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Espectáculo assombroso no festival de Edimburgo deste ano: o coro de Stuttgart interpretou num cenário excepcional as 6 cantatas "Actus Tragicus" que J.S. Bach escreveu para o serviço funerário dos domingos na Thomaskirche de Leipzig.
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Edimburgo não costuma primar pela inovação ( a não ser no "Fringe") , mas na convenção com qualidade. Por isso foi uma surpresa a encenação do ciclo de cantatas de Bach como se de uma ópera se tratasse; além da superlativa qualidade das vozes, o que em toda a parte se salienta é o inesperado cenário e a montagem das cantatas em estilo operático, com os cantores a desempenhar papéis de rotina diária moderna em contraste com o carácter litúrgico do canto.
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Herbert Wernicke é o autor da ideia: não quis transmitir uma pregação religiosa, mas poesia musical que fosse estimulante emocional e espiritualmente. Estabeleceu um forte contraponto entre a linguagem fúnebre obsessiva de Bach e uma espécie de casa de bonecas, uma secção transversal de um edifício de 3 andares, cheia de actividades múltiplas, com as banalidades rotineiras da existência urbana - passar a ferro, lavar, vestir-se para sair, celebrar o Natal, perguntar a hora, distribuir correio, suicidar-se... Tudo representado pelo coro de 40 cantores.
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Ao que se diz, esta visão teatral é ao mesmo tempo menos monótona - "conjugando moralidade com mortalidade" - mas ainda mais deprimente! Não tem nada de divertimento ou entretetenimento - pelo contrário, evidencia como são fúteis as preocupações humanas que se desenrolam em cada divisão da casa-universo que serve de cenário. Cada cantor-actor age como um robot, indiferente a tudo para além da tarefa que cumpre.
Há, pelo que li, cenas de gosto duvidoso - como a personagem da Morte , talvez ridícula em máscara e luvas brancas, ou um corpo embalsamado que representa Cristo. Outra fraqueza parece ser a opção interpretativa não histórica, ou seja, ao estilo germânico arrastado e com gravitas do pior dos anos 60.
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Esta realização parece também confirmar o crescente esgotamento das poucas óperas do reportório - acaba sempre por repetir-se o 100º Cosi ou o 1000º Barbiere, as óperas contemporâneas não colhem, resta encenar como ópera o que puder ser adaptado...tem sido frequente a encenação das oratórias de Handel, por exemplo. Saltar para Bach é saltar um abismo, mas já há precedentes - as Paixões foram há pouco encenadas operaticamente.
Dois clips demonstrativos:
Actus Tragicus - Clip 1
Actus Tragicus - Clip 2
Actus Tragicus - Clip 1
Actus Tragicus - Clip 2
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