De Emily Dickinson já aqui publiquei alguns poemas, e gosto sempre de voltar a ler mais algum. Soube agora de muitas notas, ou rascunhos - ou talvez não... - que ela escrevia de forma bastante gráfica em envelopes, cartas, postais e até embalagens, aproveitando as dobras, vincos e marcas numa perspectiva visual e moderna, quase como origamis. Em tinta ou lápis, geralmente no papel de carta que se usava na casa de sua família, Dickinson escrevia continuamente sobre uma pequena mesinha junto à janela, à noite quase sempre, à luz das velas e com o quarto aquecido por um fogão Franklin na lareira.
Os famosos 'traços' de Dickinson são incontornáveis em todas as edições, mas poucas reproduzem os seus sinais '+', que marcam uma linha inacabada ou provisória, a ser preenchida posteriormente. Há marcas de água e relevos em torno dos quais Dickinson orienta a escrita; a tradução impressa das superfícies gráficas, dinâmicas e selvagens de Dickinson não cabe nos limites habituais.
Os poemas de envelope são uma mostra do trabalho de Dickinson, da sua actividade mental única, vinculada de maneira dramática a pedaços de papel com cento e cinquenta anos ou mais, cuja reprodução quase perfeitas só agora está disponível.
Na parte de trás de um envelope fechado, como Dickinson usou em "A 496/497", temos três triângulos justapostos, como as faces de uma jóia planificada. Ela escreveu dentro e, ocasionalmente, através das dobras e vincos dessa superfície. Para ler as linhas, temos de girar a imagem no sentido anti-horário. O prazer e o desafio desse tipo de leitura e inegável; ao lado de um fac-símile desses manuscritos, uma versão impressa parece uma espécie de imitação grosseira.
"As letras são sons que vemos", escreveu a poeta Susan Howe. Cartas manuscritas exprimem uma variedade muito maior de sons do que um papel impresso. E, se as letras são sons, também o são espaços entre as letras, as margens e os vazios, a forma e outros aspectos materiais do papel que ela escolheu. Alguns exemplos:
Aba de envelope: a forma de asa ('bird'), ou de baínha de espada...
One note from one Bird
Is better than a Million words
A scabbard has - holds but - one sword
In this short life
that only /merely lasts an hour
How much - how little -
is within our power
Look back on time
with kindly eyes -
He doubtless did his best -
how softly sinks
trembling Sun
in Human Nature's West -
On that specific pillow
Our projects flit away -
the Nights' tremendous Morrow
And whether sleep will stay
Or usher us -
a stranger -
But are not all Facts dreams
soon as we put them behind us.
Talked with each other
About each other
Though neither of us spoke.
Fonte:
Emily Dickinson, Envelope Poems
New Directions Publishing
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