sábado, 19 de setembro de 2020

De Olevano a Palestrina, depois de ler Esther Kinsky.


Acabei há pouco de ler 'Grove', de Esther Kinsky. Não posso dizer que seja um grande livro, Kinsky não me convenceu com o seu acumular de memórias do pai e de descrições deprimentes de Itália.

Sucede que Itália resiste a descrições deprimentes. Ao ler as vivências da autora por Olevano e Palestrina, na comunidade de Roma, fiquei curioso e desconfiado: fui ver, e as imagens desmentem-na completamente. São vilas de encosta, soalheiras e agradáveis, respiram pedra e História, estão certamente desfeadas pela expansão moderna no sopé mas o núcleo antigo, que sobe íngreme em vielas e ladeiras, mantém a atmosfera simpática de aldeamento modesto do interior semelhante a aldeias portuguesas como Piodão ou Belmonte. Essa pobreza que no passado marcou a população do sul de Itália é agora atractiva para citadinos e turistas em busca da autenticidade e do sossego da vida rural, o que se reflecte tanto em melhorias dos serviços e do espaço urbano como no mau gosto do caos arquitectónico demasiado presente. Mas não é dominante a triste, pesada, nevoenta melancolia e quase miserável economia de sobrevivência (árabes, africanos) que Kinsky descreve - e que deve ser projecção do seu estado de mágoa e luto mental.

Serviu a leitura para imaginar mais uma viagem virtual (e literária) por Itália: vamos então em duas etapas visitar Olevano e Palestrina, no Lácio, a sul de Roma, com alguns extractos do livro.

Olevano

"Na minha primeira manhã em Olevano fazia sol e um vento suave agitava as folhas envelhecidas das palmeiras que me tapavam a vista da planície na base do monte. Um sino tocava os quartos de hora. Outro sino, mais estridente, respondia um minuto depois, como se precisasse do intervalo para confirmar as horas."


Burgo vitícola em pedra, contruído sobre uma colina - o monte Celeste -, a sua parte mais antiga ocupa o cimo, e o casario desce a encosta como lava de granito, a torre de Santa Margherita a espreitar sobre os telhados.


 
No topo, o que resta do antigo Castelo: a Torre medieval e o palácio Colonna-Marcucci (à esquerda).
 


Os telhados amontoam-se à volta da Igreja e Praça San Rocco. As ruas e vielas são tortuosas e estreitas, as praças pequenas. Escadarias também são inevitáveis.

Igreja de San Rocco e a Piazza, centro cívico.

Piazza Umberto I, o centro a meia encosta

Entrata di Garibaldi.


"De manhã eu saía a pé para a aldeia, por uma rua diferente de cada vez. Quando pensava já conhecer todos os caminhos, uma escadaria revelava-se em qualquer ponto, ou um corredor íngreme, ou um arco a enquadrar a vista. (...) Via aldeões idosos com algumas compras esforçando os pés contra o declive. Deviam ter corações saudáveis, treinados nestas encostas, dia após dia, com ou sem cargas e sob o peso da humidade invernal. Alguns trepavam devagar mas com firmeza, enquanto outros pausavam, recuperavam com golfadas de ar - fosse o ar o que fosse aqui, na ausência de luz e de qualque aroma de vida. .. Nem sequer havia gatos a rondar por perto."


Via Garibaldi, com problemas de trânsito na geografia quase impossível da vila.

"Depois, um dia o sol brilhou de novo. Os idosos saíram das suas casas, sentaram-se ao sol no Piazzale Aldo Moro, a piscar os olhos com a claridade. Ainda estavam vivos. Derretiam como lagartos. Pequenos répteis cansados, em casacos de remendos, forrados de pêlo artifical. Os sapatos dos homens estavam desgastados num dos lados. O bâton formava crosta no canto dos lábios das senhoras. Passada uma hora ao sol já riam e discutiam, gesticulavam fazendo farfalhar as mangas de poliéster."


Palácio Colonna-Marcucci

Parte do Castelo de Olevano, do séc. XIII, conserva a estrutura original. É o único património de valor histórico de Olevano, foi propriedade das famílias Colonna, Borghese e, no séc XX, dos Marcucci, que o restauraram.


Agora é moradia com espaços de exposição.




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Continuação: Palestrina, a cidade de PierLuigi



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