Mesmo quando se tem tudo planeadinho, acontece por vezes num tempo livre deixado à solta uma das melhores e mais gratas experiências de viagem.
Assim aconteceu, em duas tardes livres em Londres que dediquei a far niente:
Estava sol mas não muito calor, o ideal para passear pelas ruas no 2º andar de um vermelho London bus. Não cansa os pés, vê-se o rebuliço e as fachadas e vai-se saindo onde se quer.
Trafalgar estava apetecível - as colunatas brancas da National Gallery e da igreja de São Martinho do Campo iluminadas intensamente pelo sol já baixo - e era altura de lhes dizer adeus. Ao passar em St. Martin, cartazes de concertos livres:
Pareceu-me ouvir música vinda lá de dentro. E era: ensaiava para essa noite o grupo liderado pelo violinista Joshua Fischer que ia tocar Bach e Vivaldi.
Momento quase mágico, com a luz a entrar em força pela janela do fundo, projectando sombras nas paredes claras. Bach enchia a nave. Irresistível. Para mais, é tão bonita, aquela igreja de madeira, branco e gessos... mini-filme:
Noutra tarde livre, com os pés pisados de calcorrear Notting Hill e Portobello (fugimos sempre do mercado, claro), pasmava frente ao cinema Coronet em Notting Hill Gate: como é possível que um edifício daqueles, numa zona urbana movimentada, ainda não tenha sido engolido pelas salas multiplex de qualquer shopping? Pois é assim.
Enorme, imponente, era um antigo teatro que foi convertido em movie theater. Prometia ser interessante ver cinema ali, como nos velhos tempos se via no Rivoli, no Batalha ou mesmo no Coliseu. A bilheteira era o balcão do café/bar... o filme era Moonrise Kingdom de Wes Anderson, com alguns actores de respeito. A sinopse do filme prometia tudo menos chatice. Vamos lá.
A sala era um salão enorme , claro, com plateia, balcão, tribuna e sei lá que mais, tudo forrado a vemelho com mutos candeeiros, alguns dourados e pinturas no tecto... ena, isto devia estar classificado (e está). Podia-se deambular à vontade, sair e voltar a entar, ir lá fora para um cigarrito... já nem estou habituado a esta "qualidade de vida". Nao havia pipocas, nem telemóveis.
A qualidade da projecção era *****: imagem luminosa e bem focadinha !, coisa difícil por cá. Depois de uma valente estopada de anúncios e trailers (isso é igual, hélas) o filme era uma obra prima deliciosa, com uma realização de mestre, inventiva e bem disposta, um enredo invulgar e invulgarmente filmado onde todas as personagens se tornam simpáticos na sua humanidade. É uma história de dois adolescentes que fogem de casa para se juntarem, numa história de amor tão ingénua, aventurosa, arriscada e corajosa que faz mesmo vontade de voltar a ter 13 anos.
O Coronet é uma raridade, e deu-me a ver um dos melhores filmes dos últimos tempos - penso mesmo que ultrapassa o Hugo de Scorsese.
Moonshine Kingdom - a não perder !
4 comentários:
Que bom! Como eu gosto dessas surpresas...
De repente deu-se-me uma grande saudade de Londres. Ainda não fui lá neste milénio; tenho de resolver esse problema rapidamente.
Uma vez também apanhei um concerto excelente de música de câmata à hora do almoço em Saint Martin-in-the-Fields. Parava muito por aí porque havia uma cafetaria que tinha uma raridade preciosa: café expresso (há bué anos).
Paulo,
agora há cafés expresso em toda a parte (a partir de 2 €...). Mas desde que encontrei um que o servia em chávena pequena,quentinho e comprido mas não cheio - o Arts Café de Notting Hill - nunca mais quis outro. Apre, que é difícil aos ingleses aprender a tirar café
Estaria lá hoje se a minha filha não tivesse adoecido. Já tinha os voos marcados e tudo.
St Martin's é maravilhosa e os concertos by candlelight sempre sublimes.
Tb adoro os doubledeckers vermelhos, a Regent Street, a Oxford, a Totteham court, o Charing Cross....tudo!
E cinemas como esse...maravilha!
Boa noite!
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