Era numa cidadezita assim que eu gostava de viver. Pequena, bonita e airosa, florida e sossegada, claro; e que me desse ao menos uma vez por ano uma série de bons concertos, do mais alto nível. O mais parecido que tenho é Guimarães com o seu excelente GuiJazz, mas prefiro música clássica; já fui duas ou três vezes ao de Sintra, só que agora tem sido de uma total vulgaridade; o da Póvoa ainda escapa mas o sítio e o ambiente valem nada.
A pequena Cheltenham tem séries de casas elegantes do séc. XIX em terrace a que chamam Crescent mesmo sendo uma frente plana e não em crescente, pintadas de branco ou creme, algumas lojas com requinte numa larga rua pedonal arborizada, um jardim central aberto e um Teatro - o antigo Town Hall.
A elegância 'regency' de Cheltenham.
A fama de Cheltenham vem das corridas de cavalos, o que leva lá uma multidão posh durante o festival em Março. Interessa-me mais a ligação à música clássica que vem de Gustav Holst, lá nascido em 1874, e com placa e estátua no jardim central.
Gustav Holst, estátua no jardim.
Este festival(zito) de música muito descomprometido e informal é um misto de Proms e folk - Proms na informalidade e popularidade, folk pela malta que vai sentar-se na relva do jardim com gelados ou fatias de bolo ouvir os concertos livres (em geral clássicos muito ligeiros) debaixo de um palco amovível coberto. Sempre com o relvado impecável !
Dos Proms de Londres veio este ano um dos pontos fortes do programa - Nicola Benedetti com a Liverpool Phil dirigida por Vasily Peterenko. Vinha também o pianista Melvyn Tan (Beethoven, Liszt). Pelo meu calendário, tive esta escolha:
Barokksolistene de Bergen
Bjarte Eike, direcção/violino
Purcell, Suite from Diocletian
Corelli, Concerto Grosso in D Op. 6 No 4
Vivaldi, Concerto in D, RV 93 (mandolino)
Rebel, Les caractères de la danse
Bach, Concerto for 2 violins BWV 1043
Handel, Royal Fireworks Music.
A execução foi de primeira água, seguindo o modelo de fidelidade histórica nos instrumentos, e nos tempi de forma radical, sem o mínimo vibrato, e foi tão empenhada e calorosa, tão adequada a concerto de Verão, que estive feliz de princípio ao fim.
Gostei imenso do entusiasmo do público, com quatro chamadas ao palco e forte aplauso - mas todos sentados. Cada vez me irrita mais a moda pacóvia seguida no Porto que estipula, mesmo no concerto mais falhado, três bravos e dezenas de entusiastas em pé de imediato, a mostrar como são bons a aplaudir, como se tivessem percebido o momento divino único que a muitos outros deixou enfadado pela fraca execução. Enfim, coisas de província.
A formação inicial mais restrita foi alargada nos 'Fireworks' com uma secção de metais à boa maneira inglesa: forte e festiva.
A opção conceptual que Bjarte Eike imprimiu ao criar o agrupamento BaS em 2005 é com certeza iconoclasta e arriscada mas não deixa de ter graça e o mérito de percorrer um caminho novo na procura do público jovem dos concertos pop/rock/folk. Diz ele que a música barroca era a música pop da época, ou a música de pub na época de Purcell; e por isso os BaS, em várias configurações, procuram um ambiente informal, alegre e comunicativo, nos seus concertos. Pode parecer que estão à procura de êxito e aplauso fácil, mas quando os ouvimos tocar percebe-se o elevado grau de mestria e dedicação. Comparo-os aos mediterrânicos Hesperion XXI de Savall, também eles seduzidos pelo folclore andalus, arménio e outros.
O CD mais recente dos Barokksolistene, com música de Handel, Corelli e Veracini:
Como amostra deixo ficar esta ária , canta (menos bem) Tuva Semmingsen.
O fairest of ten thousand fair (Acis & Galatea - Händel)
O site oficial é divertido:
http://barokksolistene.com/alfa/
3 comentários:
Que sorte juntar a Música às viagens, nem sempre se consegue, embora o Mário faça os seus planos já a contar com isso, com certeza. A ideia de ouvir um concerto de música clássica deitada na relva seduzia-me...nunca ouvi nenhum!! Fazia isso em Munique, mas o que ouvia era o meu discman...
Gosto de ler o que escreve, é um verdadeiro manancial de cultura anglófona e não só. Já fiquei com vontade de lá voltar, o que farei daqui a mês e meio quando a minha filha voltar para Leeds. Obrigada.
É a minha 10ª visita ao Reino Unido, Virgínia. Já tenho calo.
E voltava já a correr. Estive a investigar Leeds, parece-me que o melhor seria ir a Manchester e apanhar combóio, não sei se é a solução que costuma usar. O que menos me motiva é que não vejo nada de interesse nos arredores - a não ser York que já visitei longamente.
Fiquei fascinado com as West Midlands, sobretudo Herefordshire e a Forest of Dean. Será talvez num dos próximos anos.
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