segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Post do Ártico: Belushya Guba, quem ouviu falar ?


Prosseguindo com o tema "os extremos da Europa", como os já referidos  Kazan a leste nos Urais ou Longyearbyen a norte nas ilhas Svalbard, vamos agora para uma terra do longínquo nordeste europeu que é quase incognita. Belushya Guba é o centro urbano mais importante de uma ilha com 90 000 km2 (o tamanho de Portugal). A ilha chama-se Novaya Zemlya (Terra Nova em russo) e fica no Ártico siberiano; o curioso é que, sendo uma extensão dos Urais, ainda pertence à Europa!


De facto, é mesmo o extremo nordeste da Europa:


Novaya Zemlya não é uma ilha mas um arquipélago, constituído por duas ilhas separadas por um estreito canal, navegável quando o mar degela - o Matochkin Shar.
A poente, é o Mar de Barents; a leste, o Mar de Kara. Ambos gelam no inverno, prolongando no mar a calote gelada que cobre as ilhas.

Belushya Guba foi fundada em 1895, ainda na época da caça à baleia. Mas entrou para a História em 1954, quando os russos decidiram usar Novaya Zemlya como sítio de testes para bombas atómicas. Passou a ser  nessa altura um feio aglomerado de blocos militares ( e eram muitos os que serviam na base e no aeroporto próximo, Rogachevo). Desde o fim da guerra fria, semi-abandonada, foi decaindo tornando-se um tenebroso desterro para militares.

Agora, pintados os feios blocos de cores vivas, a escola (re)construída, ...

... as ruas repavimentadas, Belushya Guba parece outra coisa. Tem lojas, mercado, hospital e clínicas, cabeleireiro, hotéis, piscina e ATM


E uma igreja, claro.
"Restyling" à maneira russa: a nova igreja ortodoxa.


Os dois ícones da Rússia, a igreja ortodoxa e a estátua de Lenine, num frente-e-frente desafiador.

Belushya GubaNovaya Zemlya
Coordenadas: 71.5° N, 52.3° E
População: ~ 2000


A cidade ainda continua a ser maioritariamente habitada por militares e suas famílias, mas agora é o petróleo e os minérios que estão na mira, sobretudo porque as rotas cada vez mais acessíveis do Ártico começam a ser rentáveis.

Parque infantil da nova escola.

Novo estilo de vida, alguma democracia e bem estar.


Equipada com uma escola para 560 alunos, infantário, novos apartamentos, dois hotéis, lojas e cabeleireiro, estúdio de fotografia, hospital com 200 camas, uma clínica, um pavilhão desportivo com piscina olímpica e talvez mais, Belushya Guba já não é exactamente um buraco no fim do mundo.
O melhor edifício é a Casa dos Oficiais

No Verão, as temperaturas variam entre −12 °C  e +10 °C - podia ser pior, mas as tempestades e a longa noite invernal são terríveis.



Auroras Boreais
Aurora sobre Belushya

Como fica a norte do Círculo Polar, o fenómeno das auroras é frequente:



A beleza de Novaya Zemlya

Novaya Zemlya ficou tristemente célebre como local de testes de bombas nucleares durante a guerra fria; foi lá que os soviéticos fizeram rebentar a maior bomba de todos os tempos - a "Tsar bomba", em 1961. Actualmente, isso "passou à História": a ilha começa a ser cada vez mais visitada por cruzeiros turísticos. E não admira:

Glaciar, no golfo de Inostrantseva, na costa norte.

O estreito de Matochkin

Capela em Matochkin

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O norte da Sibéria foi durante séculas uma zona mártir - abandonada, usada para trabalhos forçados nos Gulags, povoada de tribos nómadas deixadas na miséria, salpicada de feias cidades industriais (*) que eram (e são ainda) pesadelos monstruosos, para onde se degredavam os camponeses e pastores convertidos pela força à vida desumana em fábricas imensas, muitas hoje em ruínas. Acrescem casos como este, de um local antes habitado pelas tribos Nenets, que foram desalojadas quando começou o programa atómico.

A comunidade Nenets de Matochkin Shar

Tyko Vylka , um artista Nenets, retratou a vida da sua tribo antes de ser desterrada para a Sibéria.


Cabo Zhelaniya76° 57′ N, 68° 34′ E.

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 (*) uma dessas horrendas é Norilsk, capital mundial do níquel, que a Euronews não se envergonha de publicitar.



4 comentários:

Gi disse...

Mário, a temperatura mínima é 12 graus negativos? Nessa latitude? Já apanhei mais frio no Canadá...

Mário R. Gonçalves disse...

No Verão, Gi, no Verão :) Obrigado por me chamar a atenção.

A povoação está numa enseada ao abrigo dos ventos e águas mais frios.





Virginia disse...


Interessantíssimo, mas fiquei com frio depois de ler este seu post:) Porque será?

è bom ver que algo renasce do nada ou do horror! Mas viver ali deve ser tremendo, mesmo quando se está habituado ao frio. Obrigada pela informaçãosempre tão original.

Será que eles têm uma orquestrazinha....???

Mário R. Gonçalves disse...

Acho espantoso é que aquele sítio seja Europa; não temos às vezes ideia do que falamos, a Europa é bem mais extensa e com zonas ultra-ultra-ultra periféricas.

Orquestra não, ali; mas elas nascem por todo o lado na Rússia mais interior, onde aliás sempre houve conservatórios. Perm, Tomsk, Khabarovsk, têem as suas orquestras e temporada de concertos, e uma população relativamente culta. Nada como na China, comparando, onde as novas gerações são totalmente incultas, apenas consumistas em extremo, a fiar nas reportagens mais credíveis.