quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

From Kiev, with love


Ainda dedicado à Ucrânia, um País com letra grande, a vários títulos.

Nem todos saberão que a fundação da nacionalidade ucraniana aconteceu sob mando dos ... Vikings ! No séc. IX, eles contornavam toda a Europa, a ocidente pelo mar (Atlântico e Mediterrâneo), a oriente descendo do Báltico pelas rotas fluviais das bacias do Dnieper e do Volga.

Várias excursões nórdicas arribaram sucessivamente à zona de Kiev e, mais escaramuça menos escaramuça, impuseram-se à maioria eslava local. Conhecidos como Varangianos (do nome que os gregos davam aos nórdicos), instalaram-se em Kiev, convenientemente localizada na rota de comércio entre Bizâncio e o Oriente, rota que cruzava com a que já dominavam há algum tempo entre o Báltico e Constantinopla. Já entrando pelo séc. X, sob o comando do príncipe Oleg, que proclamou Kiev "a mãe das cidades russsas", o domínio territorial cresceu para norte ao longo do rio Dnieper.
Os entrepostos de comércio, tanto fluviais como no mar Negro, enriqueciam os Rus' de Kiev. Rus' era uma das etnias varingianas, significa "remadores", o que faz todo o sentido; também daí nasceu "Rússia", talvez via o árabe Rusiyyah.
Sob o príncipe Oleg e depois com a era áurea de Vladimir, o domínio de Kiev estendeu-se a uma vasta região entre o Báltico e o Mar Negro. As etnias ainda hoje reflectem esse misto de nórdico com eslavo.

A prosperidade de Kiev, muito ligada ao Império Bizantino, foi algumas décadas anterior à nacionalidade portuguesa.

Até à completa destruição pela invasão tártara/mongol (a Horda Dourada) no séc. XII, o principado Rus' de Kiev foi uma das nações mais ricas do ocidente, a par com o Império Bizantino. Como se vê, pode reivindicar uma antiguidade que ultrapassa a lusitana, E uma antiga e intensa conexão com a Europa.

Folha da 'Crónica de Nestor', o mais antigo registo Eslavo Oriental e fonte de quase tudo o que se sabe sobre os Varingianos e o Rus' de Kiev (850-1110).

De 980 a 1050, foi governador o príncipe Vladimir o Grande, "Sol Radioso" dos Rus', e o seu histórico herói unificador. Um típico varangiano, pagão, que prestava culto ao deus do Trovão... e acabou forçado a optar entre as três religiões da época, católica, ortodoxa e muçulmana.


Os Kievianos foram ver os locais sagrados, ponderaram, debateram, e logo eliminaram a tristonha fé muçulmana, que proibía o álcool e a carne de porco - lá se iam as grandes borgas da tradição Viking. Queriam alegria. E aderiram "racionalmete" à religião Ortodoxa, a mais festiva e pomposa, impressionados com os cerimoniais a que assistiram na Santa Sofia de Constantinopla: "nem sabíamos se estávamos no céu ou na terra !", comentaram os enviados de Vladimir.

Logo construiram uma grande catedral em Kiev e outra em Novgorod, e Vladimir ficou como um ícone, um santo venerado pela cristandade.

Santa Sofia de Kiev (séc. XI),  o mais belo testemunho do principado medieval de Kiev.

Monumento (recente) aos fundadores nórdicos de Kiev.

Mas dou um salto de séculos e  volto ao presente. Eu nem sabia que tanta gente importante nascera na Ucrânia (muitos destes nos tempos em que esteve integrada na URSS). E já não menciono emigrantes de ascendência ucraniana - a lista de ilustres seria mesmo enorme.

Músicos:

Sergei Prokofiev, comp.
Emil Gilels, pn. (Odessa)
Vladimir Horowitz, pn. (Kiev)
Sviatoslav Richter, pn.
David Oistrak, vln. (Odessa)
Isaac Stern, vln.

Escritores:

Joseph Conrad, alias Józef Teodor Konrad
Nikolai Gogol
Clarice Lispector, alias Chaya Lispector

Pintores

Kazimir Malevich (Kiev)
Sonia Delaunay, alias Sarah Ilinitchna Stern
Vladimir  Borovikovsky

Ballet

Vaslav Nijinsky (Kiev)

Oksana Baiul, patinadora artística (gelo), uma das melhores de sempre:



E ainda:

Igor Sikorsky, engº aeronáutico (Kiev), criador do helicóptero moderno.

Quanto a grandes empresas, bastaria uma - a Antonov, companhia estatal de construção aeronáutica:

O gigante An-225 (ver um a levantar voo, em 2013, aqui)

O mais vendido - o An 148.

E também na construção naval os Estaleiros de Mykolaiv e Kherson, no Mar Negro, que exportam para todo o mundo. O quebra-gelos chinês Xue Long, que na semana passada participou no resgate dos passageiros do russo Akademik Shokalskiy preso numa enorme placa de gelo na Antártida, foi contruído num desses estaleiros ucranianos. A Ucrânia, ao contrário da moda,  conseguiu manter um elevado poderio industrial.

A emigração crónica: com 45 milhões de habitantes, a Ucrânia não consegue dar uma vida decente à população - o PNB per capita é mesmo muito baixo. Daí a diáspora , que até cresceu mais ainda com a independência.

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Uma curiosidade significativa:

Desde 1996, a Ucrânia mantém em funcionamento o ano inteiro a Estação Vernadsky, na Antártida, comprada por 1 libra ao Reino Unido :
A Ucrânia é um dos 8 países europeus a manter uma base polar na Antártida.

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Notas:

1 - As autoridades soviéticas sempre negaram e calaram esta origem nórdica do seu Estado, considerada rude e inferior -  só valorizavam a herança eslava e germânica. Sabe-se também como tratavam os povos nómadas do território asiático...

2 - Mas em boa verdade, os viajantes e invasores nórdicos pouco deixaram em termos de herança cultural; onde quer que fossem, adoptavam a cultura local e só queriam riqueza e poder. Isso não tira valor à empolgante exploração por via marítima e fluvial, desde a Tera Nova até quase aos Urais...


4 comentários:

Gi disse...

Houve a certa altura muitos ucranianos aqui na mourama, mas muitos já se foram embora. Confesso que não sabia a origem da Ucrânia, e acho que devia saber, por isso obrigada, Mário.

Virginia disse...

Ler estes posts é evadirmo-nos pelo Belo, pelo Existente, pelo que acreditamos existir, mesmo sem ver...

Lindo. E comovente. A Oksana Baiul foi um dos ídolos da minha filha Luisa nos seus tempos de adolescente. Era uma beleza vê-la patinar...reviver foi extase!

Obrigada, Amigo. Continua...

E que tal lermos o Capote outra vez ?

Mário R. Gonçalves disse...

Podem crer que foi um dos posts que mais trabalho me deram. Comecei há umas 4 semanas...

Ainda bem que agradou :)

João Alves disse...

Excelente lição. Clara e sucinta. Desconhecia por completo este aspecto da Ucrânia e da Rússia. Muito obrigado.