quinta-feira, 28 de julho de 2016
† Einojuhani Rautavaara (1928-2016)
Faleceu hoje um dos grandes compositores contemporâneos. Rautavaara é depois de Sibelius o maior criador da música escandinava.
Einojuhani Rautavaara, Cantus Arcticus Op.61
quarta-feira, 27 de julho de 2016
Cheltenham e os Barokksolistene: um festival
Era numa cidadezita assim que eu gostava de viver. Pequena, bonita e airosa, florida e sossegada, claro; e que me desse ao menos uma vez por ano uma série de bons concertos, do mais alto nível. O mais parecido que tenho é Guimarães com o seu excelente GuiJazz, mas prefiro música clássica; já fui duas ou três vezes ao de Sintra, só que agora tem sido de uma total vulgaridade; o da Póvoa ainda escapa mas o sítio e o ambiente valem nada.
A pequena Cheltenham tem séries de casas elegantes do séc. XIX em terrace a que chamam Crescent mesmo sendo uma frente plana e não em crescente, pintadas de branco ou creme, algumas lojas com requinte numa larga rua pedonal arborizada, um jardim central aberto e um Teatro - o antigo Town Hall.
A elegância 'regency' de Cheltenham.
A fama de Cheltenham vem das corridas de cavalos, o que leva lá uma multidão posh durante o festival em Março. Interessa-me mais a ligação à música clássica que vem de Gustav Holst, lá nascido em 1874, e com placa e estátua no jardim central.
Gustav Holst, estátua no jardim.
Este festival(zito) de música muito descomprometido e informal é um misto de Proms e folk - Proms na informalidade e popularidade, folk pela malta que vai sentar-se na relva do jardim com gelados ou fatias de bolo ouvir os concertos livres (em geral clássicos muito ligeiros) debaixo de um palco amovível coberto. Sempre com o relvado impecável !
Dos Proms de Londres veio este ano um dos pontos fortes do programa - Nicola Benedetti com a Liverpool Phil dirigida por Vasily Peterenko. Vinha também o pianista Melvyn Tan (Beethoven, Liszt). Pelo meu calendário, tive esta escolha:
Barokksolistene de Bergen
Bjarte Eike, direcção/violino
Purcell, Suite from Diocletian
Corelli, Concerto Grosso in D Op. 6 No 4
Vivaldi, Concerto in D, RV 93 (mandolino)
Rebel, Les caractères de la danse
Bach, Concerto for 2 violins BWV 1043
Handel, Royal Fireworks Music.
A execução foi de primeira água, seguindo o modelo de fidelidade histórica nos instrumentos, e nos tempi de forma radical, sem o mínimo vibrato, e foi tão empenhada e calorosa, tão adequada a concerto de Verão, que estive feliz de princípio ao fim.
Gostei imenso do entusiasmo do público, com quatro chamadas ao palco e forte aplauso - mas todos sentados. Cada vez me irrita mais a moda pacóvia seguida no Porto que estipula, mesmo no concerto mais falhado, três bravos e dezenas de entusiastas em pé de imediato, a mostrar como são bons a aplaudir, como se tivessem percebido o momento divino único que a muitos outros deixou enfadado pela fraca execução. Enfim, coisas de província.
A formação inicial mais restrita foi alargada nos 'Fireworks' com uma secção de metais à boa maneira inglesa: forte e festiva.
A opção conceptual que Bjarte Eike imprimiu ao criar o agrupamento BaS em 2005 é com certeza iconoclasta e arriscada mas não deixa de ter graça e o mérito de percorrer um caminho novo na procura do público jovem dos concertos pop/rock/folk. Diz ele que a música barroca era a música pop da época, ou a música de pub na época de Purcell; e por isso os BaS, em várias configurações, procuram um ambiente informal, alegre e comunicativo, nos seus concertos. Pode parecer que estão à procura de êxito e aplauso fácil, mas quando os ouvimos tocar percebe-se o elevado grau de mestria e dedicação. Comparo-os aos mediterrânicos Hesperion XXI de Savall, também eles seduzidos pelo folclore andalus, arménio e outros.
O CD mais recente dos Barokksolistene, com música de Handel, Corelli e Veracini:
Como amostra deixo ficar esta ária , canta (menos bem) Tuva Semmingsen.
O fairest of ten thousand fair (Acis & Galatea - Händel)
O site oficial é divertido:
http://barokksolistene.com/alfa/
domingo, 24 de julho de 2016
Gloucester, cidade de uma admirável catedral
Pequena cidade portuária (foz do rio Severn), com uma situação perfeita entre os Cotswolds (a leste) e a exuberante Forest of Dean, a oeste, Gloucester tem pouco mais que justifique uma visita do que essa localização e esta catedral dos séc. XII-XIV, normando-gótica, em particular pelo seu claustro forrado a vitrais.
The Cathedral Close
A torre é símbolo da cidade.
O côro, com o chão coberto de painéis de belo mármore.
O grande janelão de por trás do côro.
Imagem HR aqui.
A nave é o núcleo normando de fins do séc. XII, com colunas largas e deselegantes. Tudo o resto é gótico glorioso e exuberante. Comecemos pelo claustro, um dos mais belos que já vi.
As galerias do claustro.
Obra de Thomas de Canterbury, entre 1351 e 1377, que substituiu o claustro original.
O tecto abobadado em leque é o mais antigo em Inglaterra, e só é ultrapassado pelo da King's Chapel de Cambridge.
O ambiente de luz pareceu favorável à realização de várias sequências da série Harry Potter.
Os vitrais são o maior deslumbramento. Alguns detalhes sem comentário:
Chaminés e gaivotas, um contra-luz típico de Gloucester.
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A seguir : Cheltenham e os Barokksolistene, um festival
quinta-feira, 21 de julho de 2016
Castle Combe, a entrada sul dos Cotswolds
Esta pequena aldeia do Wiltshire a nordeste de Bath está fora dos circuitos turísticos principais. Dar com ela é uma dor de cabeça, falta sinalização, é fácil enganar-mo-nos e ter de voltar para trás a desfazer o engano. Pouco trânsito, nada de camionetas, estradinhas lindas.
Por isso mesmo Castle Combe foi uma das mais sossegadas e autênticas aldeias por onde passei, sem comércio de turista, nem salas de chá (pena), nem souvenirs (goood). Só o casario dos séc. XV-XVII ao longo da Water Street, na belíssima pedra amarelada dos Cotswolds, floreiras e canteiros em janelas e esquinas, ruas onde se adivinha o ambiente rural de criação de ovelhas - Castle Combe nasceu e cresceu durante a época de maior produção de lã no fim da Idade Média.
Não há quase nada que ver de importante como património. Nesta tranquilidade bucólica sabe bem passear ao som da passarada e um ou outro toque de sinos; um consolo para a vista e o ouvido.
No largo principal, a Market Cross já desde o séc. XIV marca o sítio do importante mercado semanal . A casa em frente, com enxaimel* de madeira no primeiro andar, era o poderoso Tribunal.
Base quadrada esculpida da Cross.
Foram os panos de lã que fizeram a maior riqueza da aldeia; durante a feira tinham um lugar de exposição privilegiado - sob o coberto, à volta da Market Cross. Os degraus de pedra eram um auxiliar para montar/descer do cavalo.
Nesta sequência, o Tribunal, a fábrica de velas...
...e mais abaixo descendo para o rio, o Tithe Barn ('celeiro da dízima´) onde se guardavam as colheitas pecuniárias, espécie de caixa agrícola medieval.
Castle Combe já foi dita a mais bela aldeia inglesa, em postais e calendários, já foi cenário de filmes históricos e séries televisivas. Vi nos Cotswolds outras mais bonitas, mais concorridas, mas nenhuma tão intocada pelo tempo. Só do castelo (que o nome sugere), um castelo normando, é que já nada resta.
Não faltam é arranjos florais:
of hill, woods and meadows cloth'd in green.
Here grand terrestrial scenes, almost celestial nice,
makes Castle Combe, sweet vale, an earthy Paradise.
Edward Dowling (19th Century)
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*timbered house, maison à colombage
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A seguir: Gloucester - Claustro e vitrais soberbos, uma estalagem, e mais outras coisitas.
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[ah, e perdoem o poema piroso :D]
terça-feira, 19 de julho de 2016
Museu Herschel em Bath: cosmologia e música.
Um dos grande génios de todos os tempos, William Herschel dedicou uma vida intensa a duas das mais exaltantes actividades - a Música e a observação do Cosmos. Inventou instrumentos, construiu catálogos, descobriu astros e nebulosas.
O grande telescópio de 47''(120 cm), o maior construído por Herschel, nunca funcionou na perfeição devido a problemas de polimento.
William Herschel (1738 – 1822) nasceu em Hanover mas foi em Inglaterra que se distinguiu como astrónomo e compositor.
Um Jardim para ver o Cosmos
No jardim da sua casa em Bath, com telescópios e lentes do seu próprio fabrico (passava longas horas a aperfeiçoar o polimento), Herschel descobriu Urano, as suas luas Titânia e Oberon, mais duas luas de Saturno, a radiação infravermelha, numerosas estrelas duplas, o movimento do Sol e seu sistema solar, e foi o primeiro a reconheceu a Via Láctea como a galáxia de estrelas a que o nosso sistema solar pertence, semelhante à M51 que vinha observando atentamente desde 1828.
Num dia cinzento fui até à modesta New King Street, 19, onde agora funciona a Casa Museu de Herschel. Foi lá que, vindo de Hanover, ele se instalou em 1766, numa moradia despretensiosa de três andares em terrace.
A sua ocupação principal, e lucrativa, era o ensino de música, e só quando não tinha alunos se dedicava à Astronomia. Mas mesmo com tudo o que amealhava não conseguia adquirir um telescópio de qualidade suficiente para as suas observações, pelo que decidiu fabricá-lo ele próprio. E transformou toda a casa numa oficina.
Os sons de triturar e polir, o ruído e o calor da fornalha, deviam criar um ambiente de inferno que só muita dedicação fazia suportar. Os espelhos que Herschel fabricava eram uma liga metálica (cobre, bronze e chumbo, arsénico, e por vezes prata e zinco). A mistura era fundida e despejada em moldes feitos de excremento endurecido de cavalo ! Bem, era preciso ser maluco, e muito mais grato estou a Herschel depois de saber o que ele passou para fazer o telescópio e descobrir que vivemos na Galáxia. E à sua irmã Carolina que conseguia manter a casa habitável.
A mesa de trabalho de Herschel, com vários instrumentos que ele usava. Polir era a tarefa mais árdua e demorada, às vezes corria mal.
Réplica do polidor parabólico, outra fantástica invenção de Hersclel (1780).
No hall de entrada, uma réplica do telescópio com espelho de 7'' feito na oficina e com que Herschel descobriu Urano no jardim das trazeiras.
Na época Bath era uma cidade pequena mas animada e bem frequentada, em particular por gente culta. Havia concertos e teatro, e passavam por lá Jane Austen, Henry Fielding, Thomas Lawrence, Gainsborough, Lord Byron; até Joseph Haydn, na sua estadia em Inglaterra, foi visitar Herschel nesta sua casa.
Esfera armilar (Itália, séc. XVIII), copernicana. Urano já é visível.
Relógio planetário de tambor (1785), simulando os movimentos do sistema solar. Descoberto 4 anos antes, o planeta Urano já lá está, no braço mais longo. No século XVIII era uma aparelho mecânico caro, muito apreciado, que ajudava à difícil compreensão dos movimentos planetários e estava em voga nos meios refinados.
"Tellarium" francês de c. 1815. Este planetário móvel era mais um brinquedo didáctico que um instrumento científico; o movimento do sistema Sol-Terra-Lua era acompanhado por um mostrador elaborado na base.
Newton, inevitável !
A maior preciosidade, mesmo em segunda edição de 1718: "Óptica, ou um Tratado de Reflexões, Refracções, Inflexões e Cores da Luz" por Sir Isaac Newton, Knight...
Mais sobre Herschel:
http://philosophy-of-cosmology.ox.ac.uk/herschel.html
A sua irmã Carolina dedicou-se também a observação astronómica e a escrever livros de divulgação. Com um pequeno telescópio, igualmente fabricado só para ela, descobriu 9 cometas. Pioneira das mulheres astrónomas, foi medalhada pela Royal Astronomy Society.
Wiilliam e Caroline a trabalhar no polimento de uma lente.
Depois da morte de William, Caroline prosseguiu na observação astronómica, no que era muito prestigiada.
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Herschel era um prolífico compositor - 24 sinfonias (!), 14 concertos e muitas outras obras para os instrumentos que costumava tocar - oboé, violino, cravo e órgão. Aliás, foi da música que lhe nasceu a curiosidade pela observação astronómica !
A Harmonia das Esferas realizada ?
Matthias Bamert dirige os London Mozart Players:
Sinfonia nº 8
Allegro da Sinfonia nº12
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A seguir: Castle Combe e Lacock, a entrada sul dos Cotswolds.
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