Esta memória já vem de 1983, é das mais antigas escapadas minhas para a Europa, numa altura em que namorar era a prioridade absoluta... e a minha donzela estava em Zagreb, de onde partimos para umas férias no Adriático. Um luxo, naquela época, embora o país estivesse ainda sob o regime de 'autogestão' socialista que impunha muitas limitações e cuidados. Curiosamente, o contraste com o Portugal triste da época (?!) era favorável à Jugoslávia, onde apesar do partido único e da corrupção se sabia gozar a vida com mais intensidade.
Fomos num avião da JAT (se fosse hoje, que medo, ui!) até Split, uma das mais belas cidades daquela costa, com uma riquíssima herança Romana; e dali, em ferry até Hvar, numa travessia amena sob o sol de Verão e sobre um mar tranquilo muito azul, parecia o mar das Caraíbas.
O ferry era da Jadrolinija, talvez fosse este, viajámos a pé descalço no convés superior.A chegada foi outra maravilha - o cenário do porto renascentista é lindo, sobretudo quando a pedra calcária da cidade reflecte a cor quente do sol. Todo o caminho para o alojamento foi um deslumbramento pela arquitectura, pelas tonalidades do casario, pelas palmeiras com o seu porte exclusivo. Deve ter sido assim que Paul Klee se sentiu quando chegou à Tunísia.
O alojamento era muito, muito fraquinho, nem os nossos recursos davam para mais; mas o quarto tinha uma janela que nunca mais esqueci que abria para o Adriático, moldado por palmeiras... algo assim:
Só íamos ficar três dias; ao segundo fizemos uma excursão na camionete de carreira através da ilha, por entre campos de lavanda e alfazema, até a outro portinho, na costa norte - Stari Grad *; fundada pelos gregos, é a mais antiga povoação da ilha. A camionete era velha e ronceira, como é tipico de países atrasados, e com muitas paragens em sítios de lá vem um; mas o perfume ao longo da estrada fazia esquecer a demora.
A ilha foi colónia grega, e já nessa altura as riquezas que eles procuravam eram a lavanda e os vinhos.Casa de pedra, iguarias penduradas do tecto de madeira, velharias e quadros locais a decorar paredes, menu de porto de pesca. O Antika. Tinha de ser ali: encomendámos um peixe grelhado para dois, que iria sair bastante caro para o nosso bolso, mas os visitantes da ilha eram sobretudo alemães e austríacos...
Lembro-me que era um peixe grande, talvez um salmonete, acompanhado de legumes assados, entre eles tomates recheados que na altura nunca tinha provado. Tudo bem regadinho num azeite espesso. Também me lembro de que o branco Pošip me deixou em mau estado, e depois não me recordo de mais nada desse dia, nem sequer do regresso de camionete.
Those were the days.
* = cidade antiga
3 comentários:
Olá! Conheci "O Livro de Areia" hoje (30/11/2020) e este post sobre suas aventuras românticas na Croácia, foi o segundo texto seu que consumi. De que isso importa? Nada (risos). Mas senti vontade de dizer, graças às poucas 3 leituras que fiz até o momento em seu blog e que me inspiraram, me trouxeram felicidade ao ler. Inspirou a que você talvez se pergunte... resposta: à viajar! Sou brasileiro, estudante e com uma paixão muito grande de conhecer novos lugares e culturas. Mas como você deve imaginar, como a maioria dos brasileiros (e estudantes de uma forma geral) também sou economicamente desfavorecido - leia-se pobre. Por isso, ficarei com a inspiração e com a vontade de percorrer o mundo para saciar em momentos futuros, quando for possível.
De qualquer forma: gostei da sua escrita, mesmo que falemos a mesma língua, não deixamos de estar em locais e tempos de vida diferentes, consequência: ler um pouco do seu blog é um aprendizado em gramática! Mas esse, obviamente, não é o único motivo pelo qual vou começar a segui-lo: gostei dos conteúdos que tu posta, e isso já basta.
Obrigado, João Pedro, se só começou agora tem muita leitura antiga para ajudar nestes dias difíceis. Mas tem uma vida pela frente... Eu já terminei as minhas viagens, agora só restam memórias, e passeios perto de casa. Uma boa quadra natalícia!
Que leitura maravilhosa para uma noite fria e húmida, fiquei a sentir-me um pouco mais quente (um feito) e menos rabugenta (um feito ainda maior)!
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