Não deve haver outro local no nosso planeta onde pareça tanto estarmos longe dele, noutra dimensão, algures no Cosmos. O vale de Akshayuk e as suas montanhas habitadas por deuses Asgard, Odin e Thor compõem um panorama utópico, e dão um arrepio mesmo que estejamos passeando só a vista por imagens fotográficas. Nos relatos de aventureiros sortudos que lá foram aprendi que uma coisa impressionante que as fotos não mostram é a brutal intensidade do silêncio, um silêncio que ecoa nos cumes e nas encostas, só o silvo do vento a soprar num monumental vazio de rocha e gelo. Mais de cem quilómetros à volta sem ninguém.
Auyuittuq significa "terra que nunca degela" em inuktituk, a língua dos inuit; isso deve-se à enorme calote glaciar Penny Ice Cap, com 6000 km2, que podia quase ser considerada um manto de gelo. Fica a norte do Círculo Polar Ártico e no interior da ilha canadiana de Baffin.
A povoação que dá entrada para o Parque é Qikiqtarjuaq, uma comunidade tradicional inuit, situada numa baía da Ilha de Broughton, no Estreito de Davis.
População: ~ 520
Coordenadas: 67° 33’ N, 64° 01’ W
Qikiqtarjuaq está situada em frente da fronteira norte do majestoso
Auyuittuq National Park
Vista sobre o Akshayuk Pass e o Lago Summit.
Com uma extensão de mais de 20 000 km2 e 800 km de costa recortada de fiordes, o Parque Nacional de Auyuittuq é conhecido pelos imponentes picos e falésias de granito salpicadas de gelo e neve cintilante, pelos glaciares, lagos e cascatas. A zona mais cénica é o Akshayuk Pass, que segue o vale do Rio Weasel, ladeado por três montanhas invulgares - Mount Asgard, Mount Odin e Mount Thor; e contém ainda uma grande calote de gelo - Penny Ice Cap que cobre quase 25% da área (~ 6000 km2).
O Rio Weasel nasce no centro da ilha, no Lago Summit, e corre para sul até desaguar em Pangnirtung (aldeia onde houve um posto da Hudson Bay Company); alimenta-se sobretudo com águas do degelo que podem formar uma corrente violenta.
Comecemos pelo Monte Asgard
O Monte Asgard é uma dupla torre quase a pique, de topos achatados.
Com 2015 metros, o Monte Asgard oferece paredes verticais muito procuradas para escalada. A designação vem do 'Olimpo' nórdico: Ásgarðr é o recinto ou moradia dos deuses.
Quase em frente ao Asgard fica o Monte Odin, nome também inspirado na mitologia nórdico-germânica (o Wothan de Wagner) - Odin é um dos deuses fundadores.
Equipa em trenó no sopé do Monte Odin.
Penetrando mais no Pass, começa a aproximar.se o Monte Thor, sempre acompanhado em baixo pelo rio Weasel e depois o lago:
Apesar da falta de floresta, é um panorama avassalador.
O Parque foi criado em 1976; o terreno é basicamente tundra ártica em vales glaciares, e era usado desde há milhares de anos pela população inuit como corredor de passagem nordeste - sudoeste, entre duas costas. A fauna é limitada - coelhos, corujas brancas, falcões, arminhos, raposas, e raramente caribous ou algum urso polar.
Monte Thor
Coordenadas: 66°32′ N, 65°19′ W
A curvatura negativa, quase em boomerangue, do Monte Thor.
O Thor tem o maior desnível vertical do planeta - 1 250 m em pura queda, num ângulo próximo de 105 graus; é também a mais alta face rochosa ininterrupta, com mais de 1 km. A primeira escalada foi em 1953.
Apesar da localização remota, é procurado por montanhistas pela maior descida em 'rappel' do mundo, realizada pela primeira vez em 2006. Thor é o bem conhecido deus nórdico do trovão (origem de thunder e thursday), da força e fertilidade.
Muitas designações nesta zona provêm de exploradores britânicos (Davis, Baffin) ou capitães baleeiros; este foi o caso do escocês William Penny, que por aqui aportou no séc. XIX.
Um dos glaciares que correm na Penny Ice Cap. O gelo, com espessura até 300 m, cobre o vale e cadeias montanhosas de granito.
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Um poema de Grace Wells:
No Museu do Silêncio
Para completo efeito encorajámos
que ouças primeiro o oposto -
nesta sala temos gavetas de ruído.
Trânsito na estrada. Rezinguice de
crianças. Um festival rock.
Uma ala prisional.
Passando esta dupla porta
encontrarás o sussurro
que cai com a neve.
No andar de cima, replicámos
a Biblioteca Britânica
e uma catedral de Espanha.
E a mostra continua,
ouvirás as diferentes qualidades
do silêncio, a variedade do seu alcance.
O nosso arquivo tem gravações
de lugarés por todo o globo:
Quietude ártica de Baffin, o escaldante Sahara.
Oferecemos amostras do fundo do oceano
e de grutas escavadas na Terra.
E do espaço exterior.
A nossa última câmara está ligada em directo
dos Himalayas. Recomendamos
que te deites e escutes.
Os visitantes podem assinar o livro
antes da saída.
in Dark Mountain, vol. 6
Um filminho aqui:
https://ultima0thule.blogspot.com/2019/10/fabulous-baffin-island-auyuittuq-video.html
3 comentários:
Grato por mais esta revelação. Tenho certeza que não quero morrer antes de conhecer este lugar. Mesmo que eu também morra de hipotermia... terá valido a pena. O vídeo já me emocionou. Eu fico imaginando o que é estar neste paraíso inóspito e silencioso. Minha filha esteve na Islândia que é também um local maravilhoso. Eu nunca fui a um Glaciar, mas acho que toda aquela região dos fiordes com a discreta fauna, está seriamente ameaçada pela ação antrópica. Esta é a última chance de quem tem "alma OUTSIDER", de ver de perto o paraíso.
Não seja pessimista, temos décadas, para não dizer séculos, para visitar sítios como este. O problema é só saúde e vida curta.
Não só o lugar é impressionante (e eu ando particularmente desejosa destas imensidades, nem que seja só através de um ecran), como gostei tanto, mas tanto do poema da Grace Wells (vou levar emprestado para o meu canto, espero que não se importe).
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