quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Palestrina, Lácio (continuado de 'Olevano')


Mais adiante no livro Grove de Esther Kinsky, a autora faz-se à estrada pela região a sul de Roma, em direcção a Palestrina. Descreve a cidade com a mesma sombria melancolia, sublinhando o abandono e a decadência. Vejamos.

Na frente da cidade, os três terraços que ainda restam dos seis originais de um santuário Romano, e o Palácio renascentista edificado no topo em torno do anfiteatro.

Começou por uma cidadela Etrusca no alto do monte, desde o séc VII A.C., depois conquistada pelos Romanos ca. 338 A.C.. Foi então um santuário famoso pelo seu Oráculo, a deusa Fortuna Primigenia, do qual se conservam os terraços baixos e paredes de engenhosa construção, que terá terminado no séc. II AC. A cidade renascentista foi construída sobre a Praeneste dos Romanos, de que ainda se vêm alguns pavimentos de rua.


A Palestrina actual tem cerca de 20 000 habitantes. Tal como Olevano, trepa pela encosta, neste caso de um dos montes Prenestini, mas de forma diferente, interrupta: o burgo pára a meia encosta e lá no topo há a mais casario onde era a acrópole antiga, agora Castel San Pietro.
Entrada pela muralha na cidade alta.

Durante o Renascimento Palestrina atingiu algum protagonismo, como mostra o Palazzo Colonna-Barberini. Reconstruído pela poderosa família Colonna por volta de 1460, sobre duas torres do séc. XII, aproveitou o anfiteatro do santuário e adicionou um poço; após várias demolições e restauros, foi adquirido pela família Barberini em 1630, a quem se deve o actual edifício, terminado só em 1640.

Palazzo Colonna - Barberini.

É um edíficio renascentista, onde agora está instalado o 'Museo Archeologico Nazionale di Palestrina'. Tem uma sala dedicada ao “Mosaico do Nilo”, e exibe exemplares de Cistae, os famosos cofres etruscos com esculturas sobre a tampa, que mostro mais adiante.

O poço quatrocentista de Barberini, localizado aproximadamente onde seria o antigo poço sagrado de Fortuna Primigenia.

Do anfiteatro tem-se uma ampla vista sobre a cidade nova e as planícies do Lazio.

Do antigo Forum resta pouca coisa:

Vestígio do 2º terraço; o poço sagrado estava mais acima, no 4º terraço.

Também a Porta do Sol, construída em 1642, foi obra dos Barberini. É o ex-libris actual da cidade. 

A Piazza della Regina é o centro cívico do séc. XVII.


Estátua de Palestrina (1921)

Passeando pelas vielas da meia encosta, damos com a casa natal de Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), importante compositor de música sacra do Renascimento.

Casa natal e Museu

" Palestrina era uma cidade de gatos. Depois de uma violenta chuvada as ruas ficaram vazias excepto gatos, brancos, cor de areia, malhados, por todas as esquinas, entradas e escadarias, em abrigos precários na beira de relvados. Alguns eram tranquilos e expectantes, outros ansiosos à espreita, mas não ariscos ou esqueléticos como os da Europa de Leste -  mas antes como astutos guardiões de lugares secretos, receosos de ser descobertos, apanhados no esconderijo."

Via dei Merli, com gato prenestino

 
Tal como em Otranto, íngremes escadarias em vez de ruas, e a dificuldade de vida que daí resulta.

Assim, apesar do museu e da casa de PierLuigi, a cidade aparenta mais pobreza e abandono que Olevano.


Museu Arqueológico Nacional de Palestrina

O edifício do Palácio Colonna-Barberini dedica as salas maiores e corredores dos dois andares a uma pequena colecção arqueológica das épocas Etrusca, Romana e Renascentista. Vale bem a pena, e já que nunca lá irei, aqui ficam as melhores imagens que consegui.

Sala do piso principal

Sala do piso superior

O mais conhecido é talvez o Mosaico do Nilo, um piso de mosaico helenístico (ca. 100 A.C.) que descreve a passagem do rio Nilo entre a Etiópia e o Mediterrâneo. Dois detalhes:


O fascínio e o espanto dos Romanos pela vida selvagem no Nilo, eles que só conheciam o modesto Tibre.


Uma jóia de II - III D.C. é um colar de ouro incrustado de 7 safiras:

Segundo estudos de especialistas, as safiras provêm da longínqua Ásia -  umas do Tailândia, outras do Sri Lanka ou Birmânia.

 Mas para mim o mais interessante são

Os cofres (cistae) latino-etruscos de Praeneste

Na necróple etrusca do monte Praenestini foram encontradas vários cofres metálicos portáteis (cobre, por vezes bronze) cilíndricos, com tampa sobre a qual há pequenas esculturas humanas. Devem ser objectos funerários, datados dos séc. IV - III AC, quando a população etrusca adquiriu cidadania romana :




Uma das peças mais raras é uma cista quadrangular em vez de redonda, e com referência à consulta do Oráculo prenestino. Possivelmente terá a forma da arca que continha as ‘sortes’ da deusa Fortuna, que um jovem extrai do poço.

 
Data do séc. III A.C., a seguir à conquista Romana, certamente com o Oráculo ainda não acabado.

Os cofres são também designados Cistae Praenestine, classificados como etrusco-itálicos; são notáveis as pegas ricamente esculpidas, fundidas pelos pés no metal da tampa. A superfície curva lateral está finamente cinzelada.

 
Três guerreiros de armadura.

Houve desde o século XIX uma corrida ao tesouro das Cistae, com alguma vandalização dos terrenos do alto do monte, que levou à descoberta de 118 objectos ! Três estão no MET de Nova Iorque, muitos em Villa Giulia (Roma), mais alguns no Museu Arqueológico de Palestrina. A ganância dos antiquários deu também origem a muitas falsificações.

Um dos mais belos exemplares, Cista Ficoroni, em Villa Giulia, Roma.


Para que serviam estes cofres, está ainda por esclarecer. Sabe-se que eram ofertas muito valiosas.

Cistae Prenestine no MET :
https://www.metmuseum.org/toah/hd/prae/hd_prae.htm

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Bem, só se confirma que Itália 'de tout et partout' é um território de tesouros. Nunca irei a Olevano nem a Palestrina, mas bem iria se pudesse; testemunhos da História assim silenciosos, quase secretos, podem ser mais emocionantes que as rotas mais visitadas. Esther Kinsky não as descreve, apenas as vê â sua maneira, com os óculos escuros da solidão recente. Estou-lhe grato por mas ter revelado.

Termino com PierLuigi Palestrina, pelos King's Singers:


2 comentários:

Arnaldo Leles disse...

O vídeo foi um bônus e tanto! Grato!

Fanático_Um disse...

Mais um post fantástico! Obrigado Mário. E... mais um local a visitar, quando for oportuno e, sobretudo, possível.