sábado, 3 de outubro de 2009

Mais Steiner, e ainda Leibniz, Stockhausen...


Citações da Errata de Steiner, para tornar mais claro o que me faz discordar dele:

"É um lugar comum dizer que a música partilha com o amor e com a morte o mistério daquilo que é evidente" (self-evident).

"A música e a dança são em si mesmas movimentos e figurações primordiais do espírito humano que anunciam uma ordem de existência mais próxima do mistério da criação do que a linguagem"

"Uma caixa de música envernizada, uma tripa de gato ou um arame, um martelo com ponta de feltro, a inflexão do pulso do intérprete, a vibração das cordas vocais geram ondas cujas curvas e função algébrica podemos, efectivamente traçar, mas cujos "significantes", cujo poder de transformar os estados físicos e psíquicos, não podemos explicar. Pelo que suponho serem forças fundamentalmente "des"-humanas. "

G. Steiner, Errata, cap. Seis

Leibniz afirmava "Quando Ele canta para Si, a álgebra é a música de Deus"

Penso que esta citação de Lebniz, ao contrário do que Steiner infere, contradiz a sua tese: Leibniz não diz que " a música é a álgebra de Deus", o que poderia levar à superioridade da música sobre a álgebra, mas o contrário, ou seja, a inteligência, a suprema racionalidade, o "logos", são a música de Deus - Nele, a música "ascende" ao conhecimento universal.

Nem Leibniz, nem Steiner: a música é profundamente humana ( e não "des"-humana, seja isso o que fôr) e como tal intrinsecamente lógica e discursiva; contràriamente a Stockhausen, que Steiner também cita, estou profundamente convicto de que se a humanidade desaparecesse, com ela desaparecia também a música - que não é nenhuma espiritualidade imanente ao Universo ou à esfera do Divino.

O amor e a morte pertencem a outra dimensão, não lógica, não inteligível, irracional; não têem nada de criação humana, como factos imanentes ao universo, fora do nosso alcance criativo ou compreensivo; apenas criamos o conceito.

A música, pelo contrário, surgiu com o Homem - a menos que consideremos música o canto do pássaro - por ele foi construída emocional e racionalmente, teorizada, historicamente desenvolvida...e sem ele morrerá.

Mário

2 comentários:

Gi disse...

Mário, assim de repente, concordo completamente consigo. A música é uma criação humana - o canto dos pássaros é linguagem, própria a cada espécie e nem sequer universal.
O amor e a morte existem antes de nós e para além de nós.

Mário R. Gonçalves disse...

Parece quase óbvio, não é? Admito que Steiner não vá pelo caminho óbvio, mas a consequência do seu pensamento é a inutilidade da crítica, da análise, da história e da educação musical. ~

Se a música é uma evidência per se como Deus, a morte ou o amor, então somos iluminados ou ceguinhos sem redenção, pois não se pode ensinar a beleza. Grrr.