Salekhard é uma antiga cidade da Rússia na margem direita do
rio Ob, Península de Yamal, situada mesmo sobre o
paralelo 66 - o
Círculo Polar.
Salekhard fica também junto da 'fronteira' entre a Europa e a Ásia, do lado asiático, a primeira cidade na base da encosta oriental dos Montes Urais.
Sinal fronteiriço Ásia / Europa, Salekhard.
É capaz de ser a mais interessante cidade ártica da Rússia, apesar de a sua História ter sofrido uma época terrivel de miséria humana durante a era estaliniana.
1- praça central ;
2 - Igreja de S. Pedro e S. Paulo ;
3 - fortaleza de Obdorsk.
O novo centro urbano.
População: ~ 45 000
Coordenadas: 66° 32′ N, 66° 36′ E
No Verão, nem parece que estamos a 66º N ! A riqueza das jazidas de gás trouxe uma inesperada modernização.
Ou é novo, ou pintado de novo.
Centro comercial "Polaris" com cinemas 3D, no ártico siberiano...
A cidade enriqueceu nos últimos tempos pela descoberta de gás e óleo na região, onde a Gazprom tem investido largamente. Há um
boom de crescimento da população, da construção e dos serviços públicos.
Nova ponte pedonal.
Em contraste com algumas tenebrosas cidades-
gulag vizinhas, como as duas tristemente célebres
Vorkuta e
Norilsk,
Salekhard aparenta uma razoável qualidade de vida, e um património histórico-artístico disseminado entre os novos prédios de cores vivas ( a moda na Rússia moderna é colorir, em contraste com o antigo).
Este edifício era o centro de alistamento militar nos tempos soviéticos; agora é o registo civil, onde se realizam os casamentos, muitas vezes sumptuosos como se usa na Rússia.
No centro resistem alguns edifícios dispersos da arquitectura tradicional em madeira.
Janela com a moldura em madeira esculpida e a representação da icónica rena.
Salekhard foi fundada em 1595, era então apenas uma fortaleza cossaca de nome
Obdorsk - foi a primeira povoação russa estabelecida no território da Sibéria.
Obdorsk (= "
porta do rio Ob") controlou até ao século XVIII boa parte do comércio na zona ártica da Rússia e era o maior mercado da Sibéria ocidental. Mas nos finais do séc. XVIII começou a perder importância e foi em grande parte demolida.
O forte de Obdorsk, num promontório sobre o rio.
No séc. XIX,
Obdorsk renasceu com o negócio das peles - de zibelina, arminho, raposa, esquilo e rato muscado. A indústria das pescas também ajudou graças à riqueza em espécies do estuário do
rio Ob, e ainda hoje é a segunda actividade económica da cidade.
O nome
Salekhard só foi atrbuído em 1933; deriva de “
Sale-Khard”, no dialecto
Nenets, que significa “
povoado sobre um promontório". Os Nenets são o povo nativo da península de
Yamal - a região administrativa designada por
Yamal-Nenets. Também denominados "
samoiedos", são nómadas que vivem da criação de grandes manadas de renas e estão etnicamente próximos dos lapões escandinavos.
Reunião de Nenets em trajo tradicional. É uma das maiores comunidades nativas da Rússia. Realizam um festival anual levando um acampamento das suas tendas para a cidade.
Igreja de S. Pedro e S. Paulo.
Desenhada pelo arquitecto alemão Gottlieb Zinke, foi completada em 1894. Na altura era o único edfício em pedra e tijolo na cidade.
Construída sobre
permafrost, os alicerces e o isolamento térmico constituíram um desafio tecnológico novo nestas paragens. As duas torres vêem-se a grande distância na planície da taiga.
O calor da luz na noite polar
Obdorsk Ostrog, a fortaleza sobre o rio Ob
A
fortaleza de Obdorsk é o que resta do primeiro povoado russo na Sibéria.
Era de forma quadrangular, com duas torres de observação.
No interior, a
Igreja Vasilyevskaya, em madeira, data de 1602.
É uma espécie de 'Kremlin de Salekhard'.
A
Obdorsk Ostrog foi restaurada depois de 2000, tendo reaberto como monumento histórico e museu em 2006.
O Teatro 501
Já do século XX, da época soviética, este invulgar edifício em madeira é um dos edifícios históricos - mandado construir para animar os trabalhadores da ferrovia, fica no centro da cidade, na Ul. Respubliki.
A designação '501' deriva do Gulag 501 que forneceu prisioneiros para a construção da linha férrea.
A ferrovia Salekhard-Igarka
Na década de 1950,
Salekhard foi um dos estaleiros principais na construção da linha férrea 501
Salekhard–Igarka, que deveria completar a ligação de Murmansk e Arkangelsk no noroeste com o Chukotka no extremo oriente.
O projecto iria exigir entre 60 e 120 000 trabalhadores (a maioria presos políticos dissidentes). A ideia de Estaline era construr uma ferrovia capaz de transportar o níquel das minas de
Norilsk (outro inferno industrial siberiano rodeado de
gulags) até um porto marítimo rentável, o que implicava transformar Salekhard num porto do ártico. Mas esses 1 297 km de ferrovia seriam integrados na grande linha transcontinental que, atravessando toda a Sibéria, era suposta transformá-la, levando o progresso e a industrialização.
Um dos campos de trabalho
gulag iria montar a linha férrea para leste de Salekhard (501); outro, o 502, a partir de Igarka para ocidente. Mas como é tristemente bem conhecido, a engenharia soviética falhou estrondosamente, desvalorizando o efeito do
permafrost e do gelo. Construído um troço novo, em breve se afundava e deformava; nem sequer um reforço especial tinha sido planeado. As condições de trabalho são difíceis de imaginar, tudo transportado e montado à mão, sem equipamento de frio, a temperaturas de congelar que chegavam aos -60º . As ventanias de neve e gelo matavam aos milhares.
No Verão, os pântanos e charcos abundantes geravam muitos milhões de mosquitos e parasitas, outra causa de numerosas mortes entre as equipas de trabalho.
A natureza acabou por destruir e reabsorver a fraca obra construída. Os restos ferrugentos foram sendo integrados na
taiga - maquinaria, pontes, acampamentos e aldeias abandonadas semeiam a paisagem. São ironicament conhecidos pela população como os "
alegres 500", nome atribuído pela propaganda oficial.
O filme '
Stalker', obra prima de Andrei Tarkovsky, usou estes quadros com mestria para pintar simbolicamente o regime soviético - ferrugem e terror no meio da silenciosa verdura.
http://englishrussia.com/2007/08/22/stalins-lost-railway/
Mas Salekhard conseguiu finalmente uma ligação ferroviária. De forma civilizada e inteligente.
Um combóio actual passa a fronteira euro-asiática.
A travessia do largo estuário do Ob, que congela no inverno, é também agora possível com recurso a hovercraft (ACV) - um meio de transporte que infelizmente foi quase abandonado na Europa. A travessia é importante para alcançar a estação de combóios, que fica em Labytnangi, na margem esquerda.
A nova estação Labytnangi - Salekhard. À grande - se não for grande, não é russo.
Monumento ao Paralelo 66, o cícrculo polar ártico.
A ponte Fakel ('Tocha') , símbolo da nova riqueza da cidade, com um café panorâmico no topo.
---------------------
Esta foi mais uma digressão virtual por um sítio onde nunca irei, mas com pena. Pela situação e pela História, uma cidade improvável, quase como diria Calvino, uma cidade invisível.