domingo, 16 de agosto de 2020

Otranto, a mais extrema cidade italiana, obviamente preciosa


- viagem simulada, a fingir que fui de férias, quem dera -

Nunca estive no Sul de Itália, para 'baixo' de Roma; ficou uma larga região europeia por conhecer, mas voar para Nápoles foi sempre uma perspectiva desagradável. Como sou admirador de extremos geográficos (não dos outros), atrai-me a ideia de Otranto, cidadezita longínqua no tacão da bota italiana, não muito falada de turistas; uma Itália mais parecida com Malta e Chipre, e que curiosamente esteve ligada ao reino de Aragão (hoje Catalunha).


Otranto é o porto italiano mais próximo da Grécia; daí vem a sua importância histórica, desde os tempos pré-romanos. Está situado onde se convencionou separar o Mar Adriático, para norte, e o Mar Jónico, que banha a costa oriental grega.

Bastione dei Pelasgi, a 'promenade' mais panorâmica.

Otranto foi cidade Grega e Romana, depois Bizantina e Gótica, mais tarde Normanda e Aragonesa! No período romano, era uma das vilas costeiras de Puglia (Apúlia) com maior importância mercantil, famosa na coloração de tecidos com púrpura, destinados à aristocracia (romana e papal) pelo seu custo elevado.

O Castelo de Otranto

A medieval Porta Alfonsina, centro civico de Otranto, com a estátua e a placa aos mártires de 1480.

O Castell Aragonese é uma fortaleza imponente do século XV, em forma pentagonal irregular e circundada por um fosso de protecção.


Em 1228, Frederico II da Suábia, Sacro Imperador de Roma, reforçou a antiga muralha; os Turcos de Maomet II atacaram em 1480, com a violência que se sabe, e ao fim de um ano de cerco a cidade foi saqueada e destruída. Os massacres mataram 12 000 dos habitantes, que eram quase todos. Salvaram-se por milagre os livros do Mosteiro e os mosaicos do chão da Catedral.

Otranto seria libertada no ano seguinte pelos cavaleiros aragoneses, e foi recuperando lentamente. Sob Alfonso de Aragon, duque da Calábria, foram reforçadas as fortificações e foi cavado um largo fosso; os Otomanos ainda tentaram novos assaltos em  1535 e 1537, mas Otranto conseguiu resistir e em 1539 contavam-se já 3 200 habitantes. No século XVI, já sob governo de Espanha, a fortaleza iria adquirir o aspecto actual de planta pentagonal com 4 torres.

Dentro das muralhas encontram-se os tesouros:

A Catedral normanda


Santa Maria Annunziata foi construída no século II sob domínio Normando (pontificava Urbano II). Reflecte as influências bizantina, românica e gótica.


Começada na Idade Média, entre 1080 e 1088, foi terminada por volta de 1165, na transição para o Gótico. Em 1095 daqui partiram 12 000 cavaleiros normandos para as Cruzadas, chefiados por Boemundo d'Altavilla, príncipe de Antióquia.


O reino Normando da Sicília durou apenas 140 anos, no século XII. Esta região formava o Ducado da Calábria, durante um período agitado e confuso, com vários conflitos religiosos e territoriais enquanto decorriam as Cruzadas. Confesso que conheço mal a História deste reinado e do seguinte reinado Aragonês.



No interior merecem atenção o tecto, trabalhado com entalhes dourados, e o chão coberto de um vasto mosaico, da autoria do monge Pantaleone.


Talvez a coisa mais famosa de Otranto seja o mosaico do chão da catedral, de 1163-65, quando a cidade estava sob domínio Normando. O mosaico cobre todo o piso das três naves da igreja e está centrado numa representação da “Árvore da Vida”, à volta da qual se ilustram episódios do Antigo Testamento e dos evangelhos apócrifos.


Desde a cena da expulsão de Adão e Eva do Éden, passando por vários animais e monstros míticos - touro, leviatã, unicórnio, sereia - até à Raínha de Sabá e ao Rei Salomão, Alexandre Magno, o ciclo bretão do Rei Artur, um Calendário astrológico, a torre de Babel - toda uma mitologia bíblica e medieval.

Detalhe; as figuras e desenhos são bastante toscos, mas é o conjunto que constitui uma informação valiosa sobre o Medievo na Puglia.

Grande artigo na Wiki italiana: https://it.wikipedia.org/wiki/Mosaico_di_Otranto

A Basílica bizantina


A valia de Otranto ainda não terminou; no ponto mais alto da cidade, surge a pequena Basilica de S. Pedro, do período Bizantino (séc. IX – X), com planta em cruz grega de três curtas naves e cúpula central; ainda exibe frescos murais bizantinos.


A lavagem dos pés.


O centro histórico intra-muros é um labirinto de ruas estreitas e pracetas: Piazza Basilica, Piazza del Popolo, Largo Cavour, Corso Garibaldi...

Piazza del Popolo e a Torre do Relógio


Travessa do Corso Garibaldi

O Largo Cavour e o café 'Deja Vu', junto ao terraço maritimo

Felizmente os turcos foram de volta com as malas. Espero que também tenham ido da UE, de uma vez por todas, sempre que vieram foi por mal.

Lungomare degli Eroi, o Passeio Marítimo dos Heróis, para que não se esqueça nunca o perigo que veio do mar:


Um terraço de largos horizontes a olhar a Grécia. Apetece. Sonho que seriam umas férias esplêndidas.

1 comentário:

SilverTree disse...

Viajar por aqui, nestes tempos de isolamento, tem um pouco de masoquismo e muito de alívio de me sentir um pouco menos trancada nos meus poucos metros quadrados no subúrbio. Ganha o alívio!