Tempora Mutantur, escreveu Haydn no topo do manuscrito da Sinfonia nº 64, citando um verso de Ovídio adaptado por John Owen (1613):
Tempora mutantur, nos et mutamur in illis.'Fit semper tempore peior homo', O Homem piora sempre com o passar do tempo. Haydn era geralmente positivo e bem disposto, mas aqui professa uma descrença total na espécie humana. Como o entendo. Se existe progresso, como ainda creio, se em geral há melhoria civilizacional, tanta coisa sucede por esse mundo que desacredita a raça humana, tanta coisa abjecta, revoltante, imbecil, bárbara, que é muito difícil entrever uma linha de progresso.
Quomodo? Fit semper tempore peior homo.
Como exprime Haydn o seu desconforto ? Tem sido bastante estudado, e polémico, mas parece consensual que usou a composição sincopada (interrupção brusca de uma linha, que fica em suspenso) para deixar subliminarmente uma sensação de perda. Há acentuações deslocadas, frases distorcidas, cadências que não terminam onde deviam. Mais: há várias tentativas 'falhadas' para acertar o que está errado ! Isso nota-se mais no Largo, em que começa com as cordas em surdina para maior melancolia, e depois surgem mudanças inesperadas de temperamento, primeiro com a entrada das flautas, depois pelas trompas, que terminam num soturno pianissimo, talvez a pensar no 'peior homo' . Uma assimetria acentuada logo a seguir, no presto final, nova mudança radical, com total quebra de tempo
A escrita, claro, é genial, e anuncia claramente Mozart.
Gosto mais da interpretação da Tafelmusik de Bruno Weil, mas para aqui colocar a escolha era limitada, optei pela Academy of Ancient Music de C. Hogwood.
Largo aos 9:00
Menuetto e Trio aos 15:18
Com os séculos que já passaram entretanto, certamente que haveremos de ser bem peior homo. A predição de Ovídio/Owen confirma-se. Como reagiria Haydn hoje, se visse um telejornal ? Que música seria impelido a compor ?
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