de "Historias de Cronopios y de Famas"
"Ninguém terá deixado de observar que frequentemente o chão se dobra de maneira que uma parte sobe em ângulo recto com o plano do chão, e logo a parte seguinte se coloca paralela a este plano, para dar lugar a uma nova perpendicular, comportamento que se repete em espiral ou em linha quebrada até alturas extremamente variáveis.
Abaixando-se e pondo a mão esquerda numa das partes verticais, e a direita na horizontal correspondente, fica-se na posse momentânea de um degrau ou escalão. Cada um desses degraus, formados, como se vê, por dois elementos, situa-se um pouco mais acima e mais adiante do anterior, princípio que dá sentido à escada, já que qualquer outra combinação produziria formas talvez mais bonitas ou pitorescas, mas incapazes de transportar as pessoas de um rés-do-chão ao primeiro andar.
As escadas sobem-se de frente, pois de costas ou de lado tornam-se particularmente incómodas. A atitude natural consiste em manter-se em pé, os braços dependurados sem esforço, a cabeça erguida, embora não tanto que os olhos deixem de ver os degraus imediatamente superiores ao que se está pisando, e respirando lenta e regularmente.
Para subir uma escada começa-se por levantar aquela parte do corpo situada em baixo à direita, quase sempre envolvida em couro ou camurça, e que salvo algumas excepções cabe exactamente no degrau. Colocando no primeiro degrau essa parte, que para simplificar chamaremos de pé, recolhe-se a parte correspondente do lado esquerdo (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé já mencionado), e levando-se à altura do pé faz-se seguir até colocá-la no segundo degrau, e assim neste descansará o pé, e no primeiro descansará o pé. (Os primeiros degraus são sempre os mais difíceis, até se adquirir a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. Deve-se ter um cuidado especial em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.).
Chegando dessa maneira ao segundo degrau, basta repetir alternadamente os movimentos até chegar ao fim da escada. Pode-se sair dela com facilidade, com um ligeiro golpe de calcanhar que a fixa no seu lugar, do qual não se moverá até o momento da descida. "
Julio Cortazar nasceu em Bruxelas em 1914 de pais argentinos. Aos 4 anos foi para Buenos Aires, onde estudou. Em 1951, aos 37 anos, Cortázar, por não concordar com a ditadura na Argentina, partiu para Paris, onde se instalou definitivamente.
Amigo de Jorge Luís Borges e Bioy Casares, escreveu como eles contos fantásticos quase perfeitos.
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