quarta-feira, 20 de maio de 2020
Sob as estrelas, com Matt Gaw numa praia da ilha de Coll
Esteve aqui ao lado como Livro de Cabeceira o último de Matt Gaw, Under the Stars, que entre outras coisas me fez descobrir a ilha Hébrida de Coll. Hei de mostrar mais um pouco desse lugar, mas hoje cito um pequeno excerto do livro, em tradução minha.
Gaw alojou-se com a família em Arinagour para poder disfrutar das noites estreladas. É de uma das excursões nocturnas que aqui deixo o relato.
Acesso à praia junto a Arnabost, sobre o machair.
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Visita nocturna a uma praia Dark Sky na ilha de Coll
Tínhamos planeado uma noite tranquila junto à lareira, mas com a dádiva de céu desanuviado mais uma vez estou em pulgas para sair. Recorrendo à promessa de uma noite prolongada e uma termos de chocolate quente, convenço as crianças e a Jen a irem comigo, todos arregimentados no carro dentro de várias camadas de camisolas, casacos, gorros e luvas.
Perto de Arnabost, puxo por uma cancela de metal que assinala a praia. Há do outro lado um caminho bem marcado, seguimos a pé por um acesso em pedras claras que passa numa casa de quinta às escuras e entra pelo machair.*
(...)
Tento pedir-lhes silêncio para ouvir a direcção do mar, a sua troada. Os nossos pés calcam e espremem, para cima e para baixo, a esponja preta do machair. Acaba por surgir um trilho que seguimos até à crista da duna, que cai em declive íngreme para a praia de areia branca, onde poças de água brilham à luz das estrelas.
Paramos. Abrimos a termos de chocolate quente, empoleirados nas dunas. Conversamos em sussurros, como se as estrelas pudessem fugir receosas. Esta noite estão gordas e brilhantes. Aponto as constelações às crianças mas não me parece que queiram saber. Estão aturdidas pela imagem total, grandiosa, a gigantesca massa de milhares de sóis cuja luz é mais antiga que tudo o que elas poderão algum dia conhecer.
É a primeira vez que vêem a Via Láctea. Ofegantes, abrem os olhos ao chuveiro de luz, enquanto processam a ideia de que estão a observar a Galáxia onde habitam. Tentamos juntos descrever, espuma de leite, geada, bolor, espuma do mar, manchas de sal.
(...)
E então começam as estrelas cadentes. Não lhes tinha dito que esperava ver Oriónidas, não queria desapontá-las, mas agora elas gritam e ululam a cada fogacho de poeira, cada risco. Vermelho. Uma nuance verde erva. Entre uma e outra ninguém fala, quero que continuem atentos. Digo-lhes, estejam alerta e deixem que a noite vos leve.
(...) penso em todas as noites que tenho visitado. Neve, nuvens, céu limpo, luar e neblina, estrelas caindo e a escuridão que se levanta. Cada noite, quer contenha alegria, espanto, medo ou frustração, foi única; cada experiência mostrou-me a escuridão sob uma nova luz.
* terreno de pasto, mole e esponjoso, de vegetação rasteira sobre duna
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3 comentários:
Fico com vontade de ler! Um abraço.
Que maravilhoso relato !! Quase me senti lá com eles ....
Obrigado Carmen, também eu, quase...
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