Voltando à música: cá está uma grande obra injustiçada. Um concerto para dois instrumentos solistas não é para qualquer um. Mozart fez um (flauta e harpa), Beethoven atreveu-se mesmo até três instrumentos (triplo concerto), Brahms tem um duplo mas menos conseguido. Johann Nepomuk Hummel, aluno de Mozart, era contemporâneo e amigo de Beethoven, e um compositor meritório prejudicado pelo brilho maior do genial colega. Mas este concerto é extraordinário, de uma escrita muito burilada e bem conseguida mesmo que sem grande complexidade. Falta-lhe em emoção e intensidade (nisso Beethoven é inexcedível) o que lhe sobra em técnica e muito trabalho. Se fosse necessário, bastavam estes dois para provar que Arte é trabalho, sim, mas não só - não só de modo nenhum.
O que Hummel consegue no 'duplo concerto' op. 17 de 1805 é um contagiante, agradável, requintado divertimento. É um gosto com sorriso ouvir o diálogo entre piano e violino esculpido e rendilhado em múltiplas variações, com muita mestria na parte de piano. No fundo, mais próximo da música antiga que da romântica. Soa imenso a Beethoven mas de forma mais académica (brilhantemente académica), prazenteira, como se nos estivesse a dizer 'olhem como eu me divirto a compor, olhem que voltas eu dou à música, olhem como eu gozo a variar mais um bocadinho'.
Se o inicial Allegro já é admirável, o Andante é talvez um ponto alto, com o tema a ser desenvolvido em seis variações pelos dois solistas, mas não só - há pequenos apontamentos de oboé, violoncelo e trompa, num inesgotável fluxo de ideias decorativas, como se diz no livrito do CD. As ressonâncias mozartianas entrelaçam-se de forma engraçada com as beethovenianas.
Porque não é tocada esta obra em concerto? Sobretudo porque precisa de dois solistas, o que sai caro, e de ser bastante ensaiada. Com a sua meia hora, ocupa uma das partes do concerto. Seria ideal para complementar o triplo de Beethoven.
London Mozart Players
Dir. e piano: Howard Shelley
Hagai Shaham, violino
I. Allegro con brio 00:00
II. Theme & Variations: Andante con moto 14:17
III. Rondo 23:58
2 comentários:
Obrigado Mário, pela lição e pela obra, que não conhecia.
Realmente em música estamos sempre a aprender. O concerto é um misto entre B e M, mas ouve-se muito bem. Gosto sobretudo do violino, que tenho vindo a apreciar desde que o meu neto começou a tocar aos 4 anos. Era um instrumento que não me dizia muito, preferindo sempre piano ou até instrumentos de sopro. Tem pedacinhos de puro Mozart e outros beethovenianos.
Interessante. Obrigada.
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