quinta-feira, 7 de abril de 2011

O Trans-siberiano ( VI )


O LESTE DA SIBÉRIA

Um pouco de História: a construção do Trans-siberiano foi iniciada sob as ordens do Czar Alexandre III, que se apercebeu da imensa riqueza do subsolo siberiano - cobre, ferro, ouro e diamantes... Foi um trabalho penoso, que começou em 1837 na Rússia central. Em 1870 a linha chegava aos Urais. Em 1890 iniciou a travessia da Ásia. Em 1898, como já foi dito, chegava a Irkutsk e ao Baikal. E aí foi a parte mais difícil - contornar o Baikal. Custou a vida a milhares de prisioneiros e camponeses. Desbastamento de floresta, secagem de terrenos pantanosos, escavações, terraplanagens, contrafortes, túneis e pontes...

O leste da Sibéria é ainda hoje a principal "mina" da Rússia, e a sua única jazida de ouro. Também começa a ser, graças ao trans-siberiano, um destino de viagem de aventura.

Irkutsk e o Baikal ficaram para trás, assim como a estepe. A paisagem é agora mais variada. Estamos na Trans-Baikalia.



A linha Baikal - Amur

Pela bacia dos rios Amur e Shilka

Entramos na região que foi outrora o extremo norte do império do Kublai Khan, o Grande Khan de Marco Polo. As influências chinesas notam-se logo na cidade seguinte, Ulan-Ude, cidade mongol entre os séc. XIII e XVII.


Ulan-Ude não tem interesse nenhum, a não ser que se apreciem monos da era soviética: a praça central, de estética 100% estalinista, tem a maior e mais feia cabeça de Lenine de toda a Rússia. É digna de se ver, de facto, como testemunho do que "aquilo" foi.

Mantenham o sério, vá lá...
Mas se querem mesmo rir, façam uma pesquisa de imagens no Google sob "Ulan Ude Lenin".

De resto, a cidade tem uma escola/templo budista (recente, pois todos os templos antigos foram arrasados), um bairro de casas de madeira caótico como na Ásia...

O maior interesse reside mesmo no trans-siberiano: porque é aqui que os caminhos ... se bifurcam !

Uma linha desce para Pequim atravessando parte da Mongólia; é a linha do Golden Eagle Express, o trans-siberiano de luxo, que não é o nosso. Quem optar por esse programa, tem poucas paragens, poucas visitas (oh, inclui o "cruzeiro" no lago Baikal !) mas ... tem um bom (e caro) restaurante! cabines bem mais atraentes! chuveiros e casas de banho mais espaçosas e melhor apetrechadas!

Quem, como nós, veio em 1ª classe do trans-siberiano regular para Vladivostok, muda de composição aqui, e segue em frente para leste.

Aldeias pobres ladeiam a ferrovia

E entramos na Amurskaya - a bacia do Amur, e a do seu afluente Shilka:


O Shilka visto da janela

É uma zona verde, florestada, 50 km a norte da fronteira com a China ( e que a ela pertenceu nos tempos imperiais). Rios, encostas, igrejas isoladas, aldeias muito pobres.

Ainda outra cidade antipática, Chita, sítio de exílio e de bases militares (sede do Distrito Militar da Sibéria Oriental), cidade fechada ao mundo durante décadas, blocos de cimento soviético bem alinhados mas decrépitos, mais uma estátua do grande Vladimir... não sei como não implodem tudo para fazer de novo.

Chita: até a catedral (séc XX) é de fugir


O RIO AMUR

Rio Amur, Amurskaya

Com 4354 Km de percurso, é um dos 10 maiores rios do mundo. Definiu as fronteiras sino-russas, embora em muitos locais persistam reclamações e conflitos de traçado. Não há muito, os russos construíram uma capela ortodoxa à pressa numa ilhota fluvial só para marcar território.


Nasce nos planaltos da Trans-Baikalia, onde escava gargantas, corre depois em meandros pelas terras baixas em direcção ao Pacífico, curvando para Norte e alargando até desaguar no Mar de Okhotsk.

É um rio navegável, de grande importância comercial e estratégica


O TIGRE DO AMUR (tigre da Sibéria)

O mais famoso habitante da região do Amur é um famoso gatinho, o "Tigre do Amur".
Vive nas florestas luxuriantes do extremo leste siberiano, entre Khabarovsk e o oceano. E dá-se muito bem com o gelo invernal.

Não o veremos, claro, mas podemos imaginar...


OUTROS ASSUNTOS

Almoço "volante" em Obluche:
Como é hábito, as paragens são animadas, a chegada do trans-siberiano é aguardada por vendedores de snacks.

A melhor sanduíche-de-combóio de sempre!


E o jantar a bordo?

Restaurante do Rossiya

Tendo em conta o sucesso do anterior post gastronómico, cá vai mais um apontamento: o restaurante do Rossiya serve, quase todos os dias ...

Solianka

- uma sopa de carnes com pepino, azeitona, tomate, alcaparras, cebola... mmmm...

Cá vai uma receita em francês, comme il se doit:

Pour 6 à 8 personnes

2 oignons moyens finement
hachés
l feuille de laurier
2 brins de persil
3 cuillerées à café de sel
60 g de beurre
4 oignons moyens finement
émincés
l concombre moyen, pelé,
fendu en 2, épépiné et
finement haché
2 tomates, pelées, épépinés
et hachées

Quelques pincées de poivre blanc
4 cuillerées à soupe de câpres,
égouttées et lavées sous l'eau
froide courante
l citron, coupé en tranches fines
2 cuillerées à soupe de persil
finement haché
12 olives noires, dénoyautées

Esta foi uma estreia! O Livro de Areia a publicar receitas culinárias! Nunca pensei... deve ser a última...

E leitura depois do jantar ? Sim?

«Mil e uma vidas , de Moscovo a Vladivostok.»
Um relato a não perder. De como o tempo se dilata, de como um combóio pode ser uma pequena cidade onde todos se vão conhecendo.

Embalados pelo balanço e pelo ritmo a que já estamos acostumados, já com uma leve sensação de fim de viagem, adormecemos com a leitura, para despertar com o sol nascente de novo a apontar o destino...

quase a chegar a Khabarovsk !


Spokoynoy nochi, malyshi !

4 comentários:

Paulo disse...

Eu gostava mesmo era de ver um gatinho.

(A cabeça de Lenine fez-me lembrar, mal comparado, a de Sá Carneiro no Areeiro).

(A sopinha parece interessante.)

Gi disse...

Estes tigres são lindíssimos.

O Paulo tem toda a razão na comparação, mas estátua de Sá Carneiro é ainda mais horrível.

Cheira-me que esta parte da viagem já pede realmente muita leitura.

Joana disse...

Tenho apanhado o comboio atrasada e hoje quase não chegava a tempo. Mas a vontade de viajar foi tanta...
A arquitectura estalinista é, apesar de tudo, curiosa. Marca uma época, um regime, uma forma de estar. A universidade de Moscovo, por exemplo, deixa quem a vê estarrecido e arrasta-nos no tempo, de volta às glórias soviéticas.
Obrigada pela viagem, Mário. Óptimo jantar. Deve ser bom cozinheiro!

Mário R. Gonçalves disse...

:) Joana !

Chega sempre a tempo, sabe?