domingo, 28 de março de 2021

Ussuriysk, um 'arzinho' europeu no extremo oriente russo.


Ah! como gosto de destinos improváveis, com a sua romântica inviabilidade. Mais uma passeata ao fim do mundo mas no sentido oposto - para Leste.

Esta cidade provincial no extremo oriente é a mais asiática da Rússia. Ussuriysk foi mongol, foi chinesa, depois conquistada pelos cossacos, e agora está invadida por comércio e empresas da China e Coreia. Mesmo assim conserva um peculiar arzinho colonial europeu nas suas longas avenidas e no seu minúsculo centro histórico, onde a arquitectura do mamarracho não estragou ainda o urbanismo. 

Deve ser engraçado viajar 9 000 km desde Moscovo, entrar profundamente na Ásia até aos confins da fronteira chinesa, e encontrar aí um bairro de casinhas europeias, rodeados de jardins, banquinhos e lampiões. Se Vladivostock já é bem conhecida e até já foi cenário de filmes, Ussuriysk permanece quase um segredo, apenas 100 km a norte.


Ussuriysk fica a sul do grande lago Khanka, a cerca de 60 km da fronteira chinesa e 60 km para o interior do Mar do Japão. E a sul da mais requintada Khabarovsk, que fica para breve, aqui no Livro.

Ussuriysk
Coordenadas:  43° 48′ N, 131° 57′ E
População:  ~160 000

O quarteirão comercial antigo.

HISTÓRIA

Entre 1115 e 1234, esta região da Manchúria fez parte de uma população nómada designada por dinastia (JurchenJin, a última antes da invasão Mongol. No séc. XVII,  os Jurchen da Manchúria conquistaram a China. Entretanto avançava a conquista da Sibéria pela Rússia; quando atingiu o Oceano Pacífico, os cossacos dizimaram com selvajaria as populações da Sibéria oriental até ao Amur, e em 1858 forçaram a Manchúria a ceder ao Czar da Rússia parte das terras a norte do rio Amur e a leste do Ussuri. Na 2ª grande guerra, o Japão ocupou o sul da Manchúria, mas apesar de algumas escaramuças com tropas japonesas, os Soviéticos tinham controle do nordeste em 1925. Actualmente, Khabarovsk, Ussuriysk e Vladivostok são cidades russas da antiga Manchúria.


Ussuriysk foi fundada em 1866 com o nome Nikolsky ou Nikolskoye; era apenas um aglomerado de cabanas em madeira sobre terreno enlameado. Localizada na bacia do rio Ussuri, que lhe deu o nome, numa encruzilhada de rotas de transporte e comércio entre portos do litoral e cidades mineiras do interior, foi ganhando importância estratégica; mas a chegada do caminho de ferro Trans-siberiano que liga Khabarovsk a Vladivostok contribuiu muito mais para o crescimento da cidade, que mesmo assim não perdeu o carácter de cidade de província e de fronteira.

O núcleo central, entre as ruas Chicherina e Kalinina, tem sido lentamente restaurado e revitalizado pelo seu valor histórico - testemunho da arquitectura dita neo-Russa do fim do século XIX, uma mescla que integrava arte nova e influências bizantinas..


As fachadas de prédios longos mas baixos, agora pintadas em cores alegres, estão alinhadas numa via peatonal arborizada, com jardins, bancos e lampiões 

A rua Kalinina e os prédios de comerciantes. Aqui, os armazéns GUM e a casa Kunst & Albers.

Kunst and Albers, armazéns e import-export , de1888. Agora é o Café Bulbar (boulevard), ou seja, o Café Avenida.


Em tijolo, com os cantos arredondados e um torreão, influência da arte nova.


Mais imponente e requintado é o edifício dos Correios.

O Edifício dos Correios, da viragem do século (~1900).


Os comerciantes com armazém negociavam roupa e calçado, joalharia, mobília, vinhos, chás, e aparelhos como máquinas de escrever ou extintores.


De 1890, a casa Churin & Co., do mercador Yakovlevich Churin de Irkutsk. Uma vasta companhia com ramificações na China.


As antigas lojas GUM (ГУМ) de Y. Churin.

O inevitável banco em ferro forjado.

Esta casa apalaçada era um banco, agora é o Centro Cultura Coreano:

Fica ainda na Kalinina; tem museu e café-restaurante coreano.

Junto ao núcleo antigo fica também a

Igreja da Intercessão da Virgem


A mais bonita igreja da cidade, e a mais antiga, com quatro cúpulas e uma torre sineira. Contém ícones, o mais famoso é de S. Seraphim de Sarov.

Foi construída em 1871, mas só recentemente recuperada do estado de decadência durante a era soviética.


Ícon da Theotokos (Mãe de Deus) "Abraço do Pai" (de Ussuri).

As outras igrejas de Ussuriysk são modernas e feias.


O Museu e a Tartaruga 

O Museu de História e Cultura de Ussuriysk está instalado numa antiga escola paroquial, um pequeno edifício térreo.


O museu é polivalente - arqueológico, etnológico, histórico, militar, história natural. Exibe artefactos, utensílios, trajes, fotografias, documentos e outros testemunhos do passado da Manchúria. 

Um samovar de Tula, uma peça de 1904.

Picnic no dia de aniversário do Museu.


A Tarataruga Jin

O mais valioso objecto do museu está fora, no jardim, sob um coberto.


É uma raríssima Tartaruga de Pedra Jurchen do século XII. Estas esculturas costumavam ser instaladas sobre o túmulo de membros da família imperial durante a dinastia Jin.

Estas grandes tartarugas ainda vivem no lago Khanka, embora em menor número.

Hotel Chekhov

Mais um torreão e beiral em quilha, típico do neo-Russo.

Anton Chekhov poderá ter passado em Ussuriysk em 1890, na viagem que fez pelo extremo oriente, até às ilhas Sakhalinas. Não há provas, mas é nessa atraente fantasia que se basearam os donos do hotel.


A casa pertencia ao comerciante Chulkov, e estava a ameaçar derrocada, antes da reconversão em hotel. Exemplo do estilo neo-Russo .

Dispersas pelas ruas mais antigas, algumas casas de madeira típicas com rendilhados à volta das janelas e nos beirais ainda sobrevivem em estado mais ou menos decadente.




Esta foi remendada:


Que nunca falte um Café. Кафе "Shazka":

Sempre confirma o tal 'arzinho' europeu.

Não me parece mal.

Ussuriysk está à latitude de Marselha ou Florença, é quase mediterrânica, portanto muito soalheira. Apesar disso, os invernos costumam ser nevados e a cidade fica coberta de branco.

O encanto Invernal de Ussuriysk.

Evitei mostrar a invasão recente de comércio e prédios de origem chinesa e coreana, desde restaurantes a armazéns. Devido à localização, Ussuriysk foi sempre metade chinesa, mas essa é a metade que não quis aqui focar.

Em redor de Ussuriysk

O Lago Lotosov, o lago dos Lótus

Todos os anos no Verão o lago fica praticamente coberto de flores de lótus.


Primorsky Krai, cercado pela China, Coreia do Norte e pelo Mar do Japão, é a região do extremo sudeste da Rússia, entre 42° a 48° north latitude e 130° a 139° east longitude.

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O Primorsky Krai e o território onde vive o Tigre do Ussuri.

No sul do Krai ficam cidades, como Vladivostok e Ussuriysk; o resto são terras altas, montanha e floresta, que constituem uma extensa reserva natural percorrida pelo rio Ussuri. Foi criado um Parque, o Zov Tigra; entre outras espécies, lá vivem alguns poucos...

... Tigres do Ussuri (ou do Amur).

O Parque 'Zov Tigra'.

Esta Extremo Oriente russo não é a desolação que é costuma divulgar. Espero ter sido rigoroso e fiel, nem sempre é fácil quando não se foi lá ver; consultei centenas de sites russos, mapas e vídeos, 'passeei' no google maps e no yandex. Se houver falhas, peço desculpa, já vou para ancião e estou cansado.

Mais (em russo):




quarta-feira, 24 de março de 2021

Karl Kahl, pintor impressionista russo vítima do 'terror político'


Nunca mais esquecer, casos como o deste pintor russo balta de Riga.

Karl Nikolaevich Kahl (1873-1938), perseguido pelo regime soviético, foi deportado para Tomsk onde acabou fuzilado por 'traição'. Só em 1996 foi reabilitado, triste adjectivo, mas nem por isso reconhecido como herói e homem de talento artístico.

Kahl nasceu em 1873 em Riga, no Báltico alemão. Em 1898 graduou-se na Academia de Artes de Dusseldorf, e chegou a ser premiado na exposição de Arte Russa durante os Olímpicos de 1904 em St. Louis. Foi viver em Vitebsk, Bielorússia, e desde 1912 optou por se fixar e trabalhar em Vladivostok, contribuindo para as Artes na região do Primorsky com paisagens e naturezas mortas no estilo impressionista. Na altura a cidade vivia um período cultural cosmopolita que atraiu vários criadores.

Em Abril de 1935 foi preso em Vladivostok, condenado a 5 anos de prisão e perda de direitos, que cumpriu na colónia penal de trabalho nº 2 de Tomsk; lá continuou o trabalho artístico, mas de novo acusado, a 3 de Dezembro de 1937, de espionagem para os alemães, foi condenado e fuzilado, com dezenas de outros, a 3 de Janeiro de 1938. 

A sua arte não interessava ao regime, que promovia o "realismo socialista". Por isso a reabilitação só viria em Fevereiro de 1965 pelo Supremo Tribunal da URSS; Karl tinha sido uma " vítima do terror político".  

Da obra de Karl Kahl pouco nos chegou, apenas alguns quadros dispersos por coleccionadores privados (em Saint Louis, no Japão), galerias e alguns museus, como os de Khabarovsk ou Vladivostok. 

Primavera, uma das obras da época de St Louis.

Macieiras em flor

Karl Kahl pintou a luz do Primorsky, uma região de luz mediterrânica em clima frio que lhe inspira uma mistura de tonalidades quentes e frias.

Outono

No rio

Em Abril de 2016 teve lugar a primeira exposição dedicada a Karl Kahl, que percorreu as cidades do Extremo Oriente russo.

Paisagem de Outono

Março

Retrato da senhora Chemnitz, o único retrato pintado por Kahl.

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Mais: aqui  e  aqui (em russo)


sábado, 20 de março de 2021

Passeio de desconfinamento com banquinhos libertados


Bem, a Primavera ajuda, há prados floridos e cantam os passarinhos, portanto o calor da Natureza boa talvez vença a negra Natureza má, com um empurrãozinho das seringas benéficas.

Saí rua abaixo até ao Parque da Cidade, julgando encontrá-lo vazio, a uma quinta feira. Que engano, Grupos e mais grupos, grupos de ciclistas que encostam bicicletas às árvores, mães com carrinhos de bébé, grupos de brasileiros ruidosos, grupos de tugas a falar ao telemóvel língua de pocilga, grupos de passeadores de cães múltiplos. Casos mais raros, uma 'artista' a treinar caminhada sobre fio suspenso, casais na relva com toalha e fruta.

Todo o mundo saiu. Aqui nas fotos evito gente, claro. O que me deu mais gozo foi sentar nos bancos livremente!




Também o tapete de trevo estava contente.



Livre !

Belo !


Raras vezes o parque me pareceu tão bonito e apaziguador. Depois da subida de regresso, chegado a casa, preciso de um tempinho de sofá, sem saber de como vai o mundo. Bom fim de semana.