sexta-feira, 27 de maio de 2016

Lago Baikal - 2ª parte: o Inverno



Evidentemente, nunca irei de malas aviadas a estas paragens. Precisava de outra vida, e de outra época - visitar a Rússia nesta altura far-me-ia urticária, o regime é detestável e no interior profundo a qualidade de vida deixa muito a desejar. É pena, porque a imensidão, a lonjura e o remoto isolamento aumentam o fascínio por esse território mal conhecido.


Parte 2
O Baikal gelado do Inverno

"Les premières neiges, qui devaient persister jusqu’à l’été, blanchissaient déjà les cimes voisines du Baïkal. Pendant l’hiver sibérien, cette mer intérieure, glacée sur une épaisseur de plusieurs pieds, est sillonnée par les traîneaux des courriers et des caravanes."
                                                                                  J. Verne, Michel Strogoff

O cabo Burkhan nem parece o mesmo totalmente rodeado de gelo.


A superfície do lago congela completamente entre o início de Janeiro e o fim de Abril, quando as temperaturas descem abaixo de -30ºC.  Fevereiro e Março são os meses mais frios.

"Un sang bleu coule d'une blessure de verre". - S. Tesson

Os campos de gelo, com o movimento das águas sobre as quais flutuam, abrem enormes fracturas ou brechas de 2 a 3 metros de largura e que se prolongam por muitos quilómetros. O ruído surdo destes movimentos é semelhante ao de um sismo, acompanhado do ranger de ferros num estaleiro naval.

"Les veinures de la glace. On croirait le fil d'une pensée." - S.T.

"Le dessin d'une arborescence à angles brisés." - S.T.

"Les serpentins nacrés dessinent des noeuds pareils aux images de tissus neuronaux." - S. T.

"On hésite a mettre le pied sur cette méduse de nacre."- S.T.

"La glace a absorvé l'énergie des chocs en la distribuant le long de faisceaux nerveux."- S. T.

"Des lignes de faille zèbrent la plaine mercurielle crachant des chaos de cristal." - S. T.

A costa da ilha de Olkhon. A superfície gelada é mais dura que vidro de segurança do mais resistente.

As enormes forças criam um verdadeiro caos, e lâminas que podem ser fatais emergem subitamente ao quebrar da placa de gelo, ampliando o efeito de espelho.


Conforme a incidência da luz, os jogos de brilho e cor fabricam autênticas 'jóias' de gelo.


Já na Primavera, o gelo ganha surpreendentes tonalidades turquesa à medida que quebra e dispersa revelando de novo a água cintilante.

Parece cenário de filme, mas é no norte do Baikal.

Pelo fim do Inverno, a camada gelada do lago atinge 1 m de altura. O correio chega em motociclo, e não em trenó como no tempo de Strogoff.  E não falta quem ande a brincar - de carro (SUV), de hovercraft alugado, de trenó... ou de bicicleta, o meio mais seguro.

A não ser que...



'Nascente' do Angara: aqui, do lado direito, o Baikal drena as suas águas para o rio.
Vista do cimo do pico Chersky, sobre Listvyanka. Só não está gelada a entrada do rio Angara. Como se chama o contrário de 'foz'? será estuário na mesma, mas de saída ?




"Et si la liberté consistait a posséder le temps?"
                                                                           Sylvain Tesson, "Dans les forêts de Sibérie".



A cabana onde Sylvain Tesson viveu durante um ano.


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A seguir: O Circum-Baikal, extensão do trans-siberiano, e a aldeia de Listvyanka, onde o rio Angara se escoa do lago.



1 comentário:

Fanático_Um disse...

O fascínio continua. Beleza de cortar a respiração e um contraste absoluto com as paisagens estivais anteriores. Como referi, obrigado pro nos mostrar estes locais magníficos onde nunca iremos (pelo menos eu!).