sábado, 22 de novembro de 2014

Interstellar, de Christopher Nolan: um fracasso com dignidade


Já ia mentalizado para um filme falhado, o que me ajudou a gostar bastante da primeira hora. Uma boa narrativa, um bocado palavrosa mas em bom ritmo, algumas originalidades engraçadas - a caça ao drone indiano (!), por exemplo, que afinal depois se veio a revelar mais uma pesada e escusada inutilidade narrativa.

Foram evidentes vários absurdos da situação, como a abundância de electricidade e petróleo não jogar certo com a falta de alimento, pois uma humanidade reduzida a cultivar e comer milho não produz alta tecnologia; pior ainda, que com tanta escassez não hesitassem em destruir preciosos campos de cereal, muitos hectares esmagados para caçar o drone.

Estéril, sob tempestades de poeira, a Terra quase inabitável. Ficar, abandonar?

Mas uns deconchavos assim eu perdoaria, se a aventura cósmica compensasse, e estivesse bem conjugada com retratos humanos credíveis e belas imagens, boa música (pois, o 2001 vem sempre à memória).

Que nada. Sempre demasiado palavroso, com imensos pormenores técnicos que não interessam nada a sobrecarregar a montagem com muitos minutos sonolentos, com a narração cada vez mais coxa a perder tempo em inutilidades (para quê a visita ao primeiro planeta, se não adiantou nada para a história...), ia-se salvando uma ou outra imagem, o jogo de tempos (passado-presente), a personagem de Michael Caine  - e só, porque de resto não há ninguém a merecer destaque pela actuação, nem as situações ajudam a aprofundar traços psicológicos. O episódio no segundo planeta é catastrófico de mal feito.

Salva-se a música ? que horror, não, é uma banda-pastelão tipo Dez Mandamentos que só tem o mérito de dar valor aos momentos de silêncio.

O primeiro planeta: tudo mar, tempo perdido, mesmo.

É evidente que os meios postos à disposição de Nolan são fabulosos. Não soube tirar deles proveito - nem das naves espaciais, nem dos efeitos especiais. A viagem através do buraco negro é muito mais sensaborona que a de Kubrick (há 46 anos!), o interior da nave circular não é explorado pela câmara, o super-computador tem pernas e sentido de humor (em percentagem ajustável !) mas é um painel meccano mal acabado e feio.

A nave giratória em viagem através do buraco negro, um suave e gentil 'wormhole'. Até o 'Contacto' de Zemeckis fazia melhor.

A ambição de Nolan também é desmedida. Quis construir um grande filme, que fizesse história, com filosofia humanista para dar que pensar, descurou a montagem e ocupou duas entediantes horas a encher olhos e ouvidos com palavreado oco e imagens vulgares. Nem sequer fica na memória uma imagem marcante, como foi o bailado das naves do 2001, ou o encontro do monolito, ou o quarto branco de chão axadrezado em que se encontram gerações de eras diferentes, tantas...

As naves não são bonecos de computador, mas sim modelos reais. Valha-nos isso.

A dignidade de que falo no título está na intenção e no final. Mostrar que a Terra pode não ser o nosso planeta de futuro, que podemos ter que emigrar, que será bom pensar nisso enquanto é tempo; e depois que quem partir não voltará, e mesmo que volte é noutro espaço-tempo, encontrando já outro estádio da humanidade... e finalmente concluir com golpe de génio (até que enfim !) que a humanidade conseguiu entretanto encontrar outra solução mais próxima, menos arriscada, mais inteligente: contruir ela própria um planeta artificial, onde a verdura volta a medrar. Todo o esforço desmedido de enviar naves tripuladas à procura de mundos habitáveis, navegadores heróicos pelo espaço cósmico, valeu por si própria, pela viagem e pelas descobertas - não pelo sucesso dos objectivos iniciais.

Bom, e vale a pena ver o filme ? Maçador e mediano na cinematografia, não deixa de ser um tempo em que nos confrontamos com questões que não são do quotidiano, questões estimulantes em que nos vemos como espécie única no Universo, um colectivo a lutar pela sua existência. Isso faz bem.

Uma sequência conseguida, que pode deixar marca e teria sido um bom final para o filme: o astronauta de regresso à Terra perdido numa outra dimensão, incomunicável, apenas percebido como fantasma.

O 2001 de Kubrik, sempre presente. 

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Devo esclarecer que escolhi as melhores imagens que consegui, e que podem sugerir um filme plasticamente mais bonito do que realmente Interstellar é.



6 comentários:

Gi disse...

Ou seja, um filme para ver em casa em écrã grande, com o controle de velocidade à mão?

Mário R. Gonçalves disse...

Engraçado, durante o filme fartei-me de pensar, 'que falta faz o fast-forward !'

Precisa de um écrã bem grande, Gi.

Anónimo disse...

Mesmo não o tendo visto, este post compensa o filme. E a nota no fim foi útil, o Mário escolheu bem as imagens, ficou bonito.

Mário R. Gonçalves disse...

humming, :)

Anónimo disse...

Só um pequeno reparo: um buraco negro não é um 'wormhole'. Os 'wormholes' também são soluções válidas das equações de Einstein (para a gravidade), mas nunca foram observados.

Mário R. Gonçalves disse...

Obrigado, Anónimo; eu julgava que o 'wormhole' decorria de um buraco negro, desde que esteja ligado a um buraco branco correspondente noutro universo

Que seja observado, à distância, acho impossível; só tentando atravessar... sem saber se há saída. Muito arriscado !