Tempos houve em que a chegada pelo correio do boletim de programação da Antena 2 era dia de festa. Sorrindo de prazer, percorria as páginas de cada semana anotando a vermelho, sublinhado ou com cruzes, tudo o que não queria perder - o que era, isso mesmo: incontornável. O Ritornello, o Musica Aeterna (de João Chambers), Os Sons Férteis, A Noite de Ópera, o Vibrato, Questões de Moral (de Joel Costa), Argonauta, Mezza-Voce, O meu piano é melhor que o teu, Que música é esta ? (com Andrea Lupi), etc etc.
Com texto-anúncio assim, quem resiste? O Musica Aeterna herdou o prestígio do inultrapassável Em Órbita.
Era o tempo dos programas de Autor, de gente que sabia fazer rádio com gosto e mestria, sem ceder a modas, sabia montar um programa com pés e cabeça, com texto bem bem escrito e bem integrado na sequência musical.
Não era só "acabaram de ouvir...".
Estudiosos, cultos e sábios. Já não há.
E quando começou a incluir o suplemento "Discos Contados", destacável para se coleccionar em dossier próprio ? Fenomenal ! A alegria redobrava e a minha instrução clássica passou imenso por aí. Comparavam-se gravações - coisa rara -, tomava-se partido por Klemperer ou Karajan (quase sempre os favoritos) sem deixar de mencionar as novas abordagens (Harnoncourt, Gardiner, Pinnock).
Cada ficha continha quatro temas. As bolas pretas eram marcas para furar e arquivar na capa de argolas.
As sucessivas "renovações" e mudanças de direcção descaracterizaram a Antena 2, agora uma coisa informe modernaça, já em podcast, que transmite de tudo, hip-hop e fado, com uns textos miseráveis mais ou menos situados na moda socio-política. Raramente passo por lá.
Luís M. Alves, Miguel Sobral Cid, Vanda de Sá, obrigado ! Fizeram mais pela cultura musical erudita do que qualquer programa actual. E tenho de juntar na minha gratidão Jorge Gil e João Chambers, Andrea Lupi e Joel Costa, pelo menos.
Deixo o Benedictus da Missa Solemnis, uma das mais belas obras de música de sempre, dirige Harnoncourt.
Hosana in excelsis !
4 comentários:
Também houve tempo em que recebia o programa da Antena2 e me entusiasmava... Nunca recebi os Discos Contados, há-de ter sido outra época.
Continuo a ouvir a Antena2 no carro, no caminho entre casa e trabalho, porque é mais fácil que escolher discos para levar.
Trazia os programas da antiga e saudosa Livraria Britânica, mas houve uma altura em que o meu filho fez a assinatura e recebia o boletim pelo correio. Também ele ouvia muita música da RDP 2. Com a Internet já não há necessidade de programas em papel. Aliás tudo o que era papel quase desapareceu, louve-se a Casa da Música que produz programas em abundância para podermos ter na mesinha do café.
Ainda me lembro em Lisboa dos boletins da Carris com os horários certos dos autocarros. Saíam de Algés e passavam na avenida 3 minutos depois, só saímos de casa à hora certa para não estarmos à espera na paragem.
Gostava, por exemplo, que houvesse programas de TV bem feitos com a lista de filmes e séries, documentários, etc. Em tempos havia a TV satélite, agora não há se não revistas cretinas e sensacionalistas que falham na programção a toda a hora.
O meu Avô comprava todos os dias o Diário de Notícias , cortava o programa de rádio e pendurava-o junto à telefonia. Nunca teve gira-discos, nem gravadores, nem nada que se pareça, mas sabia mais de música que muitas pessoas especializadas. Foi com ele que comecei a ouvir música clássica a sério. O meu Pai fez o resto...
Hoje oiço muito menos, mas gosto do Spotify que me permite ouvir o que quero sem anuncios...
Virginia, esses boletins da Carris com os horários certos surpreendem-me. Andei muito de autocarro quando ia para a Faculdade e lembro-me do tormento das esperas. Acho que foi por causa dessas esperas intermináveis que cada português passou a desejar ter o seu próprio carro...
A internet, já se sabe, tem duas faces. Eu queria o melhor dos dois mundos - Antena 2 on line E boletim em papel !
Aliás, os transportes do Porto tanto têm horários em papel como na net. Assim é que é.
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