sábado, 27 de julho de 2019

O encanto e o artifício do jardim de casa rural inglesa.


[adaptado de Non Morris, The Spectator]

Por esta altura, no Reino Unido, relvados e jardins estão no seu melhor; qualquer aldeia parece em festa de tão florida, e há ruas onde costuma haver um concurso a ver quem tem o jardim mais bonito. Desde Kent, no sul, aos Cotswolds, e mesmo a norte nos Lothians da Escócia, existe um culto britânico à floreira. É um regalo para a vista.

Da revista Spectator adaptei este texto.


O que aconteceu nos jardins das cottages inglesas nos séculos XIX e XX é inspirador. O desafio era tirar o máximo proveito de pouco espaço, pouco dinheiro e pouco tempo. As plantas necessárias deviam ser duradouras e fáceis de se propagar, e a cultura de espontâneas foi encorajada. Na verdade, o espírito de um jardim de choupana - pense em malvas-rosas altíssimas, caminhos desbordando em lavanda e uma macieira carregada de flor - é que nada precisa de combinar ou de ser formalmente arranjado. A única agenda é preencher o espaço com perfume e cor.

As melhores histórias de um jardim de choupana nascem das próprias plantas. Um arbusto de murta crescido de um raminho do casamento da avó, alecrim arqueando de encontro à cerca: um lugar para secar os lençóis e uma fonte de minúsculos cachos para colocar lembranças. Os próprios nomes das plantas cantam a experiência de crescer e viver na sua companhia: flores de parede, por exemplo, porque se fixam a uma parede ensolarada. Existem dúzias de Variedades com nomes sedutores: 'Granny's Bonnet' (Luvas-de-Nossa-Senhora) [Aquilegia], 'Coração-Sangrento' [Lamprocapnos spectabilis], e talvez o último: 'Kiss-me-over-the-garden-gate' (Cordão-de-cardeal) [Persicaria orientalis], um espectáculo de metro e meio.



O espírito lógico do verdadeiro jardim da choupana parece muito 2019: nenhum relvado, plantas amigáveis da vida selvagem, reciclagem criativa.



quarta-feira, 24 de julho de 2019

Mojca Erdmann, para quem gosta de Mozart


Não é recente - já foi editado em 2011. Mas o Livro de Areia é especialista em coisas intemporais... e só agora tive oprtunidade de ouvir este CD de Mojca Erdmann. É mais um belo disco para o Verão!


Muitas das árias de Mozart no disco são conhecidas, e Mojca canta-as lindamente, com voz firme e cristalina, que podia talvez ter um pouco mais de peso; mas a segurança e boa dicção compensam, e é raro ouvir uma colecção de preciosidades como esta. La Cetra é uma orquestra barroca, de pequena dimensão, fundada em Basileia, cidade bem fértil em orquestras deste tipo. A direcção de Andrea Marcon garante precisão e delicadeza, mais que dinâmicas.

Para a Gramophone, o melhor desta edição são as obras dos outros contemporâneos - Salieri, Paisiello, Holzbauer, J C Bach; discordo. A superioridade de Mozart é por demais evidente.

Exemplos:

Ach, ich fühl's (Flauta Mágica)


Ruhe sanft (Zaide)


Live em Salzburgo, 2006 - a voz ainda 'verde':
https://www.youtube.com/watch?v=c5Fk4ZjPNfw



domingo, 21 de julho de 2019

A igreja de madeira de Hopperstad, 61º 05' N, o mais a Norte que já estive


Foi já em 1998, durante uma estada em Bergen, que atingi a minha latitude máxima de 61º N ao visitar a igreja medieval de Hopperstad, uma das mais belas igrejas Viking de madeira (Stave Kirken) da Noruega. Talvez preferisse ir a Borgund, mas era mais longe.


Parti de Bergen por uma daquelas estradas que nunca mais acabam, fiado na suposta boa sinalização e na longa duração da luz do dia - o sol punha-se perto das 23h. Os quilómetros rendem, as horas passam (o previsto eram 3 horas !), e a sinalização deixa muitas dúvidas. Vikøyri, será que conseguia lá chegar?


Conforma a tarde avançava, e depois de umas enormes, negras e rijas cerejas compradas à berma da estrada (nada caras), a luz começou a alternar entre as cores douradas e o cinzento de cada vez mais nebulosidade. Estava mesmo a ver que ia ter chuva à chegada, uma das perspectivas que me deixam mais irritado. Luz e sol quando não é preciso, e no sítio de destino sobra e chuva.

Pouco antes de Myrkdalen, eis que surgem asTvindefossen (ou Trollafossen). Foi uma revelação formidável - depois de uma curva vimos de repente a jorrar encosta abaixo esta cascata poderosa, de grande caudal, espumando na queda. Ficamos lá um pedaço a desfrutar do cenário, os olhos contentes da visão esplendorosa, a 60°43′ N - mas ainda hoje havia de chegar até aos 61 !


Depois de muitos mais quilómetros veio a maldita Serpentinveg, um daqueles zigzags montanha acima, mais adiante um túnel sem fim e mais curva-contracurva. Além disso a fome começou a apertar. Nada desde as cerejas, no carro só um pouco de chocolate. E ainda faltava muita estrada, Vikøyri era mesmo no fim do mundo - fica junto ao grandioso SogneFjord, felizmente do lado de cá, senão ainda tinha de esperar o ferry para atravessar. Soube depois que toda a região tem época alta durante os desportos de Inverno.


Era Agosto, mas a luminosidade coada já era quase ártica. A paisagem sempre verdejante adquiria uns tons estranhos, prenunciando chuvada, entre montes meio-ensolarados meio-sombrios, mas por fim lá apareceu o letreiro de Vikøyri, e avistei a igreja no alto de uma pequena elevação, sobre o fundo azul da água do fiorde. Quanto mais me aproximava, mais feérico e irreal se tornava o cenário. Não se via ninguém, e quando saímos do carro fazia um ventinho seco e frio, um silêncio inesperado, quase mágico - um silêncio diferente, mais intenso, vasto e cósmico, onde só se ouvia o silvar do vento.


Estava a 61°05′16″N, 06°34′46″E, e foi o mais longe que alguma vez subi para Norte. A Hopperstad Stavekirje (= 'igreja de madeira') estava um pouco acima de nós, numa espécie de colina. Negra, negra de madeira que parecia carvão, no contra-luz do sol quase poente, recortando 'dragões' vikings e agulhas no céu nórdico. O momento único, irrepetível e definitivo, exigia aproveitar ao máximo o sítio e o objecto de Arte e História. Emocionante.


Foi por trás que nos aproximamos, subindo o relvado. Afinal tivemos sorte, o adiantado da hora já tinha levado os visitantes embora, além de nós só havia outro casal. O assobiar do vento, arrepiante, parecia parte do cenário; era também ele que levava e trazia nuvens e abertas de sol. A Hopperstad Stavekirkje era... de outro mundo. Espantosa, misteriosa, assustadora. Dava vertigens quase, vertigens de espaço e de tempo.


Conforme a incidência da luz, íamos notando que o negro não era assim tão negro, tinha tonalidades. Os dragões, aliás indistintos das serpentes na mitologia nórdica, eram uma tentação fotográfica.

Sendo o dragão/serpente símbolo de poderio e ameaça, não percebo ainda a razão porque decoram igrejas cristãs; talvez os nórdicos convertidos quisessem apenas simbolizar a coexistência e harmonia entre duas culturas.


A frente da igreja, desajeitada, era difícil de abarcar numa só fotografia.


Vamos então aos dados históricos. A data atribuída à construção era circa 1130, neste mesmo local, até que novos dados fizeram recuar a avaliação para 1034 -1116, portanto a mais antiga das igrejas de madeira nórdicas existentes. Ainda não havia Portugal, e os Vikings estavam no processo de se cristianizar. Nem prescindiam dos dragões!

A igreja estava abandonada e em perigo de ruína no século XIX; em 1880 grandes obras de restauro permitiram recuperar o que agora se vê. Durante os trabalhos descobriu-se que algumas obras de ampliação foram executadas nos séc XVII e XVIII, com novas pinturas. Elementos de todas as épocas - românico medieval, influências europeias renascentistas - foram encontradas.

A entrada do lado poente é a mais bem decorada, com colunas e molduras finamente esculpidas em madeira com motivos vegetais e animais, acho eu, serpentes talvez.


É de nave tripla semelhante ao modelo estabelecido pela igreja de Borgund, a mais prestigiada. O interior é bastante escuro, as traves são de pinho.




Um dos pormenores mais invulgares é a galeria coberta exterior à volta da igreja, como um logradouro da paisagem ou um abrigo de espera numa região onde a chuva é frequente. Mas, com sorte,  conseguimos escapar-lhe !








O fim da tarde adiantava-se demasiado, a povoação deserta, tudo fechado, tínhamos três horas de regresso e, ah, uma fome...

Assim foi a máxima incursão setentrional; em segundo lugar fica Uppsala, a 59º, e depois Cullen, a 57º 41' N, na Escócia; e já agora, o mais a sul foram Heraklion ou Rodes, pelos 35º N. Toda uma vida entre os 35º e os 61º N !


sexta-feira, 19 de julho de 2019

A Ecologia dos ricos (e há outra?)


Reciclar é para ricos. Carro eléctrico é para ricos. Energia solar é para ricos. Ansiedade com o futuro climático, é para ricos.

Nem as pessoas, nem os países pobres têm essa preocupação ou esses recursos 'amigos do ambiente'. Um rico pode passar sem plásticos, ter em vez disso peles ou raíz de nogueira; um pobre não passa sem plásticos. Um país rico pode mandar o lixo para os países pobres, que o deitam ao mar. A maior comodidade não poluente a que um pobre tem acesso, é a bicicleta, faça sol ou faça chuva, calor ou granizo. A bicicleta é tão pobre que nem permite que se viaje acompanhado, conversando ou ouvindo música. Só um rico pode achar-lhe piada, para curtas passeatas à beira-mar; mas já não para ir e vir do trabalho, a 50 km de casa. E ainda pior se a idade avança - o selim é duro, as costas doem, faz cãibras nas pernas.

Onde há locais de recolha diferenciada de resíduos - aquele conjunto de depósitos mais ou menos coloridos e bem fechados? Nos zonas ricas, ou turísticas. Nas pobres, um único contentor velho, de plástico corroído e grafitado, ou saquinhos de plástico à porta. Nova Delhi, com os seus 22 milhões, alguma vez pode ter recolha de lixo diferenciada? Ser abastecida de electricidade por energia solar? ou eólica ? Nem pensar. Só combustível, ou nuclear. Mas a Islândia, a Suíça ou Singapura podem. E as Faroé.

Estou tão farto de aldrabice e hipocrisia nestas coisas, de Guterres impante como um reizinho a perorar sobre a 'catástrofe climática' aos coitadinhos africanos frente às câmaras. O problema que o planeta tem é de facto criado pelo Homem: pelo seu número. Não pelo seu comportamento, mas pelo crescimento descontrolado da humanidade. Talvez a Islândia, as Faroé, a Finlândia possam ter bom ambiente ecológico por muitos anos; têm pouca gente. A Índia, o Brasil, Moçambique ou a China não; estão condenados à degradação ambiental. Não há remédio, é gente de mais, a administração do território é péssima: permite-se a habitação em zonas inundáveis e de cota baixa; latas, dejectos, CO2, químicos, sucata, pneus, restos, tudo o que há de mau continuará a ser produzido e depositado em milhões de toneladas ano após ano. Adianta alguma coisa os países intermédios, ricos, preocuparem-se e restringirem-se? Duvido. Adianta alguma coisa substituir combustível por lítio ? Tenho a certeza que não. É só um luxo de ricos, satisfeitos por terem um carrão que não emite gases tóxicos, silencioso, eh pá vê lá se deitas fora essa caranguejola ruidosa e fumarenta. Influência no clima, zero.

Culpam a Revolução Industrial, como se fosse melhor viver antes dela. Mas se houvesse uma nova Revolução Industrial - que aprendesse a destruir ou converter os plásticos? A fabricar um produto semelhante mas fácil de reciclar? a construir motores de combustão não poluentes ? A plantar e fazer crescer florestas em pouco tempo? A controlar o clima, a chuva e os tornados? Para aí sim, é que deviam ir todos os esforços: para a investigação científica nas áreas onde a poluição é mais gravosa. Todos os discursos hipócritas apelando à restrição e à auto-flagelação dos consumidores deviam ser substituídos por discursos de incentivo entusiástico à criatividade industrial. O TGV é um dos grande exemplos de progresso, de melhoria da qualidade de vida. Em vez do poluente e perigoso avião, uma rede TGV é uma ideia fantástica. A China já aderiu - aí está uma bela realização industrial ecológica de um país pobre.

Neste sentido, coisas como o Acordo de Paris são de facto inúteis e enganadoras. Apontam para que nos conformemos com uma austeridade auto-imposta, para o miserabilismo na economia. Recuso a sobrevivência da humanidade pelo empobrecimento. Para retroceder, abdicar, viver em frugalidade monástica num retorno à vida rural, não vale a pena. Prefiro que o planeta estoire de vez. Ou vamos a Marte, e mais além, ou tenho vergonha de ser Homem.


quarta-feira, 17 de julho de 2019

Fui à beira do mar, ver o que lá havia...





Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia:

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria
... 

Uma das canções mais bonitas e evocativas de José Afonso.
Se ainda há muito para andar, a noite, contudo, está mais morna ou mais abafada do que fria, e nem por isso a alegria regressa. Antes pelo contrário. Os melhores tempos passaram, e já não há cantadores alegres.


domingo, 14 de julho de 2019

'Talvez lá fora haja uma cidade mágica', de Miroslav Holub


The Door

Go and open the door.
Maybe outside there's
a tree, or a wood,
a garden,
or a magic city.
Go and open the door.
Maybe a dog's rummaging.
Maybe you'll see a face,
Or an eye,
or the picture
of a picture.
Go and open the door.
If there's a fog
It will clear.
Go and open the door.
Even if there's only
the darkness ticking,
even if there's only
the hollow wind,
even if
nothing
is there,
go and open the door.
At least
there'll be
a draught.
 Miroslav Holub



        Vai e abre a porta.
        Talvez lá fora haja
    uma árvore, um bosque,
              um jardim,
     ou uma cidade mágica.
         Vai e abre a porta.
 Talvez um cão a esgaravatar.
      Tavez vejas um rosto,
            ou uns olhos,
  ou a imagem de uma imagem.
         Vai e abre a porta.
       Se houver nevoeiro
            há-de levantar.
         Vai e abre a porta.
        Mesmo que só haja
     Uma espessa escuridão,
        Mesmo que só haja
          um vento vazio,
              mesmo que
                não haja
                  nada,
         vai e abre a porta.
              Pelo menos

                 haverá
            corrente de ar.




sábado, 13 de julho de 2019

Largo dos Laranjais, um lugar urbano onde gosto de parar.


As cidades, mesmo as grandes, deviam ter recantos assim que fossem oásis de siêncio e sossego; há os parques, bem sei, mas na malha urbana que percorremos diariamente fazem falta recantos de recolhimento como o Largo dos Laranjais, em Guimarães.

Na verdade, está um pouco escondido, como um segredo que não se nos abre logo, um pouco como em Lisboa a bonita Praça das Amoreiras, que também é preciso procurar; ou o belíssimo Largo da Fonte da Vila em Castelo de Vide; ou uma piazzetta entre muitas em cidades de Itália.

O Largo dos Laranjais tem de facto várias laranjeiras, e o perfume invade o espaço quando está algum calor.  Tem também uma casa solarenga, um muro com janela de grades arruinada, degraus e banquinhos, um restaurante.


A Casa dos Laranjais é composta por um solar barroco do século XVI, que foi adicionado à primitiva torre residencial medieval (séc. XIV), com portais manuelinos.



O Largo é atravessado por uma das ruas mais bonitas do centro medieval.


Espaço de homenagem a Alberto Sampaio.


Esta parede de pedra é uma obra de arte.


Era uma vez uma princesa
no meio do laranjal...


Que bem se está aqui.

Restaurante Xisko.




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Em Novembro há Jazz no Vila Flor. Joe Lovano, lá estarei. Um motivo mais para revisitar Guimarães.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

'La Diosa Galica', ainda no Atlas de Borges


Na continuação das minhas leituras de Verão, um último breve conto de Jorge Luís Borges.

Cuando Roma llegó a estas tierras últimas y a su mar de aguas dulces indefinido y quizá interminable, cuando César y Roma, esos dos claros y altos nombres, llegaron, la diosa de madera quemada ya estaba aquí. La llamarían Diana o Minerva, a la manera indiferente de los imperios que no son misioneros y que prefieren reconocer y anexar las divinidades vencidas. Antes ocuparía su lugar en una jerarquía precisa y sería la hija de un dios y la madre de otro y la vincularían a los dones de la primavera o al horror de la guerra. Ahora la cobija y la exhibe esa curiosa cosa, un museo. Nos llega sin mitología, sin la palabra que fue suya, pero con el apagado clamor de generaciones hoy sepultadas. Es una cosa rota y sagrada que nuestra ociosa imaginación puede enriquecer irresponsablemente. No oiremos nunca las plegarias de sus adoradores, no sabremos nunca los ritos.


Quando Roma chegou a estas terras últimas e ao seu mar de águas doces indefinido e talvez iterminável, quando César e Roma, esses dois claros e altos nomes, chegaram aqui, a deusa de madeira queimada já cá estava. Chamar-lhe-iam Diana ou Minerva, ao estilo indiferente dos impérios que não são missionários e que preferem reconhecer e anexar as divindades vencidas. Antes, teria ocupado o seu lugar numa hierarquia exacta e seria filha de um deus e mãe de outro e estaria vinculada aos dons da primavera ou ao horror da guerra. Agora é acolhida e exibida nessa coisa curiosa, um museu. Chega-nos sem mitologia, sem a palavra que foi a sua, mas com o clamor apagado de gerações hoje sepultadas. É uma coisa apodrecida e sagrada que a nossa ociosa imaginação pode enriquecer irresponsavelmente. Nunca ouviremos as preces dos seus adoradores, não conheceremos nunca os rituais.

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A deusa gálica a que Borges se refere, foi encontrada em estado de madeira carbonizada, em 1898, e está no MAH de Genève.




  A estátua foi de início considerada uma
  divindade galico-romana, mas testes mais
  recentes datararam-na de aprox. 80 A.C.,
  e permitiram identificá-la com mais rigor
  como um guerreiro Alobroge celta (região
  Ródano-Genebra), com a típica espada e
  escudo circular.




  Mais aqui:
https://www.e-periodica.ch/cntmng?pid=ads-003:1998:51::410


domingo, 7 de julho de 2019

'Arles-Rhône 3' - A Barca, por Jorge Luís Borges


[extraído do Atlas de Borges]

Es una cosa de madera, está rota. No sabe, nunca lo sabrá, que la premeditaron y trabajaron hombres de la estirpe de Breno*, que arrojó su espada de hierro (así lo quiere la leyenda) y dijo las palabras Vae Victis, que también son de hierro. Habrá tenido centenares de hermanas, que ahora son polvo. No sabe, nunca lo sabrá, que surcó las aguas del Ródano y del Arve y de aquel gran mar de agua dulce que se dilata en el centro de Europa. No sabe, nunca lo sabrá, que ha surcado otro río más antiguo y más incesante que cualquier otro río y que se llama el Tiempo. Los galos la labraron para ese largo viaje un siglo antes de César y fue exhumada al promediar el siglo diecinueve en el cruce de dos calles de la ciudad, y ahora, sin saberlo, se muestra a nuestros ojos y a nuestro asombro en un museo que está no lejos de la Catedral en la que predicó la predestinación Juan Calvino.


'Não sabe, nunca saberá, que sulcou outro rio mais antigo e mais permanente do que qualquer outro rio e que se chama Tempo.'

(...) os Gauleses talharam-na para essa longa viagem um século antes de César ...e agora mostra-se aos nossos olhos e ao nosso assombro num museu (...)


A barca gálico-romana 'Arles-Rhône 3' foi encontrada na margem do Ródano em Arles (porto romano de Arelate), em 2004, ainda com o seu leme e um mastro; está no Museu local, classificada como "Tesouro Nacional". Borges viu-a no Museu de Genève, numa exposiçãp temporária.

De fundo chato, construída em madeira de carvalho, abeto e freixo, no primeiro século DC (reinava Nero), pesa umas 15 toneladas, e mede 31 metros por 3 de largura; carregada de pedras, parece ter-se afundado no porto de Arles durante uma grande cheia do Ródano. Junto havia vasilhame e estatuária de mármore, incluindo um busto de César, fundador de Arelate.


Com Borges, está-se sempre a aprender.

(*) Chefe dos celtas do Adriático, que em 387 A.C. comandou o exército gaulês que capturou e saqueou a cidade de Roma.