-- Viagem virtual --
No rescaldo da temível "vaga de frio" que assolou o país, achei que podia ser didáctico mostrar o frio verdadeiro e permanente em que vivem as populações do Norte da Sibéria. É uma das regiões mais pobres e abandonadas do mundo, e ninguém quer saber; não há vítimas de guerra ou de fome, mas a longevidade é baixa e a qualidade de vida tem um atraso de séculos. Ali já é Ásia, a Europa está longe, Moscovo está longe, e aquela gente 'não interessa a ninguém', a não ser como lugar de exílio.
Nunca lá estive, baseio-me no que li e em documentos online. Nomes com um fascínio de fantasia ficcional, poéticos, Polyarnyy, Ryrkaypiy....
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O Ártico russo é conhecido por ser um canto antipático e desacolhedor da nossa Terra. Não só a paisagem é desolada, mas os povoados na costa norte do Ártico são lugares hostis: blocos residenciais abandonados e degradados, indústria obsoleta (principalmente mineração, petróleo e gás), poluição das águas e da tundra, portos militares, evidências de Gulags associados às minas; mesmo as aldeias nativas de pastores de renas são na maior parte miseráveis e abandonadas à economia de subsistência mais atrasada. Não há saneamento nem água potável nas torneiras - tem de se comprar engarrafada. Não é destino para turistas.
No entanto, consegue-se encontrar um pouco de atracção na tundra gelada e na costa menos estragada, nas pequenas aldeias com interesse histórico como assentamentos rurais. A região sob a administração da maior cidade portuária, Cabo Schmidt, construída sob regime soviético, é também um testemunho da loucura do meio do século XX. Vendo bem, mesmo à distãncia de um continente, tem tudo algo de herança Europeia no pior sentido, que agora se começa a tentar reverter.
A província de Chukotka é a autonomia dentro da Federação Russa que ocupa a região mais oriental da Sibéria, estendendo-se até ao Mar de Bering. A costa fica a Norte do Círculo Polar e da Linha de Árvores.
Electricidade, correio, centro de saúde, escola e transportes - incluindo aéreo - já lá chegaram, mas a vida continua nos moldes tradicionais: pastores de rebanhos de renas e caçadores de mamíferos marinhos, para alimentação e sobretudo pelo marfim. A população nativa Chukchi constitui uns 28%, o resto são gente que foge à lei (e os seus descendentes), antigos mineiros, migrantes internos ou servidores do Estado.
Pastores Chukchi.
Os Chukchi têm parentesco étnico com os esquimós Yupik do Alasca. Eram um povo nómada, que mudava os acampamentos conforme as estações; neste aspecto, os hábitos estão algo mudados, e a vida de cidade, em casas com aquecimento e mercearia na esquina, acabou por se impor.
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Mulheres Chukchi em trajo tradicional.
A Yaranga, tenda onde vivem os poucos Chukchi que continuam nómadas.
As tradições já não são o que eram, felizmente.
Vankarem
Vankarem fica na costa do Mar de Chukchi, não longe do Círculo Polar, numa das regiões mais frias do mundo - são frequentes temperaturas de -20º , o recorde é -50º. Vankarem é uma povoação rural, com uma população Chukchi que mantém muito do seu estilo de vida. Houve um campo de prisioneiros Gulag ali ao lado, memória que ninguém quer recordar.
Coordenadas: 67° 50′ N, 175° 51′ W
População: ~190
A povoação nasceu como um pequeno grupo de cabanas de madeira em linhas paralelas à costa.
O mais bem-vindo melhoramento da últimas décadas foi a estufa. Finalmente, verduras frescas.
O Centro de Saúde. O colorido é muito importante em todo o Ártico - ajuda ao bom estado de espírito.
As casas têm de ser construídas sobre estacas para garantir bom isolamento do permafrost. Outro melhoramento recente foi a introdução da parede dupla com isolamento térmico. Agora o que mais falta faz é o saneamento, pois as possíveis fontes de água estão poluídas e a imundície acumula-se.
A Escola.
Até parece simpática.
A estação Meteorológica e de Comunicações.
O trabalho do meteorologista é altamente valorizado na Rússia. São funcionários bem pagos e gozam de um estatuto especial.
Partida matinal de um caçador.
Devido à latitude, as auroras boreais são frequentes em Vankarem:
Cabo (Otto) Schmidt
Cabo Schmidt (Mys Shmidta) é uma aldeamento de trabalho, uma espécie de cidade-estaleiro. A maior parte da cidade é um pesadelo de blocos feios e edifícios industriais, quase tudo em ruínas rodeadas de lama. Foi construída em malha reticular ao longo de uma língua de areia que se termina em dois Cabos e separa o oceano de uma lagoa interior.
Coordenadas: 68° 55′ N, 179° 27′ W
População: ~ 20, a recuperar.
A cidade foi fundada em 1931 como parte do plano de defesa aérea soviética no Ártico, e provida de um aeroporto militar. Nos anos 50, a descoberta de uma jazida de ouro trouxe-lhe um fôlego industrial, com a mão de obra mineira a povoar novos blocos. Nos anos '70, Schmidt parecia uma cidade, com uns 4000 habitantes. Mas a mina fechou, a estratégia da guerra fria terminou, um surto de criminalidade fez o resto - a cidade decaiu e foi abandonada; contudo manteve uma população residual, o aeroporto - sua razão de existência - e é ainda um importante porto marítimo na Rota do Nordeste Ártico, que se prevê ter melhor futuro com as mudanças climáticas.
Como cidade, Schmidt colapsou. A maior parte da população foi movida para Ryrkaypiy, ali ao lado, que na época era uma aldeia sem quaisquer estruturas.
Prédios decadentes lado a lado com outros que resistem. O prédio amarelo é o único que continua habitado.
'торговый центр', um centro comercial ! Novinho, parece. Talvez vazio ?
No pico da sua actividade, nos anos 70-80, (guerra fria), o Observatório Hidrometeorológico Shmidtovskaya incluía um centro de comunicações, um grupo gerador de energia, veículos de transporte, uma estação de emissão rádio e um jardim-escola. Só o GMO Schmidt empregava 120 pessoas. Era um dos pólos vitais de Cabo Scmidt.
A muito bem equipada estação meteorologica e de telecomuncações, agora abandonada - as antenas foram reaproveitadas em Ryrkaypiy.
O aeroporto, construído em 1954, integrava um anel de bases da Força Aérea de apoio à frota de bombardeiros durante a Guerra Fria. É triste, mas foi assim que algum desenvolvimento chegou a estas paragens. Actualmente já não serve fins militares, mas sim transporte civil de e para Anadyr, a grande capital portuária do Chukotka.
O terminal de Cabo Schmidt.
Ora vejamos a pista. Não é de arrepiar ? Tundra a toda a volta... deve ser o terror de qualquer piloto.
O porto de Mys Shmidta só fica aberto à navegação entre Julho e Setembro. Ainda é o mais importante do Norte do Chukotka, mantendo uma pequena equipa de apoio, e até um café e restaurante. E a nova estratégia militar passa por reactivar estes portos e aeroportos, 'dizem'.
As temperaturas médias, negativas quase todo o ano.
Ryrkaypiy
Construída na mesma língua de areia, Ryrkaypiy (russo: Рыркайпий) é uma aldeia Chukchi no lado oposto de Mys Shmidta, frente ao oceano mas a poente.
Coordenadas: 68° 52′ N, 179° 22′ W
População: 600-700, a decrescer.
(mais de 300 são Chukchi)
Entrada na aldeia pela única estrada.
Ryrkaypiy pretende ser aldeia-modelo ! Numa região dita sem futuro, onde nada parece poder ser planeado e nenhuma economia pode resultar, a Rússia decidiu que esta aldeia ia ser diferente. Onde só havia um depósito de sucata, um gerador eléctrico flutuante, uma unidade de criação de renas colectivizada (a 'Pionieiro', claro), e uns grupos de caçadores de morsa, o governo de Moscovo resolveu instalar uma Escola de Artes e um Clube com biblioteca.
Frente à Casa das Artes está o monumento a Niels Eric Nordenskiöld, o navegador e cientista sueco-finlandês que pela primeira vez atravessou a Rota do Nordeste entre o Atlântio e o Pacífico, em 1878-1879.
Durante a expedição no navio "Vega", aportou em Ryrkaypiy e explorou a região. Entre outros achados, encontrou trabalhos em osso de baleia que provam que a área já fora habitada anteriormente.
Um dos artefactos encontrados por Nordenskiöld.
No interior, além de uma mostra de produtos artesanais, funciona a Escola de Música e uma sala para espectáculos. Já houve um café, mas dava muito prejuízo.
Na prateleira, as lindas bolas de jogo esquimós, felpudas.
Dança Chukchi no salão do Centro.
Funcionam no centro um clube de mulheres, 'Estrela Polar', um grupo de teatro e o conjunto folk 'Ryrka'.
Os esforços insistentes para fixar a população passam por valorizar as tradições e construir estruturas modernas: Ryrkaypiy já tem hospital e centro de saúde. Não parece resultar: como em tantos outros casos, a engenharia social falha quando não vai ao encontro do que faz mais falta às pessoas. O êxodo continua, há sempre residentes (nativos e não-nativos) a partir cada ano que passa.
Uma nova geração já nasce em condições menos pavorosas, digamos.
O amarelo é muito popular.
A nova Escola e Centro Educacional (adultos). Lá dentro está-se bem, mas à volta é só lama e detritos.
Coisa que não falta são "lojas", barracões que servem como armazém de-tudo-um-pouco. São 7, para menos de 500 pessoas. O "Solnechny", por exemplo tem desde canecas e colheres até blusões e vestidos de casamento, desde motores e perfuradoras até cachimbos de água e globos terestres.
O melhor do Chukotka: partir de trenó na tundra gelada numa manhã de sol.
Recentemente foi criado um corpo de vigilância de ursos polares, que podem ser um perigo fatal. Houve um caso em que duas baleias deram à costa, chamando um ajuntamento de ursos que ultrapassou os 20, um susto valente para os habitantes.
A guardiã da "Patrulha os Ursos" na aldeia é Tatyana Minenko. A Patrulha colabora com o WWF.
Um urso na tundra gelada, e um fenómeno de "parhelion", refracção da luz solar frequente no Ártico.
Polyarnyy
Ora aí está a atracção turística ! Uma aldeia fantasma.
Não faz um belo cenário de filme ?
Coordenadas: 69° 09′ N, 178° 43′ E
População: 0
Esta vila foi criada para alojar mineiros de uma mina de ouro próxima, aberta em 1963. No final dos anos '80, grandes blocos da modernidade soviética aumentaram a população de Polyarnyy até talvez um milhar.
Mas nos anos '90 as minas deixaram de dar lucro, e Polyarnyy foi abandonada em 1995.
Olha, um habitante, e simpático.
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Aurora sobre Cabo Schmidt.
Talvez uma Ultima Thule para viajantes do futuro.
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