sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A pé de uma Catedral a outra (Winchester a Salisbury) + o equívoco da suástica


No post anterior, relatei um passeio imaginado a partir de uma leitura recente. Vou repetir a marotice, com outra leitura: a de 'A Single Thread' de Tracy Chevalier, que de certa maneira é um livro de viagem.

Violet Speedwell é uma viúva de guerra de meia idade nos anos 30; aos 38 anos sai de casa da mãe em Southampton, e consegue em Winchester um trabalho modesto como bordadeira da catedral. No primeiro Verão de férias, à falta de outro programa, Violet resolve fazer uma caminhada que lhe tinha sido sugerida, partindo de Winchester em direcção a Salisbury através do rural Hampshire. Quase uma peregrinação entre duas cidades marcantes da Igreja de Inglaterra.

Do exterior a Catedral de Winchester parece atarracada e feia; mas quando se entra...


A partir de West Gate, Violet vai percorrer uma antiga estrada romana, rectilínea; depois atravessa campos e campos de milho onde apanha um valente susto, até descansar na primeira estalagem, a John O'Gaunt. Sigamos os seus passos:

West Gate, onde termina High Street, parte da antiga via romana; Winchester ('Venta Belgarum') foi fundada pelos Romanos em 70 DC. 


Após algumas milhas na estrada, monótonas, Violet sente um desejo de aventura. Sobe até cima de uma cancela de travessas de madeira e fica sentada frente aos campos.


"Saltou da trave e avançou por entre o milho, caminhando em passos cuidadosos na estreita passagem que divide a plantação. Os caules do milho chocalhavam e rumorejavam contra os ombros dela, as folhas fibrosas de cor esmeralda arranhavam as mangas do casaco e pontuavam a luz do sol. Olhou para trás várias vezes a verificar se estava só. O ruído e a pressão das folhagem, a sucessão rápida de luz e sombra, desorientavam-na. O campo parecia não ter fim."

Alguém a seguia. Finalmente, a morrer de medo e de sede (é Julho), chega à John O'Gaunt Inn, em Horsebridge Road.

"Quase gritou ao avistar a estalagem John O'Gaunt, uma simples casa branca com telhado de ardósia e janelas com peitoril negro num cruzamento junto ao rio Test. Pouco passava das onze, e o pub podia ainda não estar aberto. Alguém tinha que lá estar, talvez até lhe fizesse um chá, ou uma sanduíche que poderia comer num dos bancos que ladeavam a porta. Alguém que sentisse pena dela."

Conseguiu descansar, e depois seguiu em direcção a Houghton, atravessando o rio Test:



E chega a Nether Wallop. Nunca ouviram falar ? Nem eu. Pensei que era ficção da escritora; não é. Existem três Wallops no Hampshire: Nether Wallop, Middle Wallop e Over Wallop. Há quem ache Nether Wallop a mais bonita aldeia de Inglaterra - é uma aldeia de casas com cobertura de colmo e jardins na frente, muito semelhantes às dos filmes de Walt Disney. Parece cenário.





Violet fica em Nether Wallop a passar a noite, no 'The Five Bells', onde tem encontro marcado; mas isso é outra história.

À saída da aldeia começa Clarendon Way, um percurso pedonal agora muito popular, com marcações para caminhantes.


E finalmente, Salisbury.

Espantoso interior, glória do primeiro gótico inglês (1258), com mármore de duas cores.

Regresso a Winchester.


Para terminar, uma referência à cruz suástica que Violet tem a surpresa de ver no bordado de uma almofada dedicada ao Rei Artur, num padrão repetido a fazer caixilho; estamos nas vésperas da 2ª Grande Guerra, cresce o medo da Alemanha de Hitler.

Existe de início a suspeita de que a autora do bordado, Louisa Pesel, seja simpatizante do nazismo; mas ela sorri e chama a atenção para a estátua do bispo William Edington, numa das capelas funerárias:

Estátua tumular em alabastro de William Edington, bispo de Winchester (1341-1344) e chanceler do Reino. A estola tem várias 'fylfots' alternando com flores.

A cruz gamada vem já de tempos pré-históricos, os povos celtas usavam-na frequentemente. Os ingleses chamam-lhe fylfot, uma antiga palavra anglo-saxónica.

Mas o mais notável na história de Tracy são os complexos bordados das almofadas de Louisa Pesel:


1 comentário:

Fanático_Um disse...

Fantástico Mário, obrigado!