domingo, 2 de janeiro de 2022

O lindíssimo Parque Nacional de Kenozero, no interior da Rússia europeia.

- Grande post de Ano Novo no Livro de Areia

Foi o filme "As Noites Brancas do Carteiro", de Andrei Konchalovsky, que despertou a minha curiosidade pelo Lago Kenozero e o seu contorno. Já em tempos fiquei deslumbrado pelo pelo Baikal, mas deste nunca tinha ouvido falar, embora haja milhares de lagos no território russo.

O Lago Kenozero (Кенозеро) é um depósito de água doce no sudoeste do distrito de Arkhangelsk, portanto não muito afastado da Karélia que faz fronteira com a Finlândia. Está à latitude de 62º N, é muito interior, rodeado de floresta de taiga, sem nenhuma outra cidade significativa além da capital do distrito no Mar Branco, a mais de 7 horas de viagem. Faz parte da bacia do rio Onega, alimentando o seu afluente rio Kena; 'Kenozero' = lago do Kena.



O Parque foi estabelecido em 1991, e em 2004 foi classificado pela UNESCO pela sua Natureza, pela arquitectura em madeira e pelo modo de vida tradicional das comunidades.

Rio Kena em Pershlakhta

A entrada no Lago por nascente faz-se junto à aldeia de Pershlakhta (Першлахта). Semi-abandonada, é o primeiro testemunho das populações que se instalaram nas margens do Kenozero.

Uma bela ponte mas em estado calamitoso, que felizmente não é necessário atravessar.


Daí até ao centro do Lago em Vershinino (sede do Parque) é um deslumbramento, sobretudo na Primavera e fim do Verão.


Palheiros sobre vara de bétula, uma arranjo frequente na taiga russa.


Uma floresta mista de coníferas e bétulas ocupa trés quartos da área do parque natural, onde bosques densos ao longo das margens alternam com prados de vegetação rasteira. 


Vershinino e Shishkina

São duas povoações contíguas, o aglomerado mais populoso do parque - ao todo cerca de 240 pessoas.

A casa da família Shishkina é agora Sede do Parque e Casa-museu.

Vershinino (Вершинино) centraliza os serviços das aldeias de Kenozero - posto de correios, banco, posto de informações, camioneta de carreira e ferry. Mas nem por isso perdeu a sua genuina condição de povoado autêntico inserido no ecossistema.




Um simples estrado serve de cais para a pesca. Ou para brincar.

Existe em Vershinino uma Capela a S. Nicolau, "o Milagreiro", que é um dos melhores exemplares do estilo de igrejas em 'gaiola' de madeira de finais do séc. XVIII / XIX nesta região da Rússia, uma das razões para atribuição da classificação Património Mundial.





Uma das características desta igrejas em madeira é o seu "Céu" interior; todas têm o tecto em pirâmide invertida e truncada, pintado com os Arcanjos em volta do Supremo; noutros casos são os Apóstolos. Também a pirâmide pode ser de 6, 8 ou 12 faces.



Zekhnovo (Зехновo)

Outra das povoações de carácter no Parque, com as casas e igreja de madeira conforme a tradição antiga. Foi também um dos locais de filmagem de Konchalovsky.


As origens remontam ao séc. XVI, é portanto a aldeia mais antiga do Parque. São 17 habitações e ainda menos habitantes.


A casa mais referida é a da varanda esculpida curva:



Também nesta aldeia uma epectacular igreja em gaiola de madeira:

Capela dedicada a S. João, o Teólogo.


A construção e os ícones no interior datam dos séculos XVII e XVIII.



O 'Céu' de Zekhnova, um dos mais afamados:

Foram restauradas as pinturas, em particular o azul celeste.

Ir às compras na loja da aldeia. O Parque garante respeito pelas pessoas tanto como pela Natureza.

O Kenozero em Zekhnova na Primavera:

Tyryshkino (Тырышкино)

Atingimos o extremo sul do Lago.



Um chá com ervas locais a acompanhar empadas de queijo artesanal e frutos silvestres, servido aos visitantes.



Nos bosques de taiga, os esquilos abundam.

Também os arminhos se dão bem neste habitat.

Subindo agora pela margem poente, descobrem-se as aldeias vizinhas Glazovo e Rhyzkovo, frente a frente num dos enquadramentos mais bonitos do Parque.


Glazovo (Глазово)


A igreja de Glazovo é semelhante à de Vershinino, mas de fachada frontal mais trabalhada.


Ryzhkovo é uma das aldeias do lago servidas por um pequeno ferry, que acosta sem cais; as pessoas saltam directamente para um pequeno areal.


Ryzhkovo (Рыжково)

A aldeia agrícola de Ryzhkovo é desde o séc. XVI uma faixa de habitações paralela à margem do lago.




Um modelo de integração na paisagem.


Mantém-se grande parte da aldeia original; os seus habitantes viviam da criação de gado, da agricultura e da pesca; eram ainda os principais artesãos de cestos de vime na região. Em tempos mais recentes, mudaram-se para Vershinino e só regressam para o Verão.

Cestaria entrançada do Kenozero.


Filippovskaya (Филипповская)


Seguindo para Norte até ao extremo do Parque, outro rio é alimentado pelo Lago Kenozero, o rio Pocha; aí encontramos uma aldeia que vale por um templo especial, inesperado nestas paragens: o notável complexo Pochozersky, construído no século XVIII e com sucessivos restauros.


Está no cimo de uma elevação, destacando-se contra o céu nórdico. A localização é magnífica, um sonho de arquitecto: espaço imenso, florestas, e água do lago em volta, sobre a rota que liga Novgorod ao Mar Branco. 

O complexo é na verdade formado por duas igrejas e uma torre sineira, unidas pelo refeitório e passagens cobertas.

Igrejas de Pochozersky.


Iconostasis e o 'Céu' pintado

A pirâmide do 'Céu' é octogonal, cada face com duas figuras.

Um Céu deslumbrante.

Figuras de anjo a tocar trombeta.




Mas é o Lago tem a última palavra, com ilhas, canais e florestas em volta de Filippovskaya:



Uma viagem ao nosso imaginário Paraíso Campestre de outros tempos. Nunca existiu, mas sonhar com ele conforta.









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