sábado, 28 de setembro de 2019

Firoz Koh, Arkiotis, Li-Jien, Triganocerta, e mais
por John Stathatos (*****)


Fascinante, este sim.


Livro de ficção fotográfica, ficção fantástica como as Cidades de Calvino ou a Tlön de Borges, "the book of lost cities" (2005)  é uma obra do grego John Stathatos. Nele surgem nomes como Bucephala, a capital fundada por Alexandre a caminho da Índia; Firoz Koh, capital do reino de Guhr; Tigranocerta, residência do rei Tigranes (séc. I) da Arménia; Li-Jien, colónia romana nos confins da estepe chinesa. E mais: Arkiotis, Azzanathkona, Daedala... só os nomes são todo um programa ! A maioria, femininos, certo? E a maioria do médio oriente, também. Mistério e lenda, devaneio e História.

Ruínas de Tigranocerta, Turquia oriental (?)

Como sempre, a sabedoria da marotice está em usar e citar dados verdadeiros (historica e geograficamente) e com eles narrar uma hábil fantasia; neste caso, apoiada em fotografias.

Começo por Li-Jien ou LI-Chi-En, actualmente Liqian; foi uma cidade na província de Gansu, China central, a sul da Mongólia, onde a lenda conta que se fundou uma colónia romana; os habitantes têm de facto traços aparentemente europeus (caucasianos).


Desde a formação romana em quadrado / tartaruga até ao uso do tempero Garum, muitos relatos dão origem a essa especulação. Mas não parece haver fundamento para a sua origem romana; e o que restava foi destruído por tibetanos em 746.

Li-Chien tira proveito da lenda, fabricada ou não, para promover a sua imagem de "China romana".

Bucephala seria uma cidade fundada por Alexandre no que é hoje o Paquistão, durante a sua longa epopeia até à Índia; fundou-a em honra ao seu cavalo havia pouco abatido na batalha pela posse de Pauravas. Posteriormente o nome mudou para Jhelum.

Monumento a Alexandre em Jhelum.

Ainda se encontram em Jhelum vários túmulos da era Alexandrina.

Arkiotis

A sul do Irão, mesmo a norte do estreito de Ormuz, onde agora se joga um xadrez difícil entre paz e guerra, Arkiotis terá sido a capital do reino de Harmozia (Ormozia), no início da nossa era. Quase nada sobra:

"À parte alguns nomes incertos, pouca coisa sobreviveu ao reino de Ormuz e à sua capital: alguns selos de pedra pórfira, moedas com uma plétora de símbolos (águia Ptolomaica, palmeira ardente, cabeça de javali, relâmpago alado*), uma série de pesos em marfim para especiarias, a estranha espada de Ormuz descrita por Macrobius, (...) e, sobretudo, a famosa estátua de bronze da Arkiote Tyche que o Departamento de Arqueologia da Pérsia tinha desenterrado em 1977, e que foi derretida completamente três anos depois às ordens do Ayatollah Khorasani."

Bonita ficção, Borges iria gostar.

Firoz Koh (Firuzkuh), Afeganistão


Capital perdida do reino de Ghor, governado pela dinastia Górida, uma das grandes cidades do seu tempo (séc. XII). Os Góridas eram originários da Turquia; depois de conquistarem o território à Índia, fundaram aqui um reino e esta grande cidade, que acabou destruída pelas tropas do filho de Gengis Khan cerca de 1220. Nada resta, e não se conhece a exacta localização.

Mas neste caso há uma herança palpável: o afamado Minarete de Jam, na província de Ghor, será (alegadamente) a única recordação, talvez, de Firozkoh.

Minarete de Jam, de 1194, encontrado em 1957.

Feito de tijolos cozidos, está decorado com intrincados padrões de estuque e azulejo, em faixas alternadas de escrita e desenho geométrico. Classificado pela UNESCO.


Daedala ou Daidala (Δαίδαλα) era uma cidade grega no sul da Anatólia, nas antigas Lycia ou Caria, referida vagamente por Strabo. Só que afinal terá havido outra Daedala afegã, na altura pertencente ao rei Menander da Índia; era uma colónia de mercenários e esteve na base de um culto de síntese Greco-Budista. Ufff ! Às vezes não sabemos de Stathatos está a brincar conosco.


Na actual Muğla turca, Daedala está devidamente assinalada para turistas: só se vê um pórtico corroído, entalhado numa parede rochosa, e alguns degraus; perto há restos de uma cisterna. Neste caso a ficção de Stathatos não é coerente: a sua foto (um obelisco)  não tem nada a ver com esta alegada ruína.

Azzanathkona

Há perto de Palmira, nas margens do Eufrates, restos de um templo a Artemis Azzanathkona, uma deusa síria.
Apenas uma assombração no deserto Sírio.

Escreve Stathatos:
"A localização de Azzanathkona continua a ser um mistério. Correm rumores de uma expedição conjunta anglo-americana ter tropeçado nas ruínas quando uma estranha tempestade de areia deixou exposta uma mão-cheia de construções em pedra, em 1923, mas como a expedição estava de facto a fazer uma investigação secreta para o consórcio petrolífero Aramco, o relatório continua confidencial."

Ah, o apelo das ruínas míticas ! Já os victorianos se deixavam ir.

Mas que belo livrinho este.



the book of lost cities, John Stathatos
ex pose verlag, Berlim, 2005
https://www.expose-verlag.de/archiv/







terça-feira, 24 de setembro de 2019

Fotos de praia, Verão de 2019


Costumo todos os anos postar algumas fotografias dos meus dias de veraneio. Há quase sempre momentos de luz especial, nas ondas, nos rochedos, no céu ou na praia que não resisto a registar. Cá fica uma colecção, a várias horas do dia, das favoritas mais recentes:


Julho não foi mau. Uma tarde a molhar os pés entre rochedos.

E houve o dia mágico das estrelas !



Já Agosto começou enevoado e tímido:


Início de época cinzento.


Na segunda quinzena 'melhorou'.


Época plena; felizmente as 'barracas' continuam a ter procura.


 




Setembrinho em fim de época.



Até pró ano. E bom Outono!


sábado, 21 de setembro de 2019

Não há que ter medo para já. E depois?


Cada vez tenho menos certezas. Este texto é só um desabafo. Posso bem estar errado; mas anda por aí tanto disparate cheio de convicção...

Estão ainda vivos muitos dos que viveram ou têm profunda consciência do que foram as guerras, a tentativa Nazi e o fracasso Comunista. Com essa imensa sabedoria que ainda neles vive, não é simplesmente possível que se instale uma ditadura na Europa. Não me afligem 'extremas direitas' que são apenas direitas radicais, pífias ainda, sem milícias nem delírios de grande Império, sem força institucional. De ideologia, nada que se pareça com um programa nacionalista-imperialista radical - só a rejeição da imigração em massa. É mau, mas é inconsequente; nenhum povo europeu os deixará ir mais além da berraria.

Como sempre acontece, um regime 'mau' só vence se o regime 'bom' se tiver mostrado incapaz. Quando esta memória dos seniores que se traduz num apego radical e visceral à democracia tiver passado, dentro de digamos vinte ou trinta anos, quando ninguém se lembrar de guerras, ditaduras e genocídios a não ser pelo que vem nos livros (não chega), quando os jovens pensarem que uma ditadura pode ser boa se combater a poluição, então as coisas podem voltar a tornar-se verdadeiramente perigosas, mais ainda se a democracia continuar a ser incapaz. Então é que será preciso que os media e todos os democratas gritem "Lobo! Lobo!". Mas os que já o fazem agora prestam um mau serviço; criam um medo paranóico de coisa nenhuma que torna as pessoas infelizes e frustradas, e algumas, sim, desejosas de que alguém ponha ordem nisto. É esse medo do apocalipse que pode estragar tudo o que parece seguro e estável. Detesto, com repugnância, este jornalismo de catástrofe.

Quanto a alterações climáticas: que o clima está a mudar, sim, pois está, e sempre esteve, é por natureza mutável. A humanidade está a acelerar e a influir no sentido da mudança ? Não sei, não me parece nada provado, mas mesmo aceitando que está, também isso é um processo natural: qualquer espécie que se torne dominante de forma excessiva e descontrolada no planeta com certeza vai provocar múltiplas alterações, vegetais e animais, formas de contaminação, extinção de espécies concorrentes. É um processo, ele próprio, natural, que faz parte das possíveis evoluções planetárias. É um processo inevitávelmente desigual, que afecta mais umas regiões que outras, que não evolui de forma linear mas de forma caótica.

Acho bem que a humanidade tente diminuir a sua 'pegada ecológica', sem precipatações e alarmismo, paulatinamente. Conseguirá talvez abrandar os seus efeitos, mas nunca inverter a tendência. A evolução em curso, seja de aquecimento ou outra, irá sempre prosseguir, e a única medida eficaz é preparamo-nos em vez de andar só a investir contra moínhos. Deixar de poluir com plásticos é uma medida urgente e óbvia, porque podemos desde já implementar alternativas e métodos de limpeza. Plantar florestas é uma medida urgente e óbvia, porque está ao nosso alcance, é barato, não condiciona ou prejudica o nosso modo de vida, a nossa saúde e o nosso conforto. Aumentar e melhorar o transporte ferroviário é também uma boa opção, mas de efeitos a longo prazo. Já a paranóia dos combustíveis e da carne não só não me merece a mínima adesão, como até me parece um disparate ineficaz. Uma das grandes mentiras do discurso energético 'politicamente correcto', verde e de esquerda, é a treta das energias limpas: não as há, a não ser moínhos ou açudes. Para limpar aqui, vamos sujar ali. E é estúpido demonizar a alimentação mais facilmente disponível para os povos pobres (carne e peixe) : as frutas e vegetais é que são difíceis de obter nessas regiões de aridez ou gelo. E por cá, sempre associei a dieta batatas-e-couves (o caldinho) a alimentação pobre como era no estado salazarista. Se o tempo e a qualidade de vida melhorou nos países desenvolvidos, foi em parte por uma alimentação mais rica e variada; vamos impedir o acesso a esse bem ao terceiro mundo? e às gerações futuras ?
[não falo dos excessos, claro; são... excessos.]

O medo paranóico da 'catástrofe ecológica' não faz sentido, não é para as próximas décadas, mas é uma detestável fonte de lucro para literatura, cinema e mass media que várias empresas (Hollywood, Fox e outras TV, editoras livreiras, indústria de baterias e automóvel...) exploram exaustivamente. Contagiou a ONU e muitos jovens, sempre sensíveis a causas. É urgente des-alarmar, e isso caberia a cientistas sérios e bem informados. Porque deixam andar esta maluqueira ? Porque não vejo publicados estudos e propostas sérias sobre a gestão da crise climática? Bom senso em medidas imediatamente benéficas, em vez de investimento massiço em medidas de eficácia duvidosa que trazem grandes lucros a outros (ou aos mesmos).

A geração mais idosa deve velar pela democracia e pela moderação, pela paz e pela qualidade de vida, que continua a querer estender a mais regiões. É o falhanço desta atitude que pode assustar: não me parece que a geração seguinte mereça confiança. Pelo menos, vota mal, já se viu.

--------------------------
P.S. já agora, depois do discurso da criança Greta ouvido e venerado como se fosse um oráculo ou uma vidente, ainda mais irritado estou. A chantagem de uma miúda rezingona e choramingas erigida em heroína, a violência com que ela anuncia o fim catastrófico do planeta, se não fosse bem recebida pelos media, seria apenas risível, grotesco mesmo, como qualquer bruxo fazendo profecias. O trágico mesmo é a complacência, não, a terna adulação de um Guterres a um caso evidente de aldrabice profética... infantil. 


quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Generalič e Rabuzin, os " naïfs " croatas


Em princípio, não me agrada arte 'nacional' : bonecas russas, relógios de cuco suíços, ou galos de barcelos. Nem 'artistas' ditos 'populares', como toureiros, grafiteiros, fadistas e a maioria dos fazedores de ruído que passam por músicos. Sendo nacionais ou populares, não são (nem tendem a ser) universais, portanto não é arte: é produto de consumo local.

A pintura naïve não é nacional da Croácia - é uma corrente ou um estilo mais ou menos primitivo que se encontra por toda a parte, desde os esquimós do Ártico às gravuras japonesas. Mas há, ou houve, na Croácia uma escola reputada, muito produtiva e incentivada por nacionalismo, de pintura naïve. Apercebi-me, quando lá estive, que eram objecto de 'culto' orgulhoso, um pouco incómodo; agora, à distância, sem culto, reconheço uma arte diferente que é pouco apreciada na Europa. Curioso, num país vizinho de Itália e do centro da Europa, ter surgido um estilo tão desalinhado.

Generalič, pai e filho

Ivan Generalič(1914-1992) e o filho Josip (1936-2004) exibem uma idealização lírica da vida campestre. A forma como representam a vegetação lembra a geometria fractal.

Ivan Generalič, Cervo Branco, 1856.

 
Outono, 1946.

Paisagem, 1956.

Josip Generalič, Aldeia no Inverno, 1967.

Josip Generalič, Campo de trigo, 1981

Ivan Rabuzin (1921 – 2008), também natural da Croácia, só começou a pintar aos 35 anos. Foi ainda mais longe na estlização da Natureza, usando os padrões geométricos de simetria e repetição em paisagens de fantasia e cores surpreendentes.

Floresta nos montes, 1960.

Dois Arbustos, 1973.

Rabuzin parece previlegiar o círculo/esfera nas suas paisagens, onde figuram "bolinhas" de nuvens, colinas, árvores e flores;  simetria e outras geometrias exprimem uma ideia de ordem, paz e harmonia, num todo algo "simplório" (naïf !) onde colorido e composoção criam um bonito mundo de fantasia. Infantil?

Caminho através dos campos, 1989


E um dos meus favoritos:

Abraço às Nuvens.


sábado, 14 de setembro de 2019

Caccini, de la Guerre, Anna Bon, Lombardini Sirmen... - mulheres compositoras


Não, não estou a aderir a nenhuma moda nem a querer reparar nenhuma injustiça. Simplesmente, a Casa da Música está em Setembro com um ciclo de música composta por senhoras, contemporâneas ou de séculos passados, e o programa parece-me entre péssimo e intragável; quero mostrar que não tinha de ser assim.

Apesar da larga maioria de homens que se dedicaram à composição (não vou perder tempo com as razões sociológicas), houve mulheres a compor em todo o período barroco e romântico, algumas com grande sucesso na Europa, e é bom ouvi-las de quando em quando.

Francesca Caccini (1587-1640) foi uma cantora e alaúdista de Florença, reputada na sua época; contudo, pouco chegou até hoje da sua obra, que inclui a primeira ópera feminina, 'La Liberazione di Ruggiero'. Fica aqui esta Ciaccona em violino, alaúde e viola de gamba:


Quanta alegria !

E ainda esta Aria "O chiome belle"(lindos cabelos):



Elisabeth Jacquet de la Guerre (1665-1729).
Exímia cravista na corte francesa de Luís XIV, era aclamada por toda Paris: uma mulher de tal sucesso não era comum no séc. XVIII, de la Guerre foi talvez a primeira star da música clássica.

Sonata n°2 p/ violino e continuo)


Peça para cravo



Anna Bon di Venezia (1738-1767)
Uma grande compositora. Nascida na Rússia, teve uma vida curta, por razões desconhecidas.  Aprendeu música desde os 4 anos em Veneza, no Ospedale dei Mendicanti; aos 16 anos saiu para a Alemanha e viajou pelos salões germânicos, sempre aplaudida como menina prodigio; Anna Bon deixou uma obra elaborada e vasta.

Uma bonita Aria "Astra coeli iam intonate" :


Gosto muito também desta
Sonata p/ flauta - Allegro Assai
 

Maddalena Lombardini (Laura) Sirmen (1745-1818)
Veneziana, pobre de nascimento, estudou música no Ospedale dei Mendicanti, e foi depois aluna de Tartini. Pecorreu as capitais europeias sempre com concertos aclamados.

Quarteto de cordas nº 3 - II. Allegro


Quarteto nº 1 - II Allegretto



Louise Farrenc (1804-1875) e Cécile Chaminade (1857-1944),
mais perto de nós, são bem conhecidas e muitas vezes ouvidas em concerto. Já as recordei aqui e aqui.

E termino com a iluminação divina de Hildegard von Bingen (1098-1179) - a mais notável das mulheres compositoras é uma madre superior do século XII, e uma pioneira do cântico conventual.



------------------------------------------------------
Não referi as mulheres de compositores - Fanny Mendelssohn, Clara Schumann - que já todos conhecem. Para todas, vivent les femmes !


quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Nicolas Chédeville, "Il Pastor Fido" - música contente


Sou um atrasadinho a dar novidades, já se sabe; mas para mim foi surpresa total: 'Il Pastor Fido' de Nicolas Chédeville é uma colecção de sonatas alegre e fresca, o ideal para uma praia deserta ou uma festa campestre. Ouvi duas gravações bastante diferentes, uma de 1992 com um pequeno agrupamento orquestral, e outra de 2015, quase sempre em duo - flauta / violoncelo ou cravo.

A flautista Irena Grafenauer com o Philarmonisches Duo, ao gosto alemão,com um pouco mais de 'peso' instrumental.

Stefano Bagliano com o Collegium Pro Musica, leve e saltitante, muito italiano.

Trata-se de um conjunto de sonatas para flauta acompanhada que na sua primeira edição em 1737 fora atribuído a Vivaldi. Esse músico francês, Nicolas Chédeville, era seu amigo e colega de profissão - fizera alguns arranjos para as obras do Mestre, e tocava musette com virtuosismo. A 'fraude' de atribuir estas composições a Vivaldi foi combinada com o editor, com o fim de tirar proveitos da venda; mas a obra nunca obteve grande sucesso, foi esquecida, e então Chédeville resolveu reivindicar oficialmente a sua verdadeira autoria.

A edição de 1737 indicava sonatas para "musette, flauta, oboé, violino, com baixo contíno", op. 13 del signor Antonio Vivaldi. Musette era o nome da cornamusa ou gaita de fole, em voga em França, mas provavelmente a composição original era para flauta.


À falta do documento de Chédeville, só em 1973  a autoria de Vivaldi começou a ser posta em causa; por fim em 1989 Philippe Lescat esclareceu a verdade: encontrou em Paris a declaração notarial de Chédeville a reclamar a obra como sua !

Acontece que estas sonatas são uma gracinha de invenção melódica e dinâmica, de engenhosos contrapontos, ora de vertiginosa rapidez, ora de sublime suavidade; tão belos os acompanhamentos nas cordas como no órgão. Com atenção, ouve-se bem que o estilo não é Vivaldiano, mas há sem dúvida várias citações de temas que foram adaptados. Saliento o allegro da 4ª sonata, esfuziante, com a técnica de bariolage, e a seguinte pastorale com uma preciosa parte no violoncelo, ou ainda o preludio da 3ª sonata a abrir no baixo continuo (coisa rara) - uma das mais bonitas.

Começo pela gravação de 1992 (Phillips); a execução primorosa e entusiástica é da flautista Irene Grafenauer, da teclista Brigitte Engelhard, do baixo e do contraponto do Philharmonisches Duo Berlin, Jörg Baumann e Klaus Stoll.

Sonata nº1 , I - Moderato.


Sonata No.1, III - Aria (Affettuoso)


A abertura da Sonata nº 3 no baixo continuo:
I - Preludio (Andante)


Sonata nº4, II - Allegro (c/ bariolage)


Na edição mais recente, de 2015, sem contrabaixo, há menos brilho virtuosístico em troca de ainda maior vivacidade. Nenhum dos CD é melhor: há que ouvir ambos ! Este vídeo cobre todas as 6 sonatas; p. ex. o allegro da nº 4 é aos 32:38.


domingo, 1 de setembro de 2019

Nimrud, cidade utópica, e o palácio Assírio que também foi nosso berço.


- Tributo de História -


Nimrud era a maior cidade da Assíria, na Mesopotâmia, entre 1250 e 610 AC. Ficava perto do rio Tigre, em território que actualmente é do Iraque (a sul de Mosul, tristemente célebre).

As ruínas foram descobertas em plena era victoriana, em 1845, e as escavações prolongaram-se por vários anos. O nome Nimrud deverá ter sido atribuído já no século XVIII por semelhança com 'Nimrod', um herói e caçador lendário citado na Bíblia; mas provavelente trata-se da cidade referida em estelas cuneiformes como Kalhu.

Seja como for, o romantismo victoriano, deslumbrado e excitado,  mitificou a descoberta; as antiguidades e riquezas de Nimrud iam desembarcando uma após outra, e inspiraram por exemplo o nome Nimrod que Elgar atribuiu a uma das Variações Enigma de 1898. Sempre associei Nimrud ao Tlön, Uqbar, Orbius Tertius de Borges; o mesmo tipo de localidade, ficcional e onírica.
Nimrud
36° 06′ N, 43°20′ E
Fundada pelo rei assírio Shalmaneser I (1274–1245 AC), atingiu o seu esplendor durante o reinado de Assurnasirpal II (883–859 AC), tendo sido capital do seu Império; atingiu então uns 100 000 habitantes, era uma cidade rica de palácios, templos e jardins.

"Nimrud Restaurada", gravura fantasiada dos arqueólogos victorianos que a descobriram, Henry Layard e James Fergusson

Assurnasirpal II (Aššur-naṣir-pal) fez construir uma grande muralha à volta da cidade. Numa inscrição em pedra calcária constata: "Um palácio de madeiras de cedro, cipreste, zimbro, buxo, amoreira, pistachio e tamargueira, para minha moradia e meu senhorial e eterno lazer, fundei no seu interior. Animais da montanha e do mar, de branco calcário e alabastro, mandei esculpir e colocar sobre os portais." (...) "Prata, ouro, chumbo, cobre e ferro, riquezas e despojos das minhas conquistas, apliquei no interior". Megalómano, era. Pior era a barbaridade com que mandava torturar e executar cruelmente os prisioneiros de guerra.


O "Tesouro de Nimrud" é uma colecção de 613 peças de ouro, joalharia e pedras preciosas, que se salvou escondida no museu de Bagdad.


Nimrud continuaria como capital pelo menos até Sargão II (722–705 AC). Acabaria destruída em sucessivas invasões.

Estela com inscrições de Assurnasirpal II, no Templo de Ninurta, Nimrud (British Museum)

Assurnasirpal à caça, baixo relevo (detalhe).

As excavações revelaram notáveis baixos-relevos, marfins esculpidos e esculturas; uma estátua de Assurnasirpal II em excelemte estado, leões alados colossais, de cabeça humana que guardavam a entrada do palácio; um vasto número de estelas com inscrições e cilindros de argila usados como suporte de gravura. Foi possível localizar os palácios de sucessivos reis e alguns templos e muitas partes de fortificações.

Estátua de Assurnasirpal II, um dos tesouros do British Museum.

Génio protector alado, Séc IX AC, Louvre (detalhe)

Pormenor de outro baixo-relevo de Nimrud.

A "senhora do poço" também conhecida como 'Mona Lisa de Nimrud'.

Marfim esculpido de uma esfinge com cabeça humana, certamente de origem egípcia, encontrado no Palácio de Shalmaneser.

Cilindro de Esarhaddon com escrita cuneiforme, Museu do Iraque

Este detalhe de um grande painel de parede ficava sobre a entrada de um vasto salão junto ao trono de Shalmaneser III (filho de Assurnarsipal), no seu palácio. Representa dois touros empinados ao lado da árvore sagrada. Durante o saque do Museu de Bagdad escapou por milagre, e lá continua.

Os lamassu do British Museum pesam mais de 20 toneladas. O transporte demorou 18 meses, várias vezes à beira do desastre.

Imponente cavalo alado de cabeça humana (lamassu), British Museum.


Tudo estaria perdido se não se encontrasse a bom recato nos museus. Já nada resta no local, agora terreno árido.

Leão guardando entrada de palácio, ainda 'in situ'; destruído pelo ISIS de Mosul.

No British Museum está também o famoso Obelisco Negro de Shalmaneser III, que Fayard descobriu em 1846. Comemora, em 24 painéis em baixo-relevo, a vitória numa campanha bélica em 859–824 AC.
Obelisco Negro de Shalmaneser III , British Museum

Detalhe - Shalmaneser III recebe tributo de um Rei derrotado.

Nao terá sido tão espendorosa como Ninive ou a fabulosa Babilónia; mas, envolta em mistério, Nimrud ainda surpreende com tantos tesouros.

Há um projecto didáctico para museus que mostra em animação vídeo uma aproximação do aspecto que Nimrud podia ter; duvidoso mas ainda assim interessante:

Entradas de Palácio

Sala do Palácio
Ver aqui:  http://www.vizin.org/projects/nimrud/gallery.html

Termino com um excelente video documental que quase torna redundante tudo o que publiquei acima:



----------------------------------------
Há um painel de alabastro com baixo-relevo no Museu Calouste Gulbenkian.