Quanto aos livros que li, 2018 não foi um ano dos melhores; saliento só o que mais apreciei, deixando de parte os desperdícios como as Crónicas de uma Sociedade Líquida de Umberto Eco, uma desilusão.
Sem dúvida obra-prima é Time Pieces (Pedaços de Tempo), a Dublin memory de John Banville. Já li muitas crónicas autobiográficas de cidades - Veneza, Roma, Paris, Londres - e nehuma atinge este nível literariamente requintado com que John Banville nos leva a deambular pelas ruas, ruelas, praças, margens, jardins, bibliotecas, salas de cinema, bares e cantos esconsos, pelo tempo de Dublin, ao mesmo tempo que recorda os seus primeiros amores. Vive-se com ele na Dublin do pós-guerra (1950-70), nostalgicamente, e sabe bem. Disse Banville ao Guardian:
"For all the crestfallen beauty of its buildings, Dublin was, of course, its people. I sketched a portrait of the Delahaye family, well-to-do Catholics residing – their sort always “resided” – in fashionable Fitzwilliam Square, and whose delightful daughter Stephanie I courted, in vain, among the autumnal shadows of the Iveagh Gardens, and in the ersatz glamour, though it seemed not at all ersatz to us, of the Grafton Street Cinema’s first-floor tea rooms."
Apesar de toda a esmorecida beleza dos edifícios, Dublin era, obviamente, a sua gente. Esbocei um retrato da família Delahaye, prósperos católicos que residiam - esse tipo de pessoas "reside" - na prestigiada Fizwilliam Square, e cuja encantadora filha Stephanie eu cortejei, em vão, entre as sombras outonais nos Jardins Iveagh, e no glamour postiço - embora a nós não parecesse postiço - da sala de chá no primeiro andar do Cinema Grafton.
Le Dernier des Nôtres foi o meu romance deste ano, escrito por Adélaïde de Clermont-Tonnerre. Ambicioso, juntando duas leituras - presente e passado - que convergem no final, peca por demasiadas páginas escusadas que enchem a trama de uma ganga que torna difícil isolar o minério. É a história de um casal moderno de Nova Iorque que descobre no seu passado longínquo, nos finais da 2ª grande guerra, uma terrível revelação. Essa descoberta lenta e entrecortada de episódios mais ou menos fúteis constitui o principal da história, onde Von Braun e a sua equipa fugida para os Estados Unidos têm um surpreendente protagonismo
Já aqui falei da colecção de Sci-fi editada em francês sob direcção de Jacques Bergier. (Re)li três dos volumes este ano:
Une porte sur l'été, Robert Heinlein
Solaris, Stanislav Lem
Lutte avec la nuit, William Sloane
Havia uma frescura criativa nestas obras que não encontro nas pesadas sagas de LeGuin ou Tolkien. O elemento alien ou sobrenatural era introduzido com sofisticação e elegância na vida quotidiana, fosse o planeta vivo de Solaris entre os membros da Estação Espacial, fosse a alma vinda de algures no Universo que incarnou num corpo de menina deficiente de Lutte avec la Nuit (To Walk the Night, 1937), fosse o famoso gato Pete (de Petronius) apreciador de ginger ale e a criogenia trapalhona de Une porte sur l'été (1957), um dos mais trabalhados enredos sobre viagens no tempo e as suas contradições. Todas estas, leituras que abrem perspectivas, e é disso que se trata num bom livro.
O Karluk foi mais um dos navios a vapor que se aventuraram no Ártico para encalhar e ser estilhaçado pelo gelo compacto. A tripulação salvou-se, e entre eles uma família esquimó do Alasca, com uma filha ainda bébé, que embarcou para ajudar com a sua sabedoria de sobrevivência.
Alem do livro que relata a viagem do Karluk, tive o gosto de folhear "The Lamp, the Ice and the Boat Called Fish", uma adaptação de Jacqueline Briggs Martin para criança / adolescente com extraordinárias ilustrações de Beth Krommer. Uma linda prenda de Natal para quem leia inglês.
and soon the captain
was steering the ship between huge chunks of ice -
some as big as houses.
She had to wear goggles, too. Otherwise, the sun and snow
would cause snow blindness. Some wore goggles of amber glass.
Makpii didn't have to wear so many clothes
because she rode inside her mother's parka.
Por falar de ilustrações, também tive a sorte de receber pela net o álbum da Taschen de Ju-Go Hiroshige, On Hundred Views of Edo, em si um objecto de Arte.
Cem Vistas de Edo, cidade a oeste de Quioto, que foi a capital do shogunato no séc. XVII. É um gosto, folhear lentamente e mergulhar nas gravuras.
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