Os Sólidos Platónicos
A escrita cuneiforme na antiga Mesopotâmia já revelava uma tendência para representar formas simples, usando linhas rectas – triângulos e rectângulos.
Tábua suméria, ~2100 a.C.
Havendo material de escrita capaz de alguma precisão, foram surgindo formas geométricas que não resultavam da observação directa da natureza, eram apenas produção abstracta do cérebro projectadas pela mão em desenhos.
A passagem de duas para três dimensões deu-se talvez através da arquitectura – era necessário desenhar em perspectiva o que se queria construir. Cilindros, prismas, pirâmides…
Mausoleu de Galla Placidia, Ravenna (séc. IV-V)
Uma das mais “perfeitas” formas geométricas é o Cubo, com as suas faces quadradas formando ângulos rectos. Certamente, alguém alguma vez se interrogou: e haverá outros sólidos com as faces todas iguais, triângulos por exemplo, ou hexágonos ?
Deve-se a Platão o primeiro estudo desses sólidos, no Timaeus, cerca de 350 a.C., mas a existência deles já era conhecida pelos pitagóricos. Foi uma descoberta prolongada por muitos anos.
No seu trabalho, Platão identificou cinco sólidos com essas características:
Platão, deslumbrado com a descoberta, que achou transcendente, ‘cósmica’, identificou o tetraedro (ou pirâmide triangular) com o elemento “fogo”, o cubo com a terra, o octaedro com o ar, o icosaedro com a água, e o dodeaedro com as “coisas de que são feitas as constelações e os céus”, diríamos hoje: o universo.
Soube-se recentemente que povos neolíticos da Escócia já tinham conhecimento destes sólidos 1000 anos antes de Platão ! Os modelos estão no Ashmolean Museum de Oxford. Desconcertante, não é ?
Ao longo dos tempos, o significado místico dos 5 sólidos foi reforçado; no séc. XVI, estudando o sistema solar, o astrónomo Kepler não resistiu à grande admiração que tinha por eles (e porquê apenas cinco ?) e chegou mesmo a usá-los num modelo para explicar os movimentos planetários ! Seria a perfeição geométrica absoluta...
Além disso, no Harmonices Mundi, Kepler interpretou as associações de Platão da seguinte forma:
É fácil responder a Kepler: só é possível existirem sólidos platónicos (com faces iguais) se a forma das faces fôr um triângulo (3 casos), um quadrado ou um pentágono. Daí para cima (hexágono...) já não é possível, devido às medidas dos ângulos - num vértice, três ângulos do hexágono esgotam os 360º do plano.
Uma das maneiras de concluir que só há 5 sólidos platónicos é a partir da igualdade de Euler, descoberta em 1750, dada pela expressão
F + V – A = 2
onde F, V e A são, respectivamente, o número de faces, vértices e arestas do poliedro:
Nº de lados
da face
|
sólido
|
F
|
V
|
A
|
F+V-A
|
3
|
Tetraedro
|
4
|
4
|
6
|
2
|
3
|
Octaedro
|
8
|
6
|
12
|
2
|
3
|
Icosaedro
|
20
|
12
|
30
|
2
|
4
|
Cubo
|
6
|
8
|
12
|
2
|
5
|
Dodecaedro
|
12
|
20
|
30
|
2
|
Sites interessantes:
http://www.walter-fendt.de/m14pt/platonsolids_pt.htm
(os sólidos estão animados, podem rodar e ser vistos de qualquer ângulo)
http://www.math.washington.edu/~julia/teaching/445_Spring2013/Euler_Presentation.pdf
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A última revisão dos programas de Matemática do secundário passou a integrar este tema no 'Módulo Inicial' do 10º ano.
7 comentários:
Caro Mário,
Obrigado por este magnífico texto e pela lição! Sou um ignorante que, sempre que aqui venho (e a atracção é irresistível), aprendo muito e fico mais rico.
Muito obrigado é bem haja.
Lembro-me bem destes sólidos mas não das histórias que os envolvem.
Obrigada, Mário.
Os posts da Matemática estão a ficar lindos e a complementar muito bem este blog. Espero que o tema volte, mesmo depois de terminadas as lições especiais do tempo da escola. :)
Estava a pensar desistir, se não recebesse feedback. O nº de visitas baixou imenso ...
Obrigado, em breve haverá mais.
Mário, será que baixou pelo desinteresse dos leitores no assunto, ou terá sido por falta de necessidade de virem directamente ao blog? Eu, por exemplo, leio o Mário num leitor de feed e nos dias mais atarefados só venho ao blog quando o post tem música, porque no feed não recebo os vídeos. Ou seja, como os posts de Matemática são só texto e imagem, quem o lê no Feedly (por exemplo), não precisa de vir ao blog para ler o post todo. Uma experiência a fazer seria limitar o feed do blog. Em vez de enviar o texto completo para o feed, enviar o texto parcialmente, assim os leitores terão sempre de cá vir para verem todo o texto. Sugiro isto, porque me custa a acreditar que o Mário não possa falar de tremoços em conserva sem suscitar interesse nos que o seguem, quanto mais de Matemática!
(Se quiser experimentar, para não andar às voltas, deixo-lhe o mapa: Ir à categoria Definições do blog, escolher a subcategoria Outros, na página que vai aparecer, à frente de Permitir feed do blogue , escolher a opção Abreviado.)
Bom fim-de-semana!
Done !
Vamos ver os resultados. Se me tiver dado sorte, Ana, diga qual é o Porsche que quer nos anos :D
Muito interessante! Obrigado por partilhar. Fico à espera que publique mais sobre o tema (não sei nada de História da Matemática nem estórias da Matemática... )
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