 1932.


Perto da cidade, em Uunartoq, há um lago de fontes termais (38ºC); são essas águas quentes que alimentam a preciosa Mindebrønden, a primeira fonte de água 'fresca' do país, encimada por três baleias em bronze.

Katersugaasivik (Museu) Qaqortoq


Fica junto ao porto colonial, numa casa em madeira alcatroada, de 1804; é a edificação mais antiga de Qaqortoq; ali esteve antes instalado o ferreiro, e serve agora como Museu.


Também esta outra casa, de 1871, alberga museu e loja:


Além de exposições e muita documentação fotográfica, o Museu exibe vários artefactos e trajes inuit e ainda a reconstituição fiel dos alojamentos de Linberg e Rasmussen de 1933.

O kayak (ou umiak) é reivindicado como uma invenção inuit.

Os arpões são parte integrante do kayak.

Exemplar de faca Ulu, outra exclusividade inuit.


Os afamados Kamiks, botas de pele de foca coloridas e bordadas.

Traje de festa.

O aposento vermelho do sótão onde se alojou Knud Rasmussen. Encontrou-se com Lindbergh para procurar locais seguros para aterrar um avião na rota aérea sobre o ártico.


Voltando à praça para terminar a ronda,

A sede do Kujataamiu, jornal local, também do século XIX.


Um café /restaurante também não falta, e (coisa rara) até há dias para ficar de esplanada.


Pedras e Homens

Um projecto mais recente, da década de 90, entregou à artista gronelandesa Aka Høegh (Inuk, 1971) a decoração da cidade com várias obras escultóricas na pedra local. Sob a designação Sten og menneske, Stone and Man, 40 obras estão um pouco por toda a parte, e pelo gosto e escolha adequados deram um novo alento cultural à cidade.






Certamente inspirada na Sereia de Copenhaga.


É de facto uma "colecção permanente", esta galeria ao ar livre.

O casario é o habitual no país: casas de madeira pintadas de cores vivas e pré-fabricadas em modelos que não variam muito. Mas não eram também pouco variados os modelos de enxaimel na Europa medieval ?


Outra característica das povoações da ilha é a falta de arruamentos e de trânsito automóvel; em Qaqortoq ainda há uma rede de ruas pavimentadas serpentando pela encosta, e ligando o porto ao heliporto na parte baixa; mas as habituais escadarias, rocha acima rocha abaixo, ainda oferecem um pitoresco adicional.

Mesmo uma família inuit das terras frias pode ter gosto em decorar a casinha; e flores na primavera são um luxo.

No Verão, aqui a temperatura sobe até aos 0 graus, ou com sorte um ou dois positivos.



O Arboretum de Narsarsuaq
Uma Floresta na Gronelândia ?!


Fica 60 km a noroeste de Qaqortoq. ao fundo de uma rede de fiordes.


O Arboretum de Narsarsuaq é um exemplo para o mundo: a Gronelândia quer ser verde, e  implementou um programa de florestação num dos poucos terrenos férteis.


É uma floresta nórdica, como as da Suécia: coníferas sobretudo, abetos e lariços, mas também amieiros, bétulas, salgueiros e choupos.


Floresta artificial parece uma contradição nos termos; de facto é uma das mais gratificantes e proveitosas acções humanas em favor da natureza e do planeta. Assim o fizessem muitos países da Europa.

E foi daqui que a Gronelândia começou a exportar... mel!
Da floresta de Narsarsuaq.

Cerca de 500 000 abelhas do norte da Suécia voaram (de avião!) para Narsarsuaq, onde as esperava uma nova vida.

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Junto ao Arboretum e com vista para o fiorde e as montanhas, há agora um café - o Polar-Tut Café:

Como eu disse logo de início, a Gronelândia é um dos países com mais futuro deste mundo alterado. E com a vista para o fiorde aproveito para desejar Bom Natal, uma vez que já entrámos na quadra!





2 comentários:

Belinha Fernandes disse...

Sou fascinada por estes países do frio, e seus usos e costumes. Sei que nunca iria visitar, não suporto o frio. Mas acho tudo tão bonito e um teste tão grande à tenacidade e engenho humanos! As esculturas na pedra, as casinhas coloridas e a história das abelhas que voaram de avião são uma delícia. Espero que esteja a passar bem esta quadra. O Porto não é muito frio mas é sempre muito molhado, e jé vi que o rio este ano galgou o leito. Lembro-me disso ter sucedido, penso que depois de ter deixado o Porto, quando aí estive a fazer um curso, teria sido em 2001?

Mário R. Gonçalves disse...

Molhado sim, Belinha. Felizmente (para mim) posso dar-me ao luxo de ficar em casa, a fazer coisas destas.

Boa quadra para si também, com muitas luzes, calor (humano) e sossego.