quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Música que vou ouvindo confinado entre Wharfedales


Ouvir as minhas novas Wharfedale é um consolo antiviral. De 2020 - ano Beethoven - sobraram várias excelentes gravações; ainda não ouvi todas e algumas merecem repetições, a disfrutar de melhor reprodução. São a prova de que nem tudo foi mau no ano vintevinte. Relato agora duas novas curiosidades, e uma coisa polémica.

Beethoven rarities, Howard Griffiths


Neste CD, a primeira raridade é a versão para piano do próprio Beethoven do seu concerto op. 61 para violino. Soa estranho, talvez artificial, um misto de já ouvido mas nunca antes ouvido; parece-me o piano um pouco tímido, cedendo à orquestra o protagonismo, mas pode ser um desequilíbrio intencional. Ouve-se bem, de qualquer forma. Já a alegre música para o Ritterballet (ballet do Cavaleiro), escrita para as festas de Carnaval em Bona, é uma suite de temas populares de que Beethoven na época nem sequer reivindicou a autoria. Ouve-se uma vez.

Assustadora é a Wellington Sieg. Uma espécie de marcha guerreira com muito tambor e trompa, incorpora o célebre Rule Britannia e o Mirandum (= Malborough) que vai à guerra, celebração anti-napoleónica, com duas orquestras (os ingleses e os franceses) em despique. Montes de barulho orquestral, que termina com Malborough declinando até se finar. Na segunda parte, o God Save the Queen inglês é objecto de uma curiosa interpretação com variações, lembrando por vezes o final da 9ª. Enfim, um outro Beethoven mais ruidoso e mundano.

Contemporâneos de Beethoven, Reinhard Goebel

Ainda relacionado com Herr Ludwig, este disco intitulado Beethoven´s world junta obras de Salieri, Hummel e o desconhecido Vorisek. Do primeiro, a suite 26 Variações sobre "La Folia di Spagna", é alegre mas cansativa; de Hummel, um injustamente secundarizado compositor, o majestoso e complexo Duplo Concerto para Violino, Piano e orquestra, com Reinhard Goebel a dirigir a sinfónica da WDR (Colónia). Há ressonâncias de Mozart, mas um Mozart que tivesse já aprendido com Beethoven... mas não, é Hummel no seu melhor, a escrever para dois instrumentos solistas e orquestra, o que não é coisa fácil, e a sair-se com mestria. 

Pletnev e a orquestra russa

Surprendente, esta gravação ao estilo russo, como se Beethoven fosse Tchaikovsky. Nalgumas sinfonias resulta, noutras não. Pletnev afasta-se das interpretações historicistas, retoma a manipulação (ultra)romântica, mas com um gusto, uma energia impressionante, digamos ao estilo de um Solti nos seus dias mais tresloucados. Portanto, nada a ver com o que estamos habituados a ouvir.

Fosse a orquestra medíocre e o resultado era um desastre; mas nunca ouvi uma a orquestra russa tocar com tal rigor, com tal vigor, enfatisando as dinâmicas a um máximo muitas vezes discutível. A gravação é excelente, toda esta ênfase passa sem distorção. Gosto muito das 2ª, 4ª e 7ª.  A interrogação na 5ª deve-se ao último andamento, realmente inaudível de tão erradas serem as opções de ritmo e dinâmicas, os fraseados aniquilados numa cacofonia estrepitosa. Pelo que li, a 3ª, 6ª, 8ª e 9ª são de fugir a sete pés, completamente arrasadas pela maluqueira de Pletnev. 

Seja como for, uma lufada de ar. Se é fresco ou insalubre, depende dos gostos.

Que música vou deixar na despedida ? Não, não é Pletnev, é antes a WDR num excerto de Hummel, o andamento final do Duplo Concerto:

Johann Nepomuk Hummel (1778 – 1837) nasceu em Bratislava. Teve lições de piano com Mozart, que o apresentou aos 9 anos num dos seus concertos. Em Londres teve lições com Clementi e contactos com Haydn. No regresso a Viena foi alunode Salieri. Por essa altura o seu contemporâneo Beethoven começou a partilhar com ele a intensa vida musical de Viena, e claro que Hummel perdia no confronto, aliás amigável. Mozart e Schubert viriam também fazer sombra a Hummel, que mesmo assim chegou a kappellmeister para  a corte do príncipe Esterházy.

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