segunda-feira, 28 de março de 2011

Nóstos álgos : o Trans-siberiano (I)


Nostalgia, sensação de saudades de um passado vivido ou idealizado e irreal.

Viagem mítica, utopia, devaneio de aventura e descoberta, a linha do trans-siberiano faz parte das fantasias adiadas que me deixam imensa nostalgia.

Atravessar os Urais e a estepe mongol, a cordilheira do Altai e o deserto de Gobi, o Volga e os glaciares, a taiga e o lago Baikal, percorrer partindo da Europa tudo o que nos separa da Ásia e das bordas do Pacífico, já com vista para o Alasca; do nascer ao pôr do sol, passar rotas milenares de trânsito nómada, cidades de mil fulgurantes cúpulas, arquitecturas rendilhadas, e jantar em clima aristocrático e quase íntimo enquanto à janela desfilam dachasgers mongóis, manadas de cavalos e reabanhos das tribos das estepes, estação após estação da sofrida linha que foi estrela vermelha à custa do imenso sacrifício de tantos inocentes vítimas do regime estalinista.

Reviver leituras - Tólstoi, os contos de Tchekov, o Miguel Strogoff de Júlio Verne, Pasternak, as Cidades Invisíveis de Calvino, aproximar as viagens de Marco Pólo, a rota da seda.


Avistar ou visitar Nizhny Novgorod, Kazan, Novosibirsk, a Irkutsk do Miguel Strogoff, o Baikal, a elegante e refinada Khabarovsk...

Nem que fosse aos 100 anos, era a viagem da minha vida!
Mas primeiro, os bilhetes:
1ª classe, pouco mais de 800 €.


Linha Trans-siberiana - linha do Amur

A rota tradicional é a linha Trans-siberiana, que se inicia em Moscovo, passa por Nizhny Novgorod e Kazan no Volga, Perm no rio Kama, montes Urais, Omsk no rio Irtysh, Novosibirsk no rio Ob, Irkutsk perto da extremidade sul do lago Baikal, Khabarovsk no rio Amur, fronteira com a China,e finalmente Vladivostok, já no Pacífico.


Uma viagem de cerca de 10.000 km e 8 fusos horários, durante três semanas, a mais longa das viagens em caminho de ferro. É preciso planear cuidadosamente as paragens, escalas e estadas pelo caminho.

Partida: estação Yaroslavl, de Moscovo

O quilómetro zero !



Embarque

O Rossiya (Rússia), comboio nº 2, dia sim dia não:


Cá vamos.
Embalados pela marcha do comboio, quantas fantasias, quantos sonhos, quantos abraços e despedidas, quanta História, quanta Arte, quantos risos e choros... revisões à janela, ao passar da estepe, memórias na noite, no aperto da cabine, tum-dum tum-dum, já temos 100 anos?

À saúde !


(continua)

domingo, 27 de março de 2011

Anne Sofie, Brad, Grieg, a Primavera...

O concerto de ontem teve altos e baixos.

O pior, mesmo mauzinho :( , foram as canções compostas por Meldau, na 2ª parte. O senhor pode ser muito bom improvisador ao piano, mas não sabe compor nem tocar por pauta. Chato, académico, desinspirado; incomodou sobretudo a desagradável insistência em terminar as frases melódicas (cada verso) por uma nota prolongada em vibrato. Doooooown. Loooooong. E o vibrato de Von Otter nem é muito mau, mas cansa.

Para despachar a parte má, falta a desastrosa tentativa de agradar ao público portuga , cantando em ... brasileiro. Mas que mania. Era escusado, von Otter não domina minimamente a língua, cantou com uma folhita que devia ter a transcrição fonética, sem perceber o significado de cada palavra. Nem sequer tinha treinado os mínimos. Saiu muito, muito mal. (Insensatez)

Foram em geral conseguidas as interpretações das canções de Grieg, Sibelius, Brahms e Strauss, na 1ª parte. A voz de Anne Sofie von Otter está muito agradável, perdeu grande parte do timbre anasalado que me desagradava nos agudos, mas em boa verdade ela também controla lindamente esses agudos, cantando-os preferencialmente em pianíssimo. Não teve uma única falha que eu desse conta, consegue não sei como uma excelente projecção de voz sem o mínimo esforço, previlegiou sempre a elegância da dicção e da expressão.

Um dos pontos altos:

Våren (Primavera) , de Grieg

Sim, uma vez mais o inverno se retira
para dar lugar à primavera
as sebes há pouco carregadas de botões
estão de novo floridas

Mais ou menos assim:


para comparar:

Barbara Bonney



Karita Mattila


Kirsten Flagstad, talvez a melhor...


Pelo contrário, Meldau não foi além de um pobre academismo. Não é um pianista de formação clássica, não está totalmente à vontade a tocar por pauta. Foi um acompanhante muito eficaz e competente, mas sem personalidade nem expressão própria.

A finalizar, outro ponto alto: lindas homenagens a canções dos bons tempos, interpretadas com tocante sensibilidade clássica; Barbara, Joni Mitchell (Michael from mountains), McCartney (Blackbird), Michel Legrand (Les moulins de mon coeur):

Une pierre que l’on jette
Dans l’eau vive d’un ruisseau
Et qui laisse derrière elle
Des milliers de ronds dans l’eau
Au vent des quatre saisons
Tu fais tourner de ton nom
Tous les moulins de mon cœur

Aqui sim, Mehldau deu um ar da sua graça, em variações improvisadas que contagiaram o público.

Sala completamente cheia, público atento e dois encores.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ena! Estamos livres deste também !

Contrariamente ao sentimento geral (que os telejornais e os economistas economicistas acentuam), ultimamente abundam boas notícias.

Já não me interessa nada, mas Yahooo! foi suspenso o amaldiçoado, muito imbecil e totalmente ineficaz modelo de avaliação dos professores!

Parece que estamos a evoluir no bom sentido, civilizacionalmente falando. Provavelmente, será suspenso o TGV , espero para breve mais essa boa nova.

Dinheiro não é tudo. Que importa a subida das taxas ? Hão-de descer. E o petróleo. E o euro.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Aurora

Aurora era a deusa que anuncia o amanhecer, na mitologia romana .

«Já então Aurora, com a sua primeira luz, deixava o leito de açafrão de Titã e inundava a terra com a sua claridade matinal, com o Sol a dardejar os seus raios e tornando todos os objectos bem distintos.»
(Virgílio, Eneida)

Em 1521, Pierre Gassendi juntou Aurora com Boreas, o deus grego dos ventos do Norte, para designar as luzes dos céus setentrionais como Auroras Boreais.

O fotógrafo Terje Sorgjerd passou uma semana a filmar uma das maiores Auroras Boreais dos últimos anos, perto de Kirkenes, no extremo nordeste da Noruega (fronteira com a Rússia), a 70º N, 30º E e a -25 ºC.



Nota: deve ser visto em pleno écrã mas em silêncio !

quarta-feira, 23 de março de 2011

Ena! Estamos livres dele!

Isso é bom, não é ?

Bom como ter chegado a primavera !

Pelo menos, fez-me sorrir.

Festejemos:


Haydn, As Estações - Primavera, dir. Harnoncourt

domingo, 20 de março de 2011

Bem-vinda


Equinócio, Primavera, ontem,


Árvore, dia dela, hoje

La cueillir quel dommage !
la laisser quel dommage !
Ah ! cette violette

Naojo

Dans l'eau que je puise
scintille le début
du printemps

Ringaï

Quand le jardin
fut balayé de frais
tombèrent des fleurs de camélia

Yaha

Arbres en fleurs,
Illuminent le tramway,
Multicolores.

Antonin Subtil


quinta-feira, 17 de março de 2011

Bolonha 5: Ferrara , e mais

As estradas italianas são uma vergonha. Feitas nos anos 70, ou por aí, pouca manutenção, pisos degradados, faixas estreitas, sinalização deficiente. Afinal, as portuguesas são mesmo um luxo, mas a que preço.

Ir a Ferrara de carro, contudo, correu lindamente. De Bolonha, meia hora, e chegado lá, parque para estacionar às portas de entrada da zona pedonal. Não faltavam vagas, 1,5 € para 3h, nada mal.

Città del Rinascimento:


Longa rua comercial, casas entre pastel e ocre com venezianas e... arcadas, claro! Saldos, ainda.


Transversais: ruas antigas, medievais, com passagens de 1º andar em arco:


Ferrara, città della bicicletta : por toda a parte!


Ao fundo, parece anunciar-se o centro.

De súbito, está ali a catedral, a piazza, logo adiante o castelo. Que conjunto! Como é que os italianos sabiam fazer isto tão bem? Não há praças mais belas que as italianas, seja em que parte do mundo for !



Para começar, um cafezito na esplanada mesmo em frente à catedral, luxo. Esperava mais de 2€, saiu a 1.20 !! Vou mas é viver para Itália...




Belíssimo portal, com dois leões, a sustentar colunas:



Uma arcada com lojas anexa ao lado da catedral:




Viver a Piazza


A terminar: fiquei em Bolonha no Hotel San Donato; saindo a porta já estava no centro, ópera a 3 min, fonte de Neptuno a 5 min ... e as vistas do belo terraço !



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segunda-feira, 14 de março de 2011

Bolonha 4 - os Mosaicos de Ravenna

É quase impossível descrever o que se vê e se sente dentro da Basílica de San Vitale, do Mausoléu de Galla Placidia, da Basílica de S. Apollinare in Classe, do Baptistério ortodoxo.

Templos pouco mais que anónimos do exterior, de estilo despojado em parede de tijolo, escondem um tesouro íntimo de quase insuportável beleza. É como penetrar num outro mundo, numa outra época, de magia e prodígio.

Bilhete único para cinco locais históricos:


Ravenna é pouco visitada: pude desfrutar em total solidão dessa intimidade com o passado por largos minutos, incrível ! Não é do conhecimento geral que foi por três vezes capital: capital do Império Romano do Ocidente, do reino de Teodorico, e do Império Bizantino.

Teodorico foi rei dos Ostrogodos, aliados dos romanos, e vice-rei do Império do Ocidente, nos séc V-VI, e um personagem lendário para os germânicos. Viveu largos anos em Constantinopla, e esforçou-se por transmitir a civilização romana aos povos "bárbaros"; quando se estabeleceu em Ravenna, promoveu alianças entre povos germânicos e defendeu o legado romano.

O reino de Teodorico em 523

São dessa época as basílicas e baptistérios revestidos a mosaico bizantino que fazem a glória artística de Ravenna. Os mais antigos são os do pequeno mausoléu cruciformemandado construir nos séc IV-V para, ou por, Galla Placidia, filha do imperador Teodósio e irmã do imperador Honório. Galla Placidia era uma cristã culta e amada pelo povo de Ravenna. Mas não há acordo quanto à verdade histórica do mausoléu, há até quem suspeite de fraude quanto aos corpos sepultados.

O tecto representa o céu estrelado, de um azul intenso, e estrelas de várias formas e cores, um deslumbramento. As abóbadas são revestidas a mosaico figurativo (os Apóstolos, o martírio de S. Lourenço...) ou geométrico, decorativo. A pouca luz interior entra por pequenas janelas de alabastro, criando uma atmosfera de recolhimento.




San Vitale é uma basílica octogonal, paleo-cristã, consagrada em 548. Apenas uma alta cúpula central, coberta de mosaico, e dois andares de galerias, um templo alto e que não dá sensação de espaço ou profundidade, mas de estreita intimidade e elevação.


Poucos locais da Europa convocam tão intensamente história, religião e arte. Nas paredes laterais da ábside, frente a frente, os mais célebres painéis: à esquerda o imperador de Bizâncio Justiniano, à direita a sua esposa Teodora.




Mais: aqui e aqui

S. Apollinare in Classe é uma espectacular surpresa. Sóbria, quase lisa por fora, ficamos sem fôlego ao entrar: uma longa nave central e duas laterais separadas por arcadas decoradas com mosaico e frescos, iluminadas por uma luz surreal (ao pôr do sol...) devido à cobertura de mosaico nas cúpulas e paredes.



Mas Ravenna tem 8 locais classficados pela UNESCO , é uma cidade luminosa, colorida, limpa (ao contrário de Bolonha), de dimensão confortável...


ruas de lindas casas com venezianas e nomes bonitos:


E ao que tudo indica será Capital Europeia da Cultura em 2019.

Por do sol em Ravenna, frente a S. Apollinare