domingo, 21 de setembro de 2014

'Anse Solidor': os cap-horniers e um fim de tarde inesquecível


Mais um pequeno relato da Bretanha que visitei.
Especialmente para humming.

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Ao lado de Saint-Malo, a 5 minutos para sul, fica uma enseada e portinho conhecidos por Anse Solidor; fizeram em tempo parte do burgo de Saint-Servais, agora integrado na cidade, e lá existe uma torre medieval construída no séc. XIV sobre uma antiga torre Viking, para vigiar e proteger o porto e a antiga Cité d'Alet, uma cidadela fortificada. O passeio litoral é um regalo.


Um cenário 'vraiment pittoresque' !

No século X houve aqui um sítio Viking, 'Oreigle'.

Todo o conjunto é bonito pela arquitectura, pela eterna presença de água (foz do Rance e mar aberto), portos, barcos, areais de maré baixa, faina de apanha de ostras e mexilhão; não faltam jardins floridos e esplanadas.


Dolce vita e um arzinho de Escócia na torre amuralhada em contraluz.


'Solidor' deriva do bretão antigo, e significa "porta do rio":




A ansa teve maior desenvolvimento a partir do séc XIV como porto de apoio a Saint-Malo. Tinha estaleiros de construção naval e um grande Hospital construído pela Companhia das Índias.



Os Cap-horniers da Bretanha

Veleiros no porto de Saint Servain (antigo)

Na Torre Solidor está instalado um museu marítimo dedicado à História e técnicas de navegação dos cap-horniers. O termo cap-horniers tanto se aplica aos veleiros que dobravam o Horn como aos seus tripulantes e capitães.

Diploma de cap-hornier, 1872

Foi no fim do séc. XIX que o comércio com as terras do Pacífico mais se desenvolveu: os grandes veleiros tinham o monópolio do transporte de trigo e lãs da Austrália, cereais da Califórnia, nitratos do Chile, níquel e crómio da Nova Caledónia, mas para aceder a essas paragens era preciso primeiro fazer frente aos terríveis mares austrais.

'Au Cap Horn', Anton Otto Fisher

Foram construídos veleiros majestosos, cada vez maiores e mais sofisticados, chegando aos 4 mastros e 200m de comprimento. O famoso Cutty Sark era um cap-hornier inglês, mas a frota que dominava aqueles mares era holandesa.

Gravura de 1859 representando o Cabo Horn

Nesta epopeia de navegação de longo curso, Saint-Malo era um dos portos de partida. Foram maloenses (!) os primeiros franceses a ultrapassar o cabo, numa rota que se prolongou até à 1ª Grande Guerra. Sob os ataques dos submarinos U-boat alemães, os grandes veleiros eram presa fácil - o navio rebentava e afundava-se num ápice. Enquanto os mais rápidos navios a vapor e com casco de ferro construídos pelos britânicos conseguiam (nem sempre...) escapar-lhes.

Os franceses construíam no Havre e em Nantes uma série de grandes veleiros baptizados France (I, II, III, IV) ou seguidos da data - o  France 1911 foi um dos últimos.
'France II, 1911' - monstro de cinco mastros, casco em aço, 10 000 toneladas! Também tinha acomodações luxuosas para passageiros, piano e tudo. Escapou aos submarinos, mas morreu encalhado, carregado de crómio, em 1922.
Relato aqui:
http://www.grand-voilier.com/cinqmats/histoire/histoire03.htm

O museu exibe maquetes de veleiros, instrumentos (um astrolábio português), mapas, gravuras e objectos exóticos trazidos como recordação de viagem.

Um navio famoso aqui construído e lançado foi o "Pourquoi Pas ?" IV, o navio de exploração ártica e antártica do comandante Charcot, um dos navegadores que mais admiro. Disso voltarei a falar.
Construído em Saint-Malo. Pourquoi pas ?


mais aqui:
http://fxbblogfr.wordpress.com/le-cap-horn/
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Voltando a Solidor, agora já o sol poente meio encoberto cobre a baía de um azul coado:


Quase uma aguarela.

Recantos e momentos destes é que são gratificantes em viagem, mais que a praça ou a ponte com muita gente a tirar fotografias. Não estava quase ninguém a passear por ali, com um fim de tarde sublime.




6 comentários:

Gi disse...

Estive em Solidor há quatro anos, quando andei a passear pela Bretanha e pela Normandia.
Achei um lugar muito bonito e muito sereno. Havia uma feira de antiguidades/velharias no passeio ao longo do mar, e tenho ideia de um restaurante particularmente simpático.

Mário R. Gonçalves disse...

Confere, Gi. Só que já lá fui 'hors saison', pouca gente.

Ando a pisar os seus passos... olhe que penso ir a Lubeck e Wismar, para o ano !
Quem sabe um dia nos encontramos em qualquer lado por essa Europa.

Anónimo disse...

Começar assim a minha primeira semana de trabalho do ano é para lá de bom. Obrigada, Mário! Ainda por cima um post cheio de barcos. :)

Boa semana, Mário, com um começo tão bom quanto o meu.

Fanático_Um disse...

Obrigado Mário por mais este texto, magnificamente ilustrado. Nunca aqui estive, mas as fotografias são muito apelativas.

Anónimo disse...

Olá, Mário!
Bonita amostra da Bretanha numa publicação aliciante.Obrigado por divulgar.
Já agora, não há um brinde para o visitante 155 551? Será o meu dia de sorte? Que bela capicua...
Felicidades para O LIVRO, continue!

Gi disse...

Mário, gostaria muito desse programa.