quinta-feira, 30 de julho de 2015

Biber, graças ao Compasso Bucólico



No blog 'Compasso Bucólico', que sigo tentando não perder nem um post, esta talvez sonata de Biber (1644-1704), com Rachel Plodger no violino, de uma lancinante melancolia a lembrar Arvo Pärt :

http://compassobucolico.blogspot.pt/2015/07/lira-dourada-013.html


terça-feira, 28 de julho de 2015

Sonho de uma noite de Verão segundo Händel


Uma pequena jóia coral de Händel, da ópera Solomon, que gosto muito de ouvir, conhecida como o Coro dos Rouxinóis, com as flautas a 'cantar' sobre um efeito pé-ante-pé das cordas divididas em várias secções; desta vez, uma interpretação austríaca - a Orfeo Barockorchester, Capella Nova de Graz e o coro Domkantorei St.Pölten.

Em quatro minutos custa a acreditar que caiba tanta beleza e génio criador. Salomão e a Raínha do Saba têm muita sorte !

Händel: 'May no rash intruder'


May no rash intruder disturb their soft hours;
To form fragrant pillows, arise, oh ye flow'rs!
Ye zephirs, soft-breathing, their slumbers prolong,
While nightingales lull them to sleep with their song.


Que nenhum intruso lhes perturbe a noite suave;
Encham, ó flores, almofadas de perfume !
Vós zéfiros, soprando meigos, seu dormir prolongai,
Enquanto os rouxinóis a cantar embalam o sono.


Versão alternativa: McCresh, aqui no seu melhor com os Gabrieli Consort:

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Jóias do gótico e da renascença em Lübeck e Wismar


Quase a terminar a reportagem da escapada à costa báltica, deixo estas imagens de arte antiga.
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Lübeck era um posto estratégio para a Alemanha durante a 2ª grande guerra. Foi por isso fortemente bombardeada, tendo a a maior destruição acontecido a 29 de Março de 1942. As torres da catedral foram derrubadas e o edifício ardeu. O edifício actual é uma reconstrução do séc XX.

Muitos outros edifícios desapareceram nesse dia. Nota-se bem a desarmonia que daí resultou na cidade.

1. Lübeck Rathausplatz - Praça da Câmara

Não tive a sorte de a ver assim - estava um desagradável estaleiro de obras. Mostra uma longa História, desde o gótico inicial - edifício e parede com torreões ponteagudos - ao estilo renascença da fachada branca e da passagem sobre loggia.

Exibição da riqueza hanseática.

Escadaria e janela renascentistas, na zona mais procurada pelos turistas - fica também em frente ao famoso Café Niederegger.



2. Heiligen Geist Hospital


Construído entre 1276 e 1286, é talvez o mais esplêndido edifício gótico de Lübeck. Fundado como instituição de caridade para valer aos pobres e doentes, ainda hoje mantém essas funções, embora mais dedicado a idosos.

De início os internados eram obrigados à regra de silêncio dos mosteiros; além de alimentação, tinham direito a 8 banhos por ano ! Mais tarde, foram instaladas a farmácia e uma pequena biblioteca. Era gerido pela Hansa da cidade.


Para variar, estava em obras de restauro. Na magnífica sala de entrada (acima), este
Allerheiligen Altar (todos os santos) , séc XV.



3. A Catedral (Domkirche) foi arrasada pelas bombas; o que hoje existe de melhor é o altar, a Cruz Triunfante do escultor de Lübeck  Bernt Notkes (1435-1508); tem figuras notáveis como esta:

Maria Madalena ajoelhada, Bernt Notkes, séc XV.

E o Relógio Astronómico, de cerca de 1570, integrado num  púlpito barroco em madeira, também merce ser visto.


O relógio salvou-se da guerra com poucos danos. Desde então foi várias vezes objecto de restauro e melhoramentos.


4. Na Marienkirche, Igreja de Sta. Maria, este impessionante altar do gótico tardio:
O Altar de Antuérpia, de 1518, foi retirado a tempo da igreja antes das bombas. Foi o que valeu - a Marienkirche sofreu danos severos.


5. Em Wismar, a igreja de S. Nicolau é a mais bonita das que visitei nesta viagem, no típico gótico em tijolo mas de traça aparentada às catedrais francesas.
Construída entre 1381 e 1487 e dedicada aos marinheiros e pescadores de Wismar, está classificada pela UNESCO.

Uma igreja poupada pelas bombas mas azarada com os temporais - uma elegante torre gótica ponteaguda de 60 metros foi pelos ares com parte da cobertura em 1703.


Trinta e sete metros de altura interior, uma nave alta e estreita.


Mende-orgel

Órgão original de Johann Gottlob Mende (1787-1850), ao estilo barroco tardio, com 2000 tubos, aproveitando partes de um anterior instrumento de 1737.




Talvez os altares sejam a maior riqueza da igreja.
Um invulgar tríptico em baixo-relevo, o altar de S. Jorge:

Gótico tardio, cerca de 1439. Figuras de apóstolos e santos rodeiam a cena da coroação de Maria.




O Schifferaltar

O único altar medieval inteiramente preservado do espólio da igreja, é do início do séc. XIV e da autoria de Wismarer Schiffer. Curiosa referência às peregrinações medievais (Compostela e Bari) nas figuras que ladeiam Maria.

Mais: Kirche St. Nikolai


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A seguir: Wismar, a bela do Báltico



terça-feira, 21 de julho de 2015

Museu Europeu da Hansa:
Uma História Hanseática vista de Lübeck.


A visita ao Museu, que abriu em 2013, está na base deste pequeno resumo. Algumas fotografias fazem parte da exibição.
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Rotas de comércio na Eurásia, nos século XI-XII

De certa forma, tudo começou em Novgorod (Veliki-, não Nizhni-). Esta antiga cidade russa no rio Neva, bastante interior, era um mercado intenso entre oriente e ocidente já no século X, e um dos términos da rota da seda. Pela Idade Média, foi-se tornando no maior e mais próspero principado da Kiev Rus', a Rússia de Kiev, país de eslavos, cossacos e sobretudo nórdicos (varangianos ?), os chamados Rus.

Novgorod na Idade Média - no rio há 'kogge', os barcos do Báltico germânico.

No séc. XII, o principado de Novgorod já englobava a Rússia ocidental, a actual Ucrânia e a Bielorússia. Mas Novgorod livrou-se de ser submetida pelos tártaros e mongóis, o que lhe deu mais liberdade de prosperar nos séculos seguintes.

O Kremlin de Novgorod (actual).

Do lado de cá, foi Visby, cidade da ilha sueca da Gotlândia, que iniciou o comércio dos povos germânicos com Novgorod; a rota ligava o Báltico ao lago Ladoga e descia o rio Neva. Era uma viagem atribulada, ameaçada por rochedos perigosos, assaltos, baixios, com recurso a trasbordo para barcas de fundo chato para navegar o Neva.

As rotas marítimas foram sendo aperfeiçoadas, e os navios melhorados. Em regra, visitavam Novgorod duas vezes por ano, ficando em estadia de vários meses, à espera do clima favorável ao regresso. O navio mais utilizado nessa rota ficou conhecido por Hansekogge :


O kogge parece uma derivação dos barcos Vikings ; o mais antigo encontrou-se na Jutlândia, Dinamarca. Era frequente por toda a Europa do Norte na Idade Média, com o seu casco de bojo largo e vela quadrada.


No séc XIII, o Reino da Dinamarca, sob Valdemar II, englobava o sul da Suécia (Visby) e a costa do Báltico, de Lübeck até à Estónia. Desde 1200, os povos eslavos e bálticos passavam pela conversão ao cristianismo, num processo que foi um longo período de paz benéfico para o comércio.

Lübeck, fundada em 1143 numa pequena ilha da costa báltica, tirava proveito da sua pertença a esse mundo alargado da cristandade (uma espécie de globalização medieval, digo eu). Os mercadores não deixavam de apoiar as cruzadas, pois beneficiavam com a simpatia dos reinos cristãos.

A principal rota mercante no séc. XIII era Lübeck - Novgorod via Visby. Transportava peles, cera e madeira, mas também âmbar e linho.

Alguns 'kogge' frente ao cais de Lübeck, 1350.

Em 1230, Lübeck tornava-se conhecida como a Raínha do Báltico, pela preponderância dos seus mercadores em toda a região. Em 1259 foi assinado um tratado que regulava o mercado no Báltico, a que 25 cidades aderiram - entre elas Wismar, RostockRiga, Visby e Bergen (Novgorod nunca pertenceu à Liga, era apenas o seu entreposto mais oriental). Pouco a pouco a cidade de Lübeck foi-se tornando a sede da lei e dos tribunais que a faziam aplicar a toda a região, tendo em Bruges, que não aderiu, a única concorrente.

Era particularmente difícil lidar com pesos e medidas, uma vez que cada cidade tinha o seu sistema, por vezes muito diferente. O acordo estipulava que escalas e pesos germânicos passariam a ser a norma aceite em todos os portos.

Facsimile do acordo de 1259 (Museu de Riga).

Tábua de mercador - os entalhes representam entregas, empréstimos, transações.

A pesagem - uma dor de cabeça, que podia dar discussões intermináveis e violentas. A calibragem da balança variava conforme a mercadoria...

A contabilidade. Em 1290, um negociante de tecidos registava neste livro o crédito que dava aos clientes. Cada entrada é um nome e a respectiva ocupação, que dá uma ideia da fiabilidade do cliente: jardineiro, artesão, padeiro, padre, cavaleiro, lavrador.

Como já documentei no post anterior, a arquitectura urbana adaptava-se a este crescimento da sociedade mercantil nos finais da Idade Média.  Era no interior das casas de mercadores, nos diferentes andares, que se armazenavam as mercadorias, dispostas segundo as necessidades de ventilação contra a humidade.


Peles, luxo muito procurado (marta, arminho, raposa, vinham de Novgorod) e tecidos, ficavam numa semi-cave de rés-do-chão, junto com a cutelaria.


No andar intermédio, conservas de alimentos.
Peixe fumado e em sal, carne fumada, alguns hortícolas.

Nos andares superiores, cereais, grãos e fruta.


O que acho mais engraçado nisto é que, à sua maneira, cada casa de mercador era um 'super-mercado', ou mesmo um centro comercial, cada secção com o seu produto, que o cliente (muitas vezes um intermediário) percorria subindo aos vários andares... e comparando preços com os da casa ao lado! Tirando a afixação de preços e a refrigeração, as coisas não mudaram muito.

Lübeck, a Raínha da Hansa, e as outras. Riga, Rostock, Stralsund, Visby, Vismar, todas ainda preservam magníficos centros históricos dessa época.

Em meados do séc. XIV, talvez em 1356, nasceu a Hansa, ou associação, das cidades mercantes do Norte. Os italianos já antes tinham formado as suas Compagnie, em que vários parceiros da mesma área de negócio se juntavam para colaborar, e os mercadores do Báltico tiveram de reforçar o poderio da sua aliança.

A tarefa da Hansa era garantir a segurança dos transportes, regular as tarifas nos diversos portos da Liga, zelar pelo bom estado das frotas, dos portos e dos faróis, elaborar mapas aperfeiçoados, treinar pilotos.

As cidades do Báltico e a sua Liga dominavam então todo o comércio do norte da Europa, e os mercadores de Génova e Veneza dominavam a Sul. Na costa atlântica, era o porto francês de La Rochelle, com o precioso sal, que mais comerciava com a Liga. No Báltico oriental, Visby, Riga e Tallin mantinham o contacto com as rotas fluviais russas, de lá importando madeira, as muito desejadas ceras, e cereais.

As cidades bálticas da Hansa tinham muitas semelhanças:
Arquitectura gótica em tijolo, empenas em escada, casas porta com porta alinhadas ao longo do cais de atracagem dos kogge, contra o fundo urbano semeado de torres ponteagudas (acima: Dantzig, hoje Gdansk).

Centro de Wismar, uma das mais bonitas cidades da Hansa.

Riga, fundada em 1200, tornara-se muito próspera graças ao papel de porto intermediário entre oriente e ocidente:
Riga, 'empório célebre'.


Mas estava a chegar a peste...

O final desse século XIV foi um dos piores períodos da Europa, uma época de tragédia inimaginável. Fomes, guerras, pirataria, tumultos; em 1347 começa a fazer vítimas a pior praga de sempre; a segunda vaga de peste, em 1367, deu cabo do pouco que ainda havia. A vida social entra em colapso, a Europa do Norte em coma profundo.

Não, não foram as frotas holandesas e inglesas nem as descobertas portuguesas que acabaram com o negócio da Hansa. Ele já estava de rastos. Quando, passada a praga, pôde renascer a actividade mercantil, o mundo já era outro, sem sombras de rota da seda, deslocalizado para poente, e a redesenhar fronteiras de modo nada pacífico.

Rotas bálticas geridas por Bergen, no séc. XV

Embora Lübeck tenha mantido grande prestígio durante os séculos XV e XVI, a Raínha da Hansa já passara o bastão - e seriam Visby e Bergen, que já vinham crescendo desde 1343, que partilhariam a liderança no Báltico. Mais tarde, em 1525, uma frota de Lübeck iria retaliar incendiando Visby, e acabar com o seu protagonismo. Entre pilhagens, doenças e guerras, a Hansa terminaria em 1630.


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Museu Europeu da Hansa, Lübeck



sábado, 18 de julho de 2015

Frontarias da Lübeck medieval e mercantil


Quando visito cidades com História o primeiro passo é calcorrear as ruas e apreciar o espaço urbano antigo, e a vida que ainda têm, ou já não. Em Lübeck, na Altstad, são muitas as ruas condicionadas ou fechadas ao trânsito onde deparei com alinhamentos de vários edifícios do gótico hanseático, estilo que depois se viria a alargar a outras cidades do Báltico.


Um dos motivos porque a cidade foi classificada como Património Universal na lista da UNESCO é a sua riqueza em arquitectura dos séculos XIII e XIV. Há igrejas e palácios, mas sobretudo o casario que foi poupado à destruição pelos bombardeamentos na 2ª Grande Guerra.

Por volta de 1200, as casas de Lübeck ainda eram de madeira, como as da Escandinávia. Mas bastaram 100 anos para tudo mudar, e no séc. XIV a maioria das ruas alinhava já edifícios em tijolo. Cerca de 1300 casas de mercador foram construídas nesse século.

Fachada já tardia de casa de mercador rico. Note-se o portal elevado e os grandes janelões laterais.

O modelo da casa de mercador (e também de armazém) era basicamente de três ou quatro andares garantindo no interior o máximo espaço de armazenamento, com frontaria de empena em degraus a cobrir as águas furtadas. O tipo de empena foi evoluindo para linhas mais decorativas, arredondadas e com beiral.

A disposição obedecia ao critério da ventilação: em baixo, mais húmido, tecidos. Quanto mais alto, mais ventilado e seco para alimentos.

Rés do chão: tecidos, sedas, peles, vestimentas, ceras. Primeiro andar: salão nobre do mercador, com o seu escritório e sala de visitas. Segundo andar, conservas - peixe em sal, fumados; e terceiro andar, outros géneros alimentares - cereais, sementes e grãos, especiarias. Nas águas furtadas, por trás da empena, a roldana do guindaste interior.

O mercador já tinha deixado de sair para expor em feiras, ou para os navios, passando a receber em casa os compradores; no 1º andar instalava escritórios e contabilidade - era o seu local de trabalho. Dali organizava o transporte e venda das mercadorias, armazenadas noutros andares do edifício.

Do gótico inicial ao barroco rococó e ao neo-clássico, a decoração foi evoluindo, sendo frequente casas vizinhas de época diferente mostrarem grandes diferenças decorativas na frontaria.

'Am der Untertrave', o antigo cais hanseático, no rio Trave. Os mercadores mais poderosos instalavam-se perto do cais. 

Entrada para o centro histórico.

Os armazéns de sal, mesmo ao lado da porta de entrada 'Holstentor', nas margens do rio Trave.

Na Mengstrasse, que desce da praça Rathaus Marktplatz para o rio, encontram-se alguns dos exemplares mais antigos.

Variedade de arquitecturas, a beleza da cidade. Glockengiesserstrasse.

Jakobikirchhof, largo da Igreja de S. Tiago.

Durante a época de ouro de Lübeck, os parceiros económicos foram mudando: desde Nijni-Novgorod, Riga, Tallin e Visby, no séc. XII;  a Bergen, Bruges, toda a costa da Flandres e da Prússia, no apogeu da Hansa, em meados do séc. XIV.

Lübeck tinha alcançado o estututo de cidade livre, podia fazer moeda e criar leis próprias, e com 25 000 habitantes era a maior cidade do centro europeu depois de Colónia

A maioria das casas históricas está restaurada e habitada.



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Em breve, mais sobre a história de Lübeck na Liga Hanseática.