A DACHA - segredo da alma russa
As famílias urbanas russas não dispensam a sua casinha de campo para escape de fim de semana - a dacha. Geralmente de madeira, com águas furtadas e um quintal à volta, onde cultivam flores e pepinos. Há-as de luxo, com mármores, ou muito pobres, simples casotas. São um estilo de vida, estão por toda a parte e desfilam aos olhos de quem vai à janela do Rossiya.
Quem não se lembra do seu protagonismo em grandes filmes russos? No sublime "Solaris" de Andrei Tarkovsky; no genial "Sob um sol enganador" de Nikita Mikhalkov; no "Dr. Jivago", de David Lean; no perturbante e belíssimo "Desterro" ("The Banishment"), de Andrei Zviaguintsev... a dacha não é só décor, é personagem com vida própria.
A dacha do Dr. Jivago na estepe gelada
É como um santuário de cultura alternativa. Reúne-se a família no sentido lato (tios, primos....) , aceitam-se visitas-surpresa com hospitalidade. Grandes almoçaradas (adoram grelhados de fogareiro) ou alegres e demorados chás (indispensável o samovar antigo, em latão, com patine) acompanhados de salgados e bolinhos fazem parte do programa, entremeados de canções e guitarradas. Indispensável também o mergulho no rio ou no lago, ou o passeio de bicicleta.
Samovar e guitarradas
Quanto ao recheio: serviços de louça, quadros com cavalos e troikas, jarras com flores por toda a casa; livros de Dostoievsky, Tolstoy, Tchekhov, Pushkin.
Nada de plásticos ou poliéster! Paninhos de renda, porcelanas, vidros e metais. Uma cadeira de baloiço em verga. Requinte: porcelanas Lomonosov de S. Petersburgo, mas peças avulso desconjuntadas também servem.
serviço Lomonosov
Em regra, não há confortos à ocidental: vida despojada, rural. Não há telefone nem água quente (a não ser a fervida para chá), muito menos televisão. Rádio, só a pilhas. A casa de banho é uma cabine no jardim...
A maioria vai da cidade à dacha de combóio - até porque muitas foram construídas em terrenos inacessíveis por estrada, mais baratos.
A maioria vai da cidade à dacha de combóio - até porque muitas foram construídas em terrenos inacessíveis por estrada, mais baratos.
Na origem, eram casas de retiro dos velhos reformados, único refúgio para sobreviverem com as magras pensões. No regime soviético, foram "regulamentadas" : a área do jardim tinha de ser 6 sotok (~ 600 m2), padrão oficial para área arrendada pelo Estado. Agora já abundam luxuosas vivendas, mais escondidas nos bosques ou sobre os lagos.
O que interessa é a sensação de "regresso às origens", ao modo ou ao local de vida dos antepassados, e a fuga ao stress urbano. E todo o requinte é pouco com a decoração das janelas ! Infelizmente, passam demasiado rápido para quem as vê da janela do Rossiya.
A PASSAGEM DOS CONTINENTES
continuando a viagem, com os Urais à vista, chegamos a...
Perm, a última europeia
Ponte ferroviária sobre o rio Kama, Perm
Estação
Catedral
Galeria de Arte Estatal, Perm
Cidade intensamente industrial (fabrica andares do fogetão Proton, o lançador russo) , petrolífera, universitária também, Perm é desinteressante, um caos de edifícios de mau gosto. Não merece saída.
Prossigamos. Uma bebidita no bar ?
Há de tudo: homens de negócio chineses, casais de reformados americanos e franceses, jovens aventureiros de mochila a solo ou em grupo, gente local em viagem de trabalho ou de visita à família. Conversa multilingue.
ATRAVESSAR OS URAIS
Rio Ufa, Urais
Finalmente, saímos da Europa, os Urais são a fronteira com a Ásia. Estendem-se de norte a sul, do Ártico ao Báltico, por 2000 km, mas são montes de baixa altitude, no máximo uns mil e poucos metros, arredondados pela erosão, relevo velho. Do trans-siberiano, que os atravessa a sul, quase podem passar desapercebidos. A paisagem oscila entre floresta, vales, lagos, rios e estepe.
Telle était la frontière que Michel Strogoff devait franchir pour passer de Russie en Sibérie (...)Les neiges éternelles y sont inconnues, et celles qu’un hiver sibérien entasse à leurs cimes se dissolvent entièrement au soleil de l’été. Les plantes et les arbres y poussent à toute hauteur.
Já eram conhecidos dos Gregos, que lhe chamavm Montes Rifeus (Rhipaion) e os situavam no mítico país dos Hiperbóreos, último limite do mundo conhecido.
E ... os almoços ?
Também há que cuidar da fominha ! O melhor é esperar pelas estações onde o trans-siberiano faz paragens mais demoradas, uns 20-30 min. :
No cais, nas plataformas, estão já à nossa espera banquinhas de vendas de comida, reputada melhor do que a comida a bordo. Saimos, esticamos as pernas, respiramos ar fresco e o aroma de comida quente com especiarias, que gentes locais acabaram de cozinhar em casa! As melhores são das "babushkas", as senhoras mais idosas... só falam russo mas são bem dispostas.
Sopas, estufados, peixe fumado do lago Baikal, frango e batatas em várias opções gastronómicas, massas, sandes variadas, ovos, yogurtes, queijo, pão, framboesas, vegetais, bolinhos, tudo com aspecto apetitoso e a preços... incríveis (em rublos).
Mas a bordo tem de ser o jantar: hoje, Bife Stroganoff, pela 3ª vez. Mas sempre diferente (parece que há mil maneiras de fazer... não com favas*, suponho).
E grande música para um belo serão, ok ?
Próxima etapa:
SIBÉRIA PROFUNDA
já estamos na Ásia!
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* favas, só sob condição ! :D