terça-feira, 4 de março de 2014
Harnoncourt : Mozart 'maestoso' em novo CD
Ao ouvir esta recente gravação não posso deixar de imaginar os saltos e as caretas do maestro para puxar de tão violenta energia. Isto é um maremoto de Mozart, não é fácil sobreviver a um ataque destes.
Só um Harnoncourt em transe podia inventar uma Haffner assim ribombante de sopros metálicos e percussão. Pode-se dizer tudo menos que é déja vu. E as cordas? já era habitual, mas são mais precisos os ataques em súbita erupção e os fins de frase sincopados, sempre valorizando detalhes nas madeiras e o fraseado em arco, as múltiplas linhas instrumentais (que riqueza !) e agora também usando e abusando do arco con legno. O Allegro é fenomenal, o Menuetto cheio de surpresas - pequenos atrasos ou prolongamentos de notas que me fazem sorrir - o Presto francamente excessivo, viva o excesso ! (pelo menos este, que é inofensivo). Há uns anos, a leitura de Mackerras surpreendeu e fez escola; Harnoncourt obviamente integrou-a, aprendeu e fez melhor ainda.
O Concentus Musicus desempenha em perfeita sintonia com o maestro, não há a mais pequena hesitação, a máquina dá tudo o que pode, quase a estourar mas sempre sob apertado controle. Além da Haffner, o disco tem a raramente ouvida Serenata Posthorn K320 , uma portentosa quase-sinfonia em 8 andamentos com abertura e fecho no estilo mais 'imperial' de Mozart, aqui igualmente realçado pela interpretação, que fica perigosamente à beira do desequilíbrio no finale presto, a dar frisson na espinha. Ah, e abre com a Marcha K335, impecável de pompa e circunstância.
Quem gostar de Mozart clássico, muito elegantemente vienense, melodioso, fuja disto. Quem gosta de vertigem, adrenalina, fio da navalha, de ser incomodado, de saltar na cadeira com música tocada como se o mundo acabasse ali, é capaz de achar este disco um milagre estrondoso. Mesmo que, em audição repetida, possa acabar por ser cansativo, sobretudo pela dinâmica constante dos metais. Por enquanto, quanto mais ouço mais gosto !
Aos 84 anos, Harnoncourt não entrou em piloto automático, e toca Mozart como se fossem os Iron Maiden, ou Pete Townshend a rebentar com a guitarra em palco. Não será uma primeira escolha para Mozart, mas gostei muito de ouvir esta excêntrica 'novidade' de quem já se esperaria senilidade. Para já, é o CD revelação de 2014.
Apetece-me só deixar uma questão: será isto ainda 'bom gosto' ? Eh eh.
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2 comentários:
Confesso que me conto entre aqueles que gostam de Mozart clássico. Mas depois de ler este desafiador (e magnífico) texto, estou curiosíssimo em ouvir.
Obrigado pelo desafio.
Não tem de quê, meu caro. Depois não me bata ;D
Também gosto de Mozart tocado por Karl Bohm, por exemplo, ou mais recentemente por Pappano; já Abbado e Muti nunca me convenceram nas Sinfonias.
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