sábado, 31 de janeiro de 2015

Galeria de Invernos ( nem sempre cinzentos )


Já aqui tenho publicado alguns escritos de louvor à estação fria - não faltam belos poemas e músicas, por exemplo. Desta vez deixo aqui imagens de arte, algumas menos conhecidas, tendo em comum a representação do Inverno.

Se tiritar com o nariz gelado ou andar todo o dia de pés molhados não faz o ideal de vida de ninguém, ao menos que valha pela inspiração que os artistas encontram no mau tempo.


Ippolito Caffi, ' Neve e nebbia sul Canal Grande' , 1840

Claude Monet, 'La pie', 1868

Alfred Sisley, ' Neige à Louveciennes', 1874

Van Gogh, ' Arles sous la neige', 1888

Herbert Marshall, ' A winter's evening on the Embankment', 1893


W. Kandinsky, ' Winter landscape', 1909

Édouard Leon-Cortes, ' Place Vendome sous la pluie', 1920

Leon Shulma Gaspar, ' Manchurian Forest' ,1924 ?


Johann Berthelsen, ' Plaza Square, 5th Avenue', 1941

Maria Helena Vieira da Silva, Inverno, 1960



quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Janelas sobre o Mundo, segundo The Paris Review


Uma belíssima prenda, este livrinho editado pela The Paris Review com textos de escritores de várias partes do mundo, ilustrados com as janelas do seu local de trabalho em casa, desenhadas por Matteo Pericoli (suponho que os desenhos são baseados em fotografias que cada escritor enviou).

Não se espera que textos tão curtos sejam profundos; é uma colecção ligeira de impressões, ou memórias, a dar algum enredo à história que as janela contam.

Bom para ler uma por noite antes de adormecer. Dá para 50 noites !

Bruny Island, Austrália

Himeji, Japão

Roma


Para hoje escolho este, de que gostei muito:

Toronto

Conseguem ver aquele lindo arbusto? Não tem nenhuma falha, nenhuma careca na folhagem, pois não ? É porque o tímido e bigodudo português, que parece viver sozinho naquela casa, passou os últimos seis anos em frente da sebe, no sítio onde houve, todos esses anos, um vazio. O senhor permanecia de pé, com o olhar baixo fixo na falha do arbusto horas a fio todos os dias, mesmo no Inverno. Quando eu chegava a casa dos meus recados e prendia a bicicleta no poste, ele lá estava. Quando saía lá fora para ver o correio, ou se espreitava por cima do meu portátil, ele ainda lá estava.

De início pensei que era louco. Depois comecei a pensar que ele era mais profundo do que os outros homens. Por que havemos de olhar para tudo à nossa volta ? Já há quanto baste num arbusto.

Este Verão, a careca preencheu-se. Acho que o homem sempre soube que não tinha a ver com falta de água ou fertilizantes, de produtos químicos ou de conversa. Apenas queria a atenção dele. E agora ele voltou-se para outro vazio no arbusto.

Sento-me numa sala repleta de livros, a uma mesa de jantar redonda, de teca, no segundo (e último) andar de uma casa Vitoriana. Ele encara o seu arbusto como eu encaro o meu computador. O corpo dele frente a mim e o meu em frente dele. Os nossos corpos estão opostos um ao outro todos os dias, e ambos olhamos para coisas, à espera que o vazio seja preenchido.


— Sheila Heti
[tradução minha]


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Haverá mais uma ou duas janelas proximamente aqui no Livro.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

P.S. - o 'Mr. Turner' de Mike Leigh é uma vigarice de mau gosto


Quase não há nada de verdadeiro na história de J.M.W. Turner contada no filme "Mr. Turner" de Mike Leigh. Quase todos os factos estão ou distorcidos, ou invertidos na ordem temporal, ou são simplesmente inventados, enquanto outros que seriam fundamentais são omissos - a formação académica na Royal Academy, onde entrou como prodígio com apenas 14 anos e gozava de grande estima, as viagens frequentes pela Europa, em particular as idas à Suíça, Roma, Veneza, França, onde era bem-vindo na corte; a leitura constante de poesia que lhe incutiu ideais platónicos; o contacto com as as ciências, com especial interesse pela mecânica hidráulica - alguns quadros são belos estudos da hidrodinâmica das ondas e das marés. Onde estão estes traços de carácter no filme ?

É quase repelente a forma como Mike Leigh faz da pessoa de Turner um boçal abrutalhado quando de facto ele era educado num dos melhores colégios londrinos, era divertido, afectuoso e informado - além da hidrodinâmica, também estudava meteorologia, por causa da formação e tipos de nuvens; estava a par, com grande curiosidadade, dos progressos da tecnologia (máquinas a vapor, fotografia); frequentava as sociedades científicas de Londres - e embora não se "cuidasse", como acontece com muitos artistas, nem por isso tinha má figura. Mas é nisto que o filme insiste: num estilo "grunho" totalmente inventado.

Turner não era elegante, nem pedante, nem frequentava a "sociedade"- preferia uma vida culta e viajada mas algo solitária. Era de facto misantropo mas não da forma simiesca que o filme mostra. E mesmo misantropo não deixava de ser requisitado pela elite social - já no final de vida, em 1840, em vez de estar decrépito e desmiolado como no filme, foi de viagem a França e recebido pelo Rei seu amigo Luís Filipe.


Um testemunho esclarecedor da sua amiga Clara Wells:
'Of all the light-hearted, merry creatures I ever knew, Turner was the most so; and the laughter and fun that abounded when he was an intimate in our cottage was inconceivable, particularly with the juvenile members of the family. I remember coming in one day after a walk, and when the servant opened the door the uproar was so great that I asked the servant what was the matter. 'Oh,only the young ladies (my young sisters) playing with the young gentleman (Turner), Ma'am.' When I went into the sitting room, he was seated on the ground, and the children were winding his ridiculously long cravat round his neck;he said, 'See here, Clara, what these children are about!'(*)

Que Mike Leigh tenha querido fazer um auto-retrato como artista malquisto, nada a reclamar, está no seu direito; que se tenha servido de uma figura histórica consagrada que pertence à herança cultural britânica e europeia fazendo o retrato de um labrego lascivo, grosseiro e intratável, isso sinto-o como insulto pessoal e uma falta de respeito. Abaixo. Bola preta.

Fiquemos antes com Joseph Mallard William Turner.

Dutch Boats in a Gale, 1801 - um dos tais estudos de dinâmica das ondas e marés.

Fishermen upon a Lee Shore, 1802 - talvez a "onda" mais fantástica de toda a Pintura.

Na fase final, Turner passou a dar mais importância aos efeitos de luz e côr do que ao realismo. A dinâmica passou a estar imbuída nas próprias pinceladas, mais depuradas, quase abstractas. É a fase mais "mística" das sua visão platónica do mundo.

Waves Breaking on a Lee Shore, 1840

Peace- Burial at Sea, 1842

Snow Storm - Steam Boat off of a Harbour's Mouth, 1842


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(*) De todas as criaturas felizes e bem dispostas que conheci, Turner era-o mais do que qualquer outro; e o riso e a alegria que abundavam quando vinha à intimidade da nossa cottage era inconcebível, sobretudo com os mais novitos da família. Lembro-me de um dia, ao regressar de uma passeata, quando o criado abriu a porta a barulheira era tanta que perguntei o que se passava. "Oh, só as meninas (as minhas irmãs) a brincar com o jovem senhor (Turner)". Quando entrei na sala de visitas, estava sentado no chão e as crianças enrolavam-lhe a comprida gravata à volta do pescoço. E disse-me, "Estás a ver, Clara, o que estas crianças me fazem !".

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Medo - saudades de Tintin


O mais perigoso estado de alma numa sociedade é o medo. Pode desencadear todo o tipo de reacções - desde a auto-humilhação até à violência mais sangrenta. Nos casos benignos, se se podem chamar assim, dá origem à censura, própria e dos outros.

Foi o que sucedeu com a homenagem do Museu Hergé em Lovaina ao Charlie Hebdo.  Receosos das "consequências", os organizadores cancelaram a exposição que estava agendada para abrir a 22 de Janeiro. A Jihad vence em toda a linha, como já mestre Cabu previa:

desenho de Cabu

Custa-me que em nome do meu herói Tintin alguém meta assim o rabinho entre as pernas. Ah se ele fosse 'vivo'...


Aqui era Müller o patife, hoje os mullahs.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Enfim, o Palácio dos Marqueses de Fronteira:
vermelho, verde e muito azul.


Andava há anos à espera de oportunidade para visitar este Palácio em S. Domingos de Benfica, na orla do Parque de Monsanto. Não fica longe da Gulbenkian mas, não havendo Metro por perto e estando de chuva, preferi uma curta corrida de táxi.

A frente renascentista do Palácio (séc. XVII).

A última visita diária é ao meio-dia; o céu alternava nuvens velozes com boas abertas de luz, o que acabou por jogar a favor na visita aos jardins, os azulejos molhados reflectindo o sol de Inverno.

Construído em 1671, o Palácio era frequentado apenas no Verão, como pavilhão de caça, pois na altura estava rodeado de mata. Os Marquês residia na baixa lisboeta, mas foi desalojado pelo terramoto e tsunami de 1755 e teve de estabelecer residência no Palácio, que era muito frio (voltado a nordeste !) e desconfortável. Procedeu então a obras de ampliação (uma ala nova virada a sul) e melhoramentos vários; o arquitecto encomendou a decoração da parte superior das paredes (então nuas) a mestres estucadores na tradição italiana.



A 'loggia' envidraçada é também biblioteca, com a melhor vista sobre o jardim.


Detalhe da biblioteca.
[Não é permitido fotografar no interior - estas fotos não são minhas...]

A maior riqueza do palácio são os muros e paredes revestidos de azulejo do séc. XVII e XVIII; nalgumas salas, o azulejo cobre a faixa inferior, com mais de metro e meio de altura, tendo a parte superior sido revestida, já no século XVIII, com painéis de estuque e pintura em pastel à maneira italiana.

A Sala das Batalhas

É talvez a mais bela, onde se realizam eventos e recebem convidados.


Os azulejos representam cenas de guerra da Restauração, que o Palácio homenageia.

Sozinho a enfrentar todo um exército (espanhol, claro).


A Sala dos Painéis, agora utilizada como sala de jantar :


Sala revestida por seis painéis de azulejos holandeses do séc. XVII, atribuídos a Adrtiaen e Jan van Oort. Sobre o estuque da parte superior há retratos da autoria de pintores portugueses.

Cena pastoril

A combinação do azulejo com o estuque é visualmente algo estranha, mas percebe-se como várias épocas e tipos de residência justificam as duas opções.

Para mim, o encanto maior é o complexo de terraços e jardins exteriores; e a partir daqui muitas das imagens são minhas.

Reflexos dos azulejos ainda molhados da chuva, no início da Galeria das 7  Artes.

A Galeria das Artes, com a Capela de arquitectura renascentista ao fundo, a mais antiga edificação do complexo (séc XVI).

Os medalhões representam imperadores romanos, as estátuas são entidades mitológicas.

A Poesia, arte extra !

Mas muitos dos painéis de azulejo representam cenas pícaras, outros constituem sarcasmos grotescos.




No Jardim grande, dito "formal", com a famosa galeria sobre um tanque de água, também abundam estátuas da mitologia greco-romana e painéis de azulejos. A galeria é acessível por duas belas escadarias com esculturas que terminam em torreões nos dois extremos; é uma solução de arquitectura de jardim algo rara e de belo efeito.

Vista do terraço da casa para Sul: o jardim e ao fundo a galeria dos 12 Cavaleiros (por baixo) e a Galeria dos Reis (por cima).


Se é assim no Inverno, o que não será num lindo dia de Primavera ?

Esplendor neoclássico.

Reis e Cavaleiros, um monumento à nacionalidade nobre e heróica.

O Tanque dos Cavaleiros.



A bela escadaria de acesso à galeria, do lado nascente, e o respectivo torreão.

Escadaria poente: um cuidado especial nas simetrias.

Galeria dos Reis - só faltam os Filipes, naturalmente.


Cuidado com o cisne feroz (sério!)


Fechem-se os portões, aqui ainda residem marqueses.
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Vista no 'Google maps': a casa à direita, virada quase a leste, o jardim muito geométrico, e ao fundo, a Sul, a linha de água do tanque protegida dos ventos pela galeria.