- Grande post de Ano Novo no Livro de Areia -
Foi o filme "As Noites Brancas do Carteiro", de Andrei Konchalovsky, que despertou a minha curiosidade pelo Lago Kenozero e o seu contorno. Já em tempos fiquei deslumbrado pelo pelo Baikal, mas deste nunca tinha ouvido falar, embora haja milhares de lagos no território russo.
O Lago Kenozero (Кенозеро) é um depósito de água doce no sudoeste do distrito de Arkhangelsk, portanto não muito afastado da Karélia que faz fronteira com a Finlândia. Está à latitude de 62º N, é muito interior, rodeado de floresta de taiga, sem nenhuma outra cidade significativa além da capital do distrito no Mar Branco, a mais de 7 horas de viagem. Faz parte da bacia do rio Onega, alimentando o seu afluente rio Kena; 'Kenozero' = lago do Kena.
O Parque foi estabelecido em 1991, e em 2004 foi classificado pela UNESCO pela sua Natureza, pela arquitectura em madeira e pelo modo de vida tradicional das comunidades.
Rio Kena em Pershlakhta
A entrada no Lago por nascente faz-se junto à aldeia de Pershlakhta (Першлахта). Semi-abandonada, é o primeiro testemunho das populações que se instalaram nas margens do Kenozero.
Uma bela ponte mas em estado calamitoso, que felizmente não é necessário atravessar.
Daí até ao centro do Lago em Vershinino (sede do Parque) é um deslumbramento, sobretudo na Primavera e fim do Verão.
Palheiros sobre vara de bétula, uma arranjo frequente na taiga russa.
Uma floresta mista de coníferas e bétulas ocupa trés quartos da área do parque natural, onde bosques densos ao longo das margens alternam com prados de vegetação rasteira.
Vershinino e Shishkina
São duas povoações contíguas, o aglomerado mais populoso do parque - ao todo cerca de 240 pessoas.
A casa da família Shishkina é agora Sede do Parque e Casa-museu.
Vershinino (Вершинино) centraliza os serviços das aldeias de Kenozero - posto de correios, banco, posto de informações, camioneta de carreira e ferry. Mas nem por isso perdeu a sua genuina condição de povoado autêntico inserido no ecossistema.
Um simples estrado serve de cais para a pesca. Ou para brincar.
Existe em Vershinino uma Capela a S. Nicolau, "o Milagreiro", que é um dos melhores exemplares do estilo de igrejas em 'gaiola' de madeira de finais do séc. XVIII / XIX nesta região da Rússia, uma das razões para atribuição da classificação Património Mundial.
Uma das características desta igrejas em madeira é o seu "Céu" interior; todas têm o tecto em pirâmide invertida e truncada, pintado com os Arcanjos em volta do Supremo; noutros casos são os Apóstolos. Também a pirâmide pode ser de 6, 8 ou 12 faces.
Zekhnovo (Зехновo)Outra das povoações de carácter no Parque, com as casas e igreja de madeira conforme a tradição antiga. Foi também um dos locais de filmagem de Konchalovsky.
As origens remontam ao séc. XVI, é portanto a aldeia mais antiga do Parque. São 17 habitações e ainda menos habitantes.
A casa mais referida é a da varanda esculpida curva:
Também nesta aldeia uma epectacular igreja em gaiola de madeira:
Capela dedicada a S. João, o Teólogo.
A construção e os ícones no interior datam dos séculos XVII e XVIII.
O '
Céu' de Zekhnova, um dos mais afamados:
Foram restauradas as pinturas, em particular o azul celeste.Ir às compras na loja da aldeia. O Parque garante respeito pelas pessoas tanto como pela Natureza.O Kenozero em Zekhnova na Primavera:
Tyryshkino (Тырышкино)
Atingimos o extremo sul do Lago.
Um chá com ervas locais a acompanhar empadas de queijo artesanal e frutos silvestres, servido aos visitantes.
Nos bosques de taiga, os esquilos abundam.
Também os arminhos se dão bem neste habitat.
Subindo agora pela margem poente, descobrem-se as aldeias vizinhas Glazovo e Rhyzkovo, frente a frente num dos enquadramentos mais bonitos do Parque.
Glazovo (Глазово)
A igreja de Glazovo é semelhante à de Vershinino, mas de fachada frontal mais trabalhada.
Ryzhkovo é uma das aldeias do lago servidas por um pequeno ferry, que acosta sem cais; as pessoas saltam directamente para um pequeno areal.
Ryzhkovo (Рыжково)
A aldeia agrícola de Ryzhkovo é desde o séc. XVI uma faixa de habitações paralela à margem do lago.
Um modelo de integração na paisagem.
Mantém-se grande parte da aldeia original; os seus habitantes viviam da criação de gado, da agricultura e da pesca; eram ainda os principais artesãos de cestos de vime na região. Em tempos mais recentes, mudaram-se para Vershinino e só regressam para o Verão.
Cestaria entrançada do Kenozero.
Filippovskaya (Филипповская)
Seguindo para Norte até ao extremo do Parque, outro rio é alimentado pelo Lago Kenozero, o
rio Pocha; aí encontramos uma aldeia que vale por um templo especial, inesperado nestas paragens: o notável complexo
Pochozersky, construído no século XVIII e com sucessivos restauros.
Está no cimo de uma elevação, destacando-se contra o céu nórdico. A localização é magnífica, um sonho de arquitecto: espaço imenso, florestas, e água do lago em volta, sobre a rota que liga Novgorod ao Mar Branco.
O complexo é na verdade formado por duas igrejas e uma torre sineira, unidas pelo refeitório e passagens cobertas.
Iconostasis e o 'Céu' pintado
A pirâmide do 'Céu' é octogonal, cada face com duas figuras.
Um Céu deslumbrante.Figuras de anjo a tocar trombeta.Mas é o Lago tem a última palavra, com ilhas, canais e florestas em volta de Filippovskaya:
Uma viagem ao nosso imaginário Paraíso Campestre de outros tempos. Nunca existiu, mas sonhar com ele conforta.
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