domingo, 19 de janeiro de 2014

John Rae, 'the essence of exploration'


Estou a acabar o relato das viagens de John Rae pelo ártico canadiano, ao serviço da Hudson's Bay Company, narrado por Ken McGoogan em 'Fatal Passage'.

O título refere-se à mítica passagem do Noroeste, que Rae ajudou a mapear descobrindo um pequeno canal navegável ainda desconhecido,  e ao destino funesto que nessa zona encontraram todos os membros da expedição marítima de John Franklin em 1847. Seria John Rae o primeiro a ter conhecimento da tragédia, em 1854, e a ingrata tarefa de a divulgar no Reino Unido, onde a notícia foi desacreditada. Não sabia, mas Charles Dickens teve um papel algo vergonhoso nesta história.

John Rae, ao contrário da rígida norma do Admiralty britânico, não ia por mar, não acampava em tendas nem construía casas abrigo em pedra. Viajava por terra com trenós e usando canoas leves nos trajectos fluviais, acampava em igloos que aprendeu a construir com os esquimós, com eles comerciava para obter alimento e informações, caçava continuamente e armazenava mantimentos em depósitos semeados pelo percurso para usar no regresso em caso de necessidade. Nunca niguém tinha percorrido a pé distâncias tão grandes sobre o gelo do ártico.

Destaco aqui, da Fatal Passage (a escrita não tem grande requinte, de resto), alguns momentos de deslumbramento desse escocês das ilhas Orkney, de família de pescadores, ao encontro da noite, da solidão, das luzes, do espaço imenso e ermo daquela zona do Canadá onde os europeus nunca tinham chegado.


'The night was clear and beautiful, the sky blazing with stars, and as he strode deeper into the treeless barrens, the silence broken only by the crunch of snowshoes on hardpacked snow, Rae revelled in the knowledge that no European had ever passed this way. Here at the edge of the known world, hundreds of miles from the nearest fur-trading post (which itself lay hundreds more miles from any large settlement), every step he took carried him deeper into the unknown. This was the essence of exploration.

On the horizon, as if in celebration, the aurora borealis emerged out of nothingness to form a great, shimmering rainbow across the northern sky. While Rae marched into the night, its arch slowly grew larger, filling more than half the heavens before resolving itself into a series of vertical, grass-green rays cascading toward the horizon.Then began a shimmering dance of violet light, folding and unfolding across the sky in a thousand shades of purple, advancing, retreating, and finally shattering in a liquid explosion that ended with a sparkling, multicoloured shower.'


A noite estava límpida e bonita, o céu cintilante de estrelas, e à medida que ia entrando mais a fundo no baldio gelado e sem árvores, o silêncio quebrado apenas pelo crepitar das raquetes na neve dura, Rae desfrutava do conhecimento de que nenhum Europeu tinha alguma vez passado por aqueles caminhos. Ali no extremo do mundo conhecido, a centenas de quilómetros  do mais próximo entreposto de peles (que por sua vez fica a centenas de quilómetros de qualquer grande povoação), cada passo que dava  penetrava mais adiante no desconhecido. Era essa a essência da exploração.

No horizonte, como uma celebração, a aurora boreal surgiu do nada para formar um grande, luminoso arco-íris no céu do Norte. Enquanto Rae marchava noite adentro, o arco lentamente ia crescendo, cobrindo mais da metade dos céus antes de se resolver numa série vertical de raios verde-relva em cascata na direcção do horizonte. Começava então uma dança cintilante de luz violeta, que se dobrava e desdobrava através do céu em mil tons de lilás, avançando, recuando e finalmente estilhaçando-se numa explosão líquida que terminava com um espumoso chuveiro multicolorido.



7 comentários:

Gi disse...

Ver uma aurora seria a única razão que poderia levar-me a essas latitudes no Inverno. Mas mesmo assim, duvido.

Virginia disse...

Que bom é viajar sem sair do sofá. Também gosto de livros de viagens e estes relatos que o Mário faz são maravilhosos….as fotos parecem irreais, mas sabemos que é assim…

Abº

Mário R. Gonçalves disse...

Gi, nem usando um fato isolado e com aquecimento electrónico, mais uma peles de rena por cima ?

Virgínia, as fotos são de blogs de fotógrafos locais, do Canadá ártico.

Virginia disse...

Há locais onde sei que nunca irei...outros onde ainda tenho alguma esperança de ir ( sonho com a India onde o meu Pai nasceu) e outros para os quais tenho já bilhete marcado e um medo terrível de não conseguir ir ( Leeds em Março, Australia em Junho)...

Mas o meu lema é Happiness is looking forward to...

Gi disse...

Mário, talvez nem fosse preciso tanto, só a certeza de que voltaria rapidamente para um hotel quentinho, de que a electricidade não faltaria, e de que dois dias seria o máximo que teria de passar sem sol. Mas não creio que se possa marcar uma data exacta para estes avistamentos, pode?

Gi disse...

Virginia, fico a torcer para que faça essas viagens que deseja.

Mário R. Gonçalves disse...

Hélas não, Gi. Há meses de maior probabilidade, mas também há muita gente que vai nessa altura e regressa desolada.

Por essas e por outras é que prefiro postar aqui... vamos fantasiando viagens...