quarta-feira, 13 de maio de 2015

A histórica Salekhard, no ártico siberiano
- das peles ao níquel e agora ao gás



Salekhard é uma antiga cidade da Rússia na margem direita do rio Ob, Península de Yamal, situada mesmo sobre o paralelo 66 - o Círculo Polar.


Salekhard fica também junto da 'fronteira' entre a Europa e a Ásia, do lado asiático, a primeira cidade na base da encosta oriental dos Montes Urais.

Sinal fronteiriço Ásia / Europa, Salekhard.

É capaz de ser a mais interessante cidade ártica da Rússia, apesar de a sua História ter sofrido uma época terrivel de miséria humana durante a era estaliniana.

1- praça central ;
2 - Igreja de S. Pedro e S. Paulo ;
3 - fortaleza de Obdorsk.

O novo centro urbano.

População: ~ 45 000
Coordenadas: 66° 32′ N, 66° 36′ E


No Verão, nem parece que estamos a 66º N ! A riqueza das jazidas de gás trouxe uma inesperada modernização.

Ou é novo, ou pintado de novo.


Centro comercial "Polaris" com cinemas 3D, no ártico siberiano...

A cidade enriqueceu nos últimos tempos pela descoberta de gás e óleo na região, onde a Gazprom tem investido largamente. Há um boom de crescimento da população, da construção e dos serviços públicos.

Nova ponte pedonal.

Em contraste com algumas tenebrosas cidades-gulag vizinhas, como as duas tristemente célebres Vorkuta e Norilsk, Salekhard aparenta uma razoável qualidade de vida, e um património histórico-artístico disseminado entre os novos prédios de cores vivas ( a moda na Rússia moderna é colorir, em contraste com o antigo).

Este edifício era o centro de alistamento militar nos tempos soviéticos; agora é o registo civil, onde se realizam os casamentos, muitas vezes sumptuosos como se usa na Rússia.

No centro resistem alguns edifícios dispersos da arquitectura tradicional em madeira.


Janela com a moldura em madeira esculpida e a representação da icónica rena.


Salekhard foi fundada em 1595, era então apenas uma fortaleza cossaca de nome Obdorsk - foi a primeira povoação russa estabelecida no território da Sibéria. Obdorsk (= "porta do rio Ob") controlou até ao século XVIII boa parte do comércio na zona ártica da Rússia e era o maior mercado da Sibéria ocidental. Mas nos finais do séc. XVIII começou a perder importância e foi em grande parte demolida.

O forte de Obdorsk, num promontório sobre o rio.

No séc. XIX, Obdorsk  renasceu com o negócio das peles - de zibelina, arminho, raposa, esquilo e rato muscado. A indústria das pescas também ajudou graças à riqueza em espécies do estuário do rio Ob, e ainda hoje é a segunda actividade económica da cidade.

O nome Salekhard só foi atrbuído em 1933; deriva de “Sale-Khard”, no dialecto Nenets, que significa “povoado sobre um promontório". Os Nenets são o povo nativo da península de Yamal - a região administrativa designada por  Yamal-Nenets. Também denominados "samoiedos", são nómadas que vivem da criação de grandes manadas de renas e estão etnicamente próximos dos lapões escandinavos.

Reunião de Nenets em trajo tradicional. É uma das maiores comunidades nativas da Rússia. Realizam um festival anual levando um acampamento das suas tendas para a cidade.

Igreja de S. Pedro e S. Paulo.

Desenhada pelo arquitecto alemão Gottlieb Zinke, foi completada em 1894. Na altura era o único edfício em pedra e tijolo na cidade.


Construída sobre permafrost, os alicerces e o isolamento térmico constituíram um desafio tecnológico novo nestas paragens. As duas torres vêem-se a grande distância na planície da taiga.


O calor da luz na noite polar



Obdorsk Ostrog, a fortaleza sobre o rio Ob

 


A fortaleza de Obdorsk é o que resta do primeiro povoado russo na Sibéria.
Era de forma quadrangular, com duas torres de observação.


No interior, a Igreja Vasilyevskaya, em madeira, data de 1602.

É uma espécie de 'Kremlin de Salekhard'.


A Obdorsk Ostrog foi restaurada depois de 2000, tendo reaberto como monumento histórico e museu em 2006.

O Teatro 501

Já do século XX, da época soviética, este invulgar edifício em madeira é um dos edifícios históricos - mandado construir para animar os trabalhadores da ferrovia, fica no centro da cidade, na Ul. Respubliki.


A designação '501' deriva do Gulag 501 que forneceu prisioneiros para a construção da linha férrea.



A ferrovia Salekhard-Igarka

Na década de 1950, Salekhard  foi um dos estaleiros principais na construção da linha férrea 501 Salekhard–Igarka, que deveria completar a ligação de Murmansk e Arkangelsk no noroeste com o Chukotka no extremo oriente.

O projecto iria exigir entre 60 e 120 000 trabalhadores (a maioria presos políticos dissidentes). A ideia de Estaline era construr uma ferrovia capaz de transportar o níquel das minas de Norilsk (outro inferno industrial siberiano rodeado de gulags) até um porto marítimo rentável, o que implicava transformar Salekhard num porto do ártico. Mas esses 1 297 km de ferrovia seriam integrados na grande linha transcontinental que, atravessando toda a Sibéria, era suposta transformá-la, levando o progresso e a industrialização.


Um dos campos de trabalho gulag iria montar a linha férrea para leste de Salekhard (501); outro, o 502, a partir de Igarka para ocidente. Mas como é tristemente bem conhecido, a engenharia soviética falhou estrondosamente, desvalorizando o efeito do permafrost e do gelo. Construído um troço novo, em breve se afundava e deformava; nem sequer um reforço especial tinha sido planeado. As condições de trabalho são difíceis de imaginar, tudo transportado e montado à mão, sem equipamento de frio, a temperaturas de congelar que chegavam aos -60º . As ventanias de neve e gelo matavam aos milhares.


No Verão, os pântanos e charcos abundantes geravam muitos milhões de mosquitos e parasitas, outra causa de numerosas mortes entre as equipas de trabalho.



A natureza acabou por destruir e reabsorver a fraca obra construída. Os restos ferrugentos foram sendo integrados na taiga - maquinaria, pontes, acampamentos e aldeias abandonadas semeiam a paisagem. São ironicament conhecidos pela população como os "alegres 500", nome atribuído pela propaganda oficial.

O filme 'Stalker', obra prima de Andrei Tarkovsky, usou estes quadros com mestria para pintar simbolicamente o regime soviético - ferrugem e terror no meio da silenciosa verdura.

http://englishrussia.com/2007/08/22/stalins-lost-railway/

Mas Salekhard conseguiu finalmente uma ligação ferroviária. De forma civilizada e inteligente.

Um combóio actual passa a fronteira euro-asiática.

A travessia do largo estuário do Ob, que congela no inverno, é também agora possível com recurso a hovercraft (ACV) - um meio de transporte que infelizmente foi quase abandonado na Europa. A travessia é importante para alcançar a estação de combóios, que fica em Labytnangi, na margem esquerda.

A nova estação Labytnangi - Salekhard. À grande - se não for grande, não é russo.

Monumento ao Paralelo 66, o cícrculo polar ártico.

A ponte Fakel ('Tocha') , símbolo da nova riqueza da cidade, com um café panorâmico no topo.




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Esta foi mais uma digressão virtual por um sítio onde nunca irei, mas com pena. Pela situação e pela História, uma cidade improvável, quase como diria Calvino, uma cidade invisível.


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