segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A Noite dos Tempos, de René Barjavel


Outro livro de aventuras - e que aventura ! - este "Nuit des Temps" de René Barjavel, que eu devia ter lido no tempo adequado e não só agora.

Não importa; estou tão cansado da má literatura contemporânea repleta de confissões escatológicas, tragédia humana e sociologia barata, que só me apetece ou regressar aos clássicos lidos, às grandes histórias, ou vasculhar nos livros que deixei passar sem ler. É este o caso, mesmo que o livro tenha sido publicado em... 1968.


Leitura saborosa e um abanão mental, esta Noite dos Tempos, não é literatura juvenil - pretende até fazer uma séria reflexão sobre a humanidade e o seu futuro. Barjavel discorre com sobriedade em bom francês clássico - um gosto ! -  com muita eficácia mas minúcia de detalhes e toques de humor, com ritmo e reviravoltas imprevistas, usando capítulos curtos e sincopando tempo e espaço. A "ficção científica" em causa pode parecer ingénua hoje, mas está bem imaginada, com profusão requintada de pormenores, e convincentemente desenvolvida. À medida que lia, sentia-me a assistir a um bom filme de Scify, digamos que o texto é muito 'visual'. Por outro lado, alternando com o fio narrativo há um texto "em off" sobre alguém, mulher, muito amada, em palavras intensamente apaixonadas, o que se afasta decididamente de Verne ou de Asimov. E afasta-se deles para melhor, com pathos, com uma intensidade afectiva que perdura até ao fim do livro.

Afinal a 'história' situada na Antártida virá a ser outra, muito diferente do que o leitor fora induzido a esperar - uma história do destino da humanidade projectada para 900 000 anos atrás, uma história de amor a lembrar (sem plágio) Romeu e Julieta... e mais não digo. Acaba mal, claro.

Que pareça cinema, não admira - de início A Noite dos Tempos foi escrito para guião de um filme francês a ser feito para concorrer com a Scify americana. Era o sítio errado e a hora errada: os acontecimentos de 68 em França não permitiram divertimentos fúteis. Foi pena.

Deixo dois "amuse bouche", no francês original:

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O despertar

   - Attention, dit Lebeau, penché sur l'encéphalographe. Pulsations irrégulières... Elle rêve!
   Elle rêvait ! Un rêve l'avait accompagnée, recroquevillé, gelé quelque part dans sa tête, et maintenant, rechauffé, il venait de fleurir. Fleurir en quelles stupéfiantes images ? Roses ou noires ? Rêve ou cauchemar ? Les pulsations du cour montèrent brusquement de 30 a 45, la pression sanguine piqua une pointe, la respiration s'accéléra et devint irregulière, la température grimpa a 36°.
   - Attention ! dit Lebeau. Pulsations de pré-réveil. Elle va s'éveiller ! Elle s'éveille! Ôtez l'oxygène !
   Simon souleva l'inhalateur et le tendit a une infirmière. Les  paupières de la femme frémirent. Une mince fente d'ombre apparût au bas des paupières.
   - Nous allons lui faire peur ! dit Simon.
   Il arracha le masque de chirurgien qui lui cachait le bas du visage. Tous les médecins l'imitèrent.
    Lentement, les paupières se soulevèrent. Les yeux apparûrent, incroyablement grands. Le blanc était très clair, très pur. L'iris large, un peu éclipsé par la paupière supérieure, était du bleu d'un ciel de nuit d'été, semé de paillettes d'or.

   Les yeux restaient fixes, regardaient le plafond qu'ils ne voyaient sans doute pas. Puis il y eût une sorte de déclic, les sourcils se froncèrent, les yeux bougèrent, regardèrent, et virent. Ils virent d'abord Simon, puis Moïssov, Lebeau, les infirmières, tout le monde. Une expression de stupeur envahit le visage de la femme. Elle éssaya de parler, entrouvrit la bouche, mais ne parvint pas a commander aux muscles de sa langue et de sa gorge. Elle émit une sorte de râle. Elle fit un effort énorme pour soulever un peu la tête, et regarda tout. Elle ne comprenait pas ou elle était, elle avait peur, et personne ne pouvait rien lui dire pour la rassurer. Moïssov lui sourit. Simon tremblait d'émoi. Lebeau commença a parler très doucement. Il récitait deux vers de Racine, les mots les plus harmonieux qu'aucune langue eût jamais assemblés : « Ariane, ma soeur, de quel amour blessée... ».



Floresta Encantada

   Païkan avait choisi un cheval bleu parce que ses yeux avaient la couleur de ceux d’Éléa. Il galopait juste derrière elle, il la rattrapait peu à peu, il faisait durer la joie. Son cheval tendit ses naseaux bleus vers la longue queue blanche qui flottait dans le vent de la course. L’extrémité des longs poils soyeux pénétra dans les narines délicates. Le cheval bleu secoua sa longue tête, gagna encore un peu de terrain, mordit à pleine bouche la flamme de poils blancs, et tira de côté.

   Le cheval blanc sauta, hennit, bondit, rua. Éléa le tenait aux poils des épaules et le serrait de ses cuisses robustes. Elle riait, elle sautait, dansait avec lui...

   Païkan caressa le cheval bleu et lui fit lâcher prise. Ils entrèrent au pas dans la forêt, le blanc et le bleu, côte à côte, calmés, malins, se regardant d’un œil. Leurs cavaliers se tenaient par la main. Les arbres immenses, rescapés de la troisième guerre, dressaient en énormes colonnes leurs troncs cuirassés d’écaillés brunes. Au départ du sol, ils semblaient hésiter, essayaient une légère courbe paresseuse, mais ce n’était qu’un élan pour se lancer vertigineusement dans un assaut vertical et absurde vers la lumière que leurs propres feuilles repoussaient. Très haut, leurs palmes entrelacées tissaient un plafond que le vent brassait sans arrêt, y perçant des trous de soleil aussitôt rebouchés, avec un bruit lointain de foule en marche. Les fougères rampantes couvraient le sol d’un tapis rêche.



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Mais:
http://barjaweb.free.fr/SITE/ecrits/Ndt/inspir/ndt_inspir.html
https://www.facebook.com/yannb.brami/
Também está na Wikipedia, mas (spoiler) fica-se logo a saber a história toda.


Já faz algum tempo que não tinha o prazer de ler uma historinha tão bem contada. Ah: que eu saiba, nunca teve edição portuguesa.



sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Abriu a bilheteira, mas o programa não agrada.


Começou a venda avulso para a temporada de 2016 na Casa da Música. Não sou apreciador da música russa romântica e do período soviético (com algumas excepções), como se deve notar pela sua ausência aqui no Livro, evitarei por isso grande parte dos concertos. O ponto alto será provavelmente a 9ª de Mahler em Setembro, que será dirigida por um maestro que me agradou bastante, Olari Elts.

Pior ainda que em anos anteriores, as assinaturas esgotaram boa parte dos melhores lugares da sala, sobrando os extremos de fila. Já se sabe o que vai acontecer: os compradores irão a aguns concertos, os mais chamativos, e deixarão cadeiras vazias em muitos outros. Enfim, talvez venha a poder aproveitá-los...

Também evitei cuidadosamente o actual maestro Brönnimann, suprema mediocridade que faz ressaltar o mérito do antecessor Christopher König.

A minha lista CdM para 2016:

8 de Janeiro
Barry Banks e Ezgi Kutlu cantam árias de Rossini, Bellini, Donizetti.
Dirige David Parry.

17 de Janeiro
As Vésperas de Rachmaninoff.
Paul Hillier dirige o Côro CdM.

8 deMarço
G. Sokolov, a peregrinação anual, programa surpresa.

24 de Março
Concertos barrocos para oboé, com Alfredo Bernardini.
Vivaldi, Platti, Marcello e Bach.

1 de Abril
Suites 1 e 2 de Peer Gynt.
Dirige John Storgärds.

15 de Abril
Arvo Pärt (In Memoriam), Mozart e Tchaikovsky.
Dirige Alexander Liebreich.

20 de Maio
Haydn, Mozart com António Rosado (pn), 7ª de Beethoven.
Dirige Christoph Altstaedt.

12 de Junho
Canções de Brahms, Cântico do Sol de Sofia Gubaidulina
Côro e Trio dirigido por Kaspars Putninç

16 de Setembro
A 9ª de Mahler, dirige Olari Elts.

7 de Outubro
O célebre Rach 3, já quase esgotado.
Toca Rafael Kyrychenko, dirige Joseph Swensen.

19 de Novembro
A Criação de Haydn, dir. Douglas Boyd
Cantam Susana Gaspar, Robert Murray, Andrew Foster-Williams
Receio seja bem pior que a de McCresh na Gulbenkian, mas não podia deixar passar.



Aqui fica uma gravação do In memoriam de Arvo Pärt.
Radio Filharmonisch Orkest, dir. James Gaffigan.




quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Windows * / Janelas


Da minha estada recente em Guimarães, uma preciosa colecção de janelas na luz bonita do sol outonal.







A morning-glory at my window satisfies me more than the metaphysics of books.
                                                             
                                                                                                  Walt Whitman













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* Tenho reparado que basta o título ter uma palavra reconhecida internacionalmente - pode ser em inglês, francês ou italiano - para que o número de visitas suba para o dobro. Vou usar esse "truque" xico-esperto com mais frequência ...

domingo, 22 de novembro de 2015

Valha-nos Santa Cecília


Dia da única Santa que me anima e merece culto... (à parte o S. Martinho, mas essa é outra história .)

Da gloriosa Ode for St. Cecilia's Day de Handel, dois momentos sublimes, com poemas de John Dryden:

Sandrine Piau
What Passion Cannot Music Raise


What passion cannot music raise and quell!
         When Jubal struck the corded shell,
         His list'ning brethren stood around
         And wond'ring, on their faces fell
         To worship that celestial sound:
Less than a god they thought there could not dwell
         Within the hollow of that shell
         That spoke so sweetly and so well.
What passion cannot music raise and quell!

But oh! what art can teach


But oh! what art can teach
         What human voice can reach
The sacred organ's praise?
Notes inspiring holy love,
Notes that wing their Heav'nly ways
         To mend the choirs above.

                                                           John Dryden

Hail !

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A guerra lá adiante e a paz por aqui. Ou não.


Tenho-me mantido em negação, julgando que na Europa vivemos uma paz imperfeita (- Ucrânia) mas sólida desde os conflitos balcânicos. E é parcialmente verdade, aliás a maior parte do mundo está mesmo em paz e com mais tendência para democracia que para ditadura - agora foi a vez da Birmânia, salvé !

Mas quando três dos maiores exércitos mundiais estão envolvidos numa operação bélica conjunta (mais ou menos) contra uma guerrilha islâmica radical, isso é uma guerra e das grandes, não uma cruzada cristã mas uma enorme operação militar das democracias. Com recurso a tudo menos a um exército no terreno. Há do lado ocidental meio milhar de vítimas, pelo menos, do outro lado não se sabe. As bombas caem já há muitos meses, arrasadoras, na Síria e no Iraque, com o Irão ali ao lado a assistir felizmente sereno - veremos... - e mais preocupado com o Yemen, que é outro assunto trágico. Mulheres (e crianças) fazem-se explodir com uma inpossível espontaneidade, só para levarem com elas alguns 'infiéis', e sem mesmo poder contar com 17 rapagões no paraíso. É tudo tão, tão estranho, inumano, demencial. É guerra na sua modalidade pós-moderna, não mais entre impérios, não mais por conquista e dominação, mas sim por valores de civilização e controle dos recursos petrolíferos, por esta ordem.

A nossa paz aqui defende-se fazendo guerra lá. Mas a guerra entra cá pela porta das trazeiras, manhosa, insidiosa, entra cá derrotada e inútil mas com ódio ressabiado. Vivemos em Guerra-e-Paz, e assim permaneceremos muitos anos, tudo indica. Dependemos sobretudo, quem diria, da Rússia, o mais instável dos 'aliados', e para muitos europeus um perigoso inimigo.

Não tenho saudades de período histórico nenhum que me pareça melhor que o actual - e sobretudo não do horroroso século XX, que só para o fim abrandou a selvajaria, culminando na queda do império de Moscovo. Mas foram apenas dez anitos de (quase) paz e algum bem-estar, os melhores que tivemos, que me lembre, mas oh tão breves.

Certeza, parece, só de que no ocidente da Europa temos o mais forte foco civilizacional do mundo, que se prolonga para além do Atlântico, o único modelo que compensa imitar. É um alívio, egoísta, e um privilégio. Atrai vagas de refugiados e imigrantes e suscita invejas raivosas.

À beira disto, que problema é se teremos governo de gestão ou de invenção, se a presidência é desta ou daquela personalidade nula, se as comadres em acordo se vão zangar mais cedo ou mais tarde ? Quero lá saber.


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Death, thou that comest cowardly in the night


Death, be not proud, though some have called thee
mighty and dreadful, for thou are not so.

Death, thou shall die.

                                         John Donne, Holy Sonnet 10




segunda-feira, 16 de novembro de 2015

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Em Guimarães, no Grand Finale do jazz-2015



Como se tornou hábito, em Novembro rumo ao Centro Cultural Vila Flor.



Este ano os últimos dias do Guimarães Jazz são de topo. Joshua Redman e Maria Schneider já conheço bem, deverão ser dois concertos do melhor jazz. Archie Shepp conheço mal, e o que conheço é demasiado free para o meu gosto, mas a idade pode ter tornado mais cool o saxofonista virtuoso.


E é sempre bom viver em Guimarães po uns dias, talvez a cidade do norte onde há melhor qualidade urbana, uma das minhas cidades pequenas favoritas, com Chaves, Aveiro e Tomar.

Deixo aqui Joshua Redman.
.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

«Il n'y a plus d'après», ou o Fim da História segundo Régis Debray


Em dia de celebrar a queda do Muro de Berlim, começo por recordar três obreiros do desmoronamento do modelo soviético:



Podem ter muitos defeitos, mas tiveram a visão estratégica planetária que hoje falta e mudaram o mundo para melhor.

O livro de pensamento político mais marcante, talvez, do séc. XXI é até agora o de Francis Fukuyama (*), onde o autor prenuncia o fim da dialéctica social, da luta de classes, dos modelos utópicos de sociedade e do antagonismo esquerda/direita. Democracias e umas poucas ditaduras ainda poderão acontecer, mas não mais utopias socio-económicas, derrotadas 'para sempre' pelo paradigma demo-liberal. Estamos a viver tudo isso com cada vez maior clareza.

O modelo tradicional de empresa começa a dar lugar a tentativas de uma espécie de cooperativa de empresários. Está em fase de testes um camião TIR alemão sem condutor : é isso mesmo que aí vem - a robotização dos serviços. Esquerda e direita também se mostram enoveladas e indestrinçáveis, como mostra o Syriza, falhada a 'utopia', a implementar cortes e aumentos de impostos; como mostra o Papa a pregar tolerância para com os costumes liberais; e como mostra cá a "extrema esquerda" a aceitar o poleiro sem revolução nem ditadura popular. Chávez na Venezuela é também a prova da rápida falência de quem julga poder fazer diferente do modelo democrata liberal. As sociedades islâmicas, o único modo de vida diferente no mundo actual, estão em erosão e decadência acelerada, e adivinha-se (como na Tunísia) a sua adesão mais cedo ou mais tarde ao modelo ocidental, tanto mais que é isso que os milhões de emigrantes-refugiados dessas paragens procuram na Europa.

Em boa verdade, desde a queda do Muro, o único acontecimento relevante - o ataque aos Estados Unidos no 11 de Setembro - não produziu qualquer mudança de fundo além de conflitualidade no Médio Oriente. Mesmo a "deriva securitária" de que tanto se falou não foi além de razoáveis medidas de controle e policiamento: o modelo liberal não só aguentou, como até se alastrou. Não quer dizer que seja perfeito, justo, igualitário: a sua imperfeição, baseada na desigualdade parcialmente compensada, é justamente a razão do seu triunfo.

Também a Nobel Svetlana Alexievich escreveu sobre O Fim do Homem Soviético, ou seja, o fim da utopia da sociedade igualitária à força. Mas Régis Debray ainda vai mais longe:

"Avez-vous noté le raccourcissement des cycles d'esperance en occident ? Le Christianisme ? Vingt siècles. Le Scientisme ? Deux siècles. Le Socialisme ? Moisn d'un siècle. L 'européisme ? Un demi-siècle. Résultat, une pemière historique: la peur sans espoir. L'homme (...) a toujours eu peur, non sans raison: des rhinocéros, de l'enfer, de la peste, des barbares, des intrus, des kalachnikovs. La peur, c'est son destin qu'il a inventé pour tenir le coup - la ressurrection de morts, la societe sans classes, l'eternite pour l'art ou autres tranquilisants - a disparu. Pour la première fois, il n'y a plus d'apres. Ni au ciel ni sur terre."

Tive (tenho?) a minha dose de fé - na Ciência , na Arte, na Europa. Agora é "correcto" condenar os males da Revolução Industrial, que seria causadora não só de danos terríveis ao planeta como de danos terríveis ao tecido social. Tudo parece empenhado em destruir essa fé no Progresso, ideal romântico do humanismo que muitos dão como defunto: curiosamente, os mesmos que querem manter viva à força a luta de classes, e o "progresso" social. Pois eu só lamento a interrupção do élan que os séculos XVIII e XIX trouxeram às ciências, às técnicas, às artes e em geral à História da humanidade.

Parece que atingimos o melhor dos mundos possíveis (pelo menos a Ocidente ) na segunda metade do séc XX, uma década antes do 11 de Setembro, marco de todas as quebras de esperança. Mas já muito antes a Ciência desistira de sonhar, a Arte parecia apostar cada vez mais no efémero, seja elitista ou comercial - deixou de haver obras para a eternidade.

Ainda resisto em me conformar com o fim da Europa, mesmo que venham Merkels e Hollandes anunciar esse apocalipse. A invasão pelos imigrantes do Magreb e Médio Oriente é ao mesmo tempo sintoma de sucesso - não há melhor lugar para viver no mundo que a Europa, a mais a norte que a sul - e síndrome de perdição - eles vêm dar cabo do european way of life. Compreendo a duplicidade de reacções, dos muros e dos braços abertos; não é um problema, é um maremoto. Só digo que se a Europa sobreviver, está pronta para sobreviver a tudo o mais que vier.

Se todos os fins que Fukuyama prescreveu parecem consumados, o da Europa está em aberto, e mantenho firme a minha fé. Sem ela é que não há, mesmo, mais nada. Ou haverá outra aventura ainda ? Mesmo que "O fim da aventura" tenha sido, também, título de um livro (**)...



(*) O Fim da História e o Último Homem
(**) Graham Greene, "The End of the Affair"

domingo, 8 de novembro de 2015

Melro que cantas na escura noite


Revelador, este Blackbird (de Paul McCartney) em versão instrumental fazendo ressaltar a beleza da melodia e do contraponto. Coisa rara, na maioria dos casos as reinterpretações são falhadas.
Também há jóias na música da minha geração !


CD Old, New and Blue
Eric Vloeimans and the Holland Baroque Society



quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Dorothea Mields e a febre transitória da Primavera segundo J.S. Bach


A Akademie für Alte Musik Berlin trouxe à Casa da Música um programa dedicado a Bach - concertos (BWV 1042 e 1046) e cantatas para soprano (BWV 199 e 202). Foram interpretações correctas, com a sonoridade doce de instrumentos de época muito bem afinados e coordenados, mas totalmente isentas de 'chama', em (suave) piloto automático ; sendo a excepção o violinista (e director) Georg Kallweit que por contraste abusou das liberdades interpretativas até ao disparate - uma ou duas fífias vergonhosas. Em resumo: esta Academia é uma sombra da que René Jacobs brilhantemente dirigia.

Ainda assim, a cantata profana 'do casamento', BWV 202, saiu muito bem, sendo notável a forma como Dorothea Mields se empenhou em dar uma boa performance e - imagine-se - tentar 'puxar' pela mortiça Academia. E fomos brindados com uma excelente Sich üben in Lieben, a ária central da cantata, com voz e oboé (Xenia Löffler, sempre muito bem) em festivo diálogo.

No YT agradou-me esta interpretação de Hyunah Yu :
Sich üben im Lieben,
in Scherzen sich herzen
ist besser als Florens vergängliche Lust.
Hier quellen die Wellen,
hier lachen und wachen
die siegenden Palmen auf Lippen und Brust.
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To play the love courtship
and laugh on heart's sorrows
is better than spring's ephemeral fever.
Here the waves swell,
here laugh and watch
the winning hand palms on lips and on chest.


Quanto a Dorothea Mields, este vídeo com uma ária da Paixão segundo S. Mateus, dirigida por outro grande - Philippe Herreweghe - dá uma ideia aproximada da sua bonita voz:




segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Demonstração da incontornável magnificência de Roma


De Roma conheço apenas um roteiro rápido, mais ou menos digest - estive lá ao todo 13 dias, Roma precisa de meses. Por mais vias, viales, piazzas e piazzettas que tenha percorrido, por mais que me desvie dos lugares comuns e procure recantos, é sempre uma visita fugaz. Provavelmente é a mais linda capital do mundo, certamente a mais gloriosa.

Fica aqui uma dúzia de 'postais' entre milhões de escolhas possíveis; e as palavras de alguns ilustres visitantes retiradas do livro "A Journey to Rome", ed. Palombi.


Cá estou finalmente em Roma, tranquilo e, ao que parece, apaziguado para o resto da minha vida... Todos os meus sonhos de juventude, vejo-os agora ao vivo; onde quer que vá encontro conhecimentos antigos num mundo novo.
                                                                                                         Goethe



Estou sempre a ser relembrado do "luxo estético", como já lhe chamei, de viver em Roma... O ar de Roma tem uma carga de elixir, a taça de Roma está aromatizada com alguma gota insidiosa...
                                                                                 H. James


Nada é medíocre, comum ou vulgar; não há rua ou edifício que não tenha carácter próprio, um carácter nítido e forte. Nenhuma regra uniforme e restritiva veio nivelar e disciplinar estes casarões.
                                                                                    Taine




Onde quer que se vá, onde quer que se pare, panoramas de todos os tipos se nos abrem: palácios e ruínas, jardins e baldios, horizontes distantes ou amontoados, pequenas casas, arcos triunfais e colunas, e tudo em tal proximidade que se poderia reproduzir numa só folha.                                                                                                                                            Goethe




Da mesa onde escrevo, vejo três quartos de Roma e à minha frente no outro lado da cidade a cúpula de S. Pedro ergue-se majestosa. Nada na Terra se compara a este espectáculo.
                                          Stendhal


Sabedoria e Arte.

Causarum cognitio, fresco de Rafael (Stanza de la Signatura): o conhecimento das coisas.

Numine Afflatur, idem: música e poesia, inspiração divina.


E la notte...





E agora os nossos olhos espantados tentam perceber como tanta História, tanta glória, pode estar contida em tão pequeno espaço, esta ilhota elevada de entre um amontoado de casebres em mau estado, uma colina de terra não maior que uma aldeiazita empoleirada entre dois vales.            
                                                                             Zola


Não se consegue dizer adeus a Roma.