sexta-feira, 28 de março de 2014

O Kunstmuseum Basel em 'fast-visit'


O edifício é indiferente, ou mesmo feio, um bocado ao estilo 'estado novo' de cá. E por dentro nada acolhedor, pouco cuidado, há humidades, salas mal iluminadas, reflexos. Não parece a Suíça. Os vigilantes são do mais chato que há - perseguem-nos sala após sala, ansiosos por nos apanharem em flagrante a pisar o risco, ou a tentar uma foto. Oham-nos de soslaio.

O recheio é um luxo de fazer inveja a qualquer outro grande Museu. Tantas obras únicas, marcantes, imperdíveis, muitas que nunca tinha visto noutro lado, e ninguém a desfrutá-las. Porque será? Talvez por uma das razões acima, ou por toda a gente ter ido para a neve dos Alpes. Mistério. Em Paris, as filas dariam volta ao quarteirão.

Começo por Paul Klee, naturalmente:

Polyphonie, um dos estudos sobre música.

« Klee pensava a pintura numa perspectiva de compositor: movimento, ritmo, oposições e tensões, que experimentava ouvindo música. Em 'Polyphonie', intercala pontos e quadrados, tons e cores, de forma contrapuntística. Uma estrutura modular marca o ritmo, uma correlação entre módulos marca a cadência, e campos de côr são ilustração da qualidade e intensidade do som. Pode ser uma sinfonia, pode ser um acorde a vários instrumentos...»

Fasçsade braun-grün


Ein Blatt aus dem Städtebuch (Uma folha do livro das cidades)
Cidades? Italo Calvino?
  

Mondrian
Deve haver "razão de ouro" neste equilíbrio perfeito, geometria genial.

Oskar Schlemmer, 'Frauentreppe
(mulheres subindo escadas).


Modigliani, 'Marie, fille du peuple'.



Corot, Tête de Femme.


Renoir, La Premiére Communion.



Matisse, La berge.


Rouault, Paysage à la voile rouge.



E este Arlequim Sentado, de Picasso ?
(detalhe)


E ele de novo a acabar, naturalmente,
Klee, Senecio, em breve idoso



Não mostro aqui os Malevich, Van Gogh, Pissarro..., os Vieira da Silva não estavam em exibição...
Se a oportunidade surgir, o regresso é uma tentação. 


terça-feira, 25 de março de 2014

Grande filme: 'O congresso' de Ari Folman


Tenho visto pouca coisa* que mereça nome de obra-prima no cinema dos últimos anos. Este é o filme que mais se aproxima disso.

Claro que se vai embora sem sucesso nenhum , como foi o Blade Runner em primeira exibição, ou as primeiras obras de Carpenter. Está condenado a ser filme de culto, e daqui a uns anitos volta por cima.

Fica-se logo em alerta com o argumento: é baseado num livro de Stanislav Lem, O Congresso Futurológico, de 1971 (em plena época hippie e LSD), à volta de um congresso no futuro para decidir sobre o uso de drogas químicas que tragam a felicidade e a fuga de uma realidade horrenda, de uma vida miserável. Bom, o realizador podia ter dado cabo do livro, feito uma pieguice 3D qualquer, mas um livro de Lem é demasiado difícil** para cabeças ôcas o abordarem de ânimo leve.

É um filme europeu, franco-belga-polaco-germânico. De moldes semelhantes já sairam pastelões, desta vez contudo aleluia! que temos cinema. Não hollyoodesco, deo gratias.

A primeira parte é bem mais cinema que a segunda: mais poética, mais criativa, não há um segundo de aborrecimento, cresce uma tensão bem orquestrada e numa linguagem de imagens e montagem  que é um primor. Fantástico o processo de digitalização da humana Robin Wright, belíssimo momento de Harvey Keitel, tal Mefistófeles convencendo Fausto a vender a alma.


Passando da realidade real para a realidade virtual, há um dualidade discutível: não temos animação tipo Disney, nem Pixar, nem japonesa, mas algo próximo do psicadélico anos 60-70, do Yellow Submarine, o que é por um lado uma diferença salutar, por outro uma opção meio falhada. Se as paisagens e objectos de décor estão muito bem, e as fantasias loucas por vezes fenomenais, os humanos digitais deixam muito a desejar, e logo quando é suposto estarmos numa tecnologia avançadíssima que garante o bem-estar e a imortalidade aos digitalizados. Mais valia serem algo esfumados, indefinidos, do que aqueles bonecos feios.

O excessivo alongamento deste período do filme piora as coisas: teria mais impacto e sedução se fosse mais conciso. Aqui deve ter-se pretendido seguir com alguma fidelidade o relato de Stanislav Lem, mas a transposição para cinema tem de saber lidar melhor com isso.

O que vale é que, por um lado, há sequências fabulosas, remetendo muitas vezes para uma revisão do passado "real" agora transposto para o reino do onírico. Por outro lado, a questão de fundo do filme (e do livro) - vale mais ser infeliz, doente e mortal com liberdade de escolha, ou feliz e saudável para sempre sem ela ? - vai sendo desenvolvida com perícia quanto baste. Num breve retorno à real Nova Iorque futurista, o olhar vazio das pessoas, quase marionetas de farrapos na carruagem vandalizada do metro, faz um contraste brutal: que liberdade de escolha é esta?

O papagaio de papel e os aviões, a idade e o envelhecimento, as drogas e a alucinação, são temas que atravessam todo o filme. E para uma actriz a quem já nada mais resta senão assumir-se mãe, a decisão final é ditada pela saúde que deseja para o filho, que finalmente encontra algo parecido com felicidade, e a escolha de ambos, sendo livre, é óbvia. We chose. Não há que ter medo do futuro, se existir escolha.



Ah, e Robin Wright merecia um prémio dos grandes.

http://thecongress-movie.com/watch-the-trailer.htm?lng=en


Realizado por Ari Folman
Argumento: Stanislaw Lem (obra de ficção), Ari Folman (adaptação)
Actores:  Robin Wright, Harvey Keitel...


--------------
* Agora que me lembrei: este é o melhor filme que vejo desde Tree of Life, de Terence Malik.

** É também ele o autor de Solaris, que deu origem à obra-prima de Tarkovsky.

domingo, 23 de março de 2014

Ah, valente Odessa !


Vale pelo significado.
 I am an Odessian !

Grrrrunf para eles


Pois, Dudamel é pelo glorioso Bolívar de pacotilha e Gergiev pela gloriosa Rossya e seu grande líder.

De Dudamel nunca fui admirador, apesar de alguma histeria  sobretudo norte-americana left-wing. Não tem uma única gravação de referência, toca Beethoven com brutalidade como se fosse Pompa e Circunstância, Mozart com total incompetência histórica, e cultiva acima de tudo a sua própria imagem. É um divulgador? sim , e basta.

Gergiev é outra loiça - um grande sinfonista, por exemplo, em Brahms. Já se sabe que houve muitas histórias duvidosas de maestros sob o regime nazi, tal como sob o regime soviético, que a muito custo ultrapassamos (alguns de nós) tendo em conta o nível artístico e a importância histórica. Que Gergiev seja apoiante incondicional de Putin, logo anti-ucraniano e anti-europeu, faz-me irritação dos pés à cabeça, tão cedo não o ouço sem rosnar baixinho. Não o ouço, pronto.

Será que a Netrebko também tem um pensamento sobre tudo isto?

Não tenho dúvidas que a comunidade musical, a comunidade artística, está com a liberdade e o futuro, na Venezuela como na Ucrânia. Ou seja, que a música está do lado bom.




sábado, 22 de março de 2014

Lanternas na noite, Münsterplatz


O carnaval de Basileia é diferente. E nada melhor que a exibição das lanternas que participaram no desfile Morgenstraich pela noite escura, luzes urbanas apagadas, e se concentram depois na praça da Catedral. Aí ficam três noites a iluminar a praça sob o céu estrelado.


Ainda ao lusco-fusco




Aqui adivinha-se a fachada da Münster


11.40 p.m. 
11/3/2014



quarta-feira, 19 de março de 2014

CM - Sokolov, o russo


Gostava de saber o que pensa o pianista do actual regime russo e da questão da Ucrânia. Parece tão feliz sempre que o ouço em concerto, ao contrário do típico eslavo daquelas paragens! Mas como não é para isso que ele cá está - e ainda bem - vamos ao concerto de ontem na Casa da Música, que foi gravado, talvez para incluir em futuro CD.

Sokolov é fulgurante em Scarlatti ou Rameau, perfeccionista em Schubert e Beethoven, mas o seu pianismo de grande vitalidade aproxima-se um tanto do virtuosismo ao cravo. Em Chopin, uma musicalidade assim brilhante e luminosa podia revelar-se algo desadequada. Mas até foi uma diferença bem vinda - de Chopin meloso, arrastado, com muito pedal, estamos fartos. Só ponho em causa o programa "todo Chopin" do concerto, preferia mais variação histórica, mas enfim.

Se há magia nas mãos de Maria João Pires, há eloquência festiva e extremo virtuosismo nas de Sokolov. Cada nota escrutinada como se a música estivesse toda concentrada ali, e mesmo assim jorra e flui em perfeita corrente de harmonias. É uma espécie de DiDonato do teclado :) .

Foram sublimes o Largo e o difícil Finale da  Sonata nº 3 op. 58; algumas das 10 Mazurkas - gostei mais da op. 68 n° 2, op. 68  n° 3, op. 30 nº 4 - e nos encores houve, deo gratias, Schubert, só por si a valer todo o concerto.

---------------------
Nota: Sokolov tocou num Steinway especial, que veio de Espanha. O som era fabuloso !

Flores para Sokolov. flores para o piano

terça-feira, 18 de março de 2014

Augusta Raurica, vila romana no Reno


Foi novidade para mim, um teatro romano junto a Basileia. Augusta Raurica é um sítio arqueológico no vale do Reno superior, 10 km a leste dessa cidade, na actual vila de Augst.
É um dos raros sítios romanos na Europa central, e o mais extensivamente conservado e protegido.


Augusta Raurica, ou Colonia Augusta Rauracorum, foi fundada por Lucius Munatius Plancus cerca de 44 A.C., numa região habitada por uma tribo de celtas gálicos - os Rauraques ( Rauraci), que devem o nome ao rio Araura, actualmente Aar.

A construção da cidade avançou mais a partir do ano 10 D.C, sob o imperador Augusto, uma vez conquistados os Alpes centrais (25 - 7 A.C.). 

Por volta de 200 D.C., Augusta Raurica era um próspero centro de comércio, atingindo uma população de cerca de 20 000 habitantes. Possuía uma Cúria, um Fórum, um Anfiteatro, um Aqueduto, templos, banhos e o maior Teatro a norte dos Alpes, com 10 000 lugares.


Exportava carnes salgadas para outras partes do Império. Homens e bens, quase tudo o que circulava entre o Baixo e o Alto Reno passava por Augusta Raurica - nas suas pontes sobre o Reno cruzavam-se duas importantes rotas de tráfego comercial: a rota norte-sul das fronteiras fortificadas (limes) para Itália, e a rota este-oeste entre a Gália e o Danúbio.


Museu Romano de Augst é um museu arqueológico a céu aberto, onde também se mostra a reconstrução de uma casa romana. Ainda falta escavar 80 % da presumida área arqueológica. 




Visitei o local agora, de autocarro a partir de Basileia. Não me fez arrepios na espinha - falta qualquer coisa de mais evocativo, mais único.

Reconstrução do peristilo de uma casa romana

Grande riqueza em pratas.

Só me arrebatou a câmara dos mosaicos, uma sala fria fechada. Ali sim, entrei noutra era, dentro havia um inquietante silêncio, os mistérios do tempo e do templo.





Não é Conímbriga, mas é muito bonito.


Como acabou tudo? Durante o séc. III alguns terramotos podem ter destruído grande parte da cidade, que perdeu importância comercial; por volta de 300 D.C. foi construída uma fortificação (Castrum Rauracense) que se tornou a base principal da Legio Prima Martia, a legião que guardava esta parte das fronteiras romanas. Manteve-se até ao século VI , quando sucessivas invasões germânicas conquistaram os povos helvéticos e arrasaram a fortificação.




sábado, 15 de março de 2014

Basileia II : Fondation Beyeler



Situada num jardim de uma aldeia dos arredores da cidade, sobranceiro a um vale, lembrou-me logo à entrada o Louisiana de Copenhaga com o seu Calder a dar nas vistas sobre o relvado:



Mas o edifício de Renzo Piano é único, com algo de pavilhão oriental, emergindo discretamente em paineis espelhados entre o arvoredo e um plano de água e aparentando um só andar de altura. Na realidade, há outro inferior, uma subloja disfarçada com o desnível do terreno.



Entrar num museu destes gera sempre alguma expectativa de maravilhoso. Uma coisa não ajuda nada: vinte e cinco francos por pessoa, e sem reduções senior. Como a França é diferente neste aspecto !

A seguir, um corredor a todo o comprimento do edifício com janelão ao fundo deixa entrever contra-luzes prometedores. Espaço, muito espaço e muita luz são as primeiras impressões.



Este Mondrian respira em pleno, toda uma parede...


Enigmáticos Giacometti povoam a sala maior:


Degas, 'Femme se coiffant,la lettre' :


Merece horas de contemplação. Assombrosa "lettre". 


Anselm Kiefer, 'A minha idade, a tua idade e a idade do mundo.'

Obra de grande dimensão que me impressionou: sobre uma espécie de Nova Iorque pós-nuclear, um aviãozinho de papel, amarrotado.


Odilon Redon


Os Matisse, Chagall e Klee não estavam expostos devido à ocupação de salas pela exposição temporária de Odilon Redon. Não fiquei muito desiludido:


A obra de Odilon Redon (1840, Bordeaux -1916) é um universo em explosão de côr e fantasia !

Uma das mais belas da série de 'Barcas místicas' (Les barques mystiques)


Bouquet de fleurs



Os painéis à entrada da exposição.



----------------------------
Separados pelo jardim, edifícios tradicionais albergam o restaurante e uma galeria de arte: