Mais um regresso ao passado, então.
Era em 2011, e na bela
Ferrara não encontrei multidão de turistas. nem lojas de pechisbeque, nem tuktuks. O que havia, era italianos, muitos, com ar feliz de lá viver, uma riqueza arquitectónica deslumbrante e um centro urbano amigável, sem carros, que respira tradição e gosto.
Cidades assim fazem de Itália o melhor país do mundo, digo eu. Visitei Ferrara durante uma estada em Bolonha que foi uma das minhas viagens de férias mais ricas de arte - estive também em
Ravenna, claro. Mas hoje quero lembrar, pelas fotos que lá fiz,
Ferrara.
Uma das ruas mais bonitas e frequentadas, Corso Ercole I d'Este
Tem mais de 130 000 habitantes, a que se soma a população universitária. É uma cidade plana, perto do rio Pó e da costa oriental, e é património da humanidade da UNESCO - mais uma razão para me admirar a ausência de turbas. Castelo, catedral, praças, loggias, arcadas, ruas sombrias que oferecem comércio que já vem do século passado.
Cinesi, niente. Estudantes e bicicletas - é uma cidade universitária, a segunda de Itália. Um paraíso, pelo menos para quem está de visita por um dia.
Foi pela
Via della Luna e
Piazza della Republica que chegamos ao centro:
Seguem-se a Piazza Savonarola e a Piazzetta del Castello.
Piazza del Castello. Poderosa. Que equilíbrio e harmonia.
A estátua do mártir dominicano Girolamo Savonarola (Ferrara, 1452).
O
Castello Estense (da família
Este) foi mandado construir em 1385 por Niccolò II d'Este, marquês de Ferrara, para proteger a sua família da população revoltada. Se de início era destinado a funções defensivas (daí o grande fosso), no século XVI já era usado apenas como residência.
Onde? Só pode ser em Itália.
Sobre as pontes de entrada na fortaleza foram sendo edificadas mais torres. Numa delas funciona agora uma bela cafetaria.
Como chegamos à hora de fechar, não foi possível a visita. Seguimos a pé pelo Corso em direcção à Catedral.
Que luxo de passeata. É tudo tão bonito que dói. Nunca mais houve como na Renascença uma escola de planeamento e arquitectura que conseguisse tanta e tão amirável arte urbana.
Impressiona a espacialidade, a largueza que esta arquitectura renascentista garantia (ao contrário da estreita Florença). Também impressiona o silêncio que se ouve, sensação estranha no centro de uma cidade: um silêncio que ecoa nas pedras, e que deixa até ouvir conversas afastadas.
A beleza da luminosidade coada de Março.
De frente para o Corso de Porta Reno, uma das portas de entrada medievais.
Piazza della Catedrale e Palazzo Comunale:
Glória aos Este, à maneira romana. A estátua é de Niccolò III.
O
Palazzo Comunale era onde a família Este vivia antes de se resguardar no Castelo. Agora é a Câmara. Vejam este esplendor de formas e texturas.
E chegamos à
Catedrale di San Giorgio
A Catedral de S. Jorge é gótica, construída entre os séculos XII e XIII, mas assenta sobre uma base românica. É um exemplo da transição entre os dois estilos. A torre sineira é mais tardia (renascentista), e destoa do resto do edifício.
O portal de entrada é guardado por belos leões em pedra mármore.
Além de guardiões do templo, são leões
'stiloforos' - que suportam colunas, como os de Bérgamo por exemplo.
Mas ... são cópias! Os originais, corroídos, estão no museu da catedral.
De fora, mármores brancos levemente róseos.
Dentro, azuis e amarelo-dourados, que me lembram o
Galla Placidia na vizinha Ravenna. Mas o interior é barroco, devido a um restauro em 1712 depois de um incêndio. Desilude.
A parede lateral da Catedral dá para a
Piazza Trento e Trieste; uma longa arcada sobre colunas encimada por decoração de arcos e colunas em baixo relevo, um conjunto único nas cidades de Itália:
A
Loggia dei Merciai, na base, é um vestígio da parte românica da catedral. Assenta em frágeis colunas de marmore branca, que parecem mal amanhadas. Ao longo da galeria funcionava uma espécie de feira medieval, onde os comerciantes montavam lojas porta com porta. Hoje são lojas de
design, mais requintadas.
Estranhamente, a torre da catedral, que não é nada bonita (ficou por acabar), está relegada para meio da Piazza, no fim desta galeria.
Depois, vagueámos pelas ruas circundantes, estreitas, muitas delas vazias, algumas com passagens sob arcos.
Via Guglielmo degli Adelardi
Muitos 'ferrarese' e muitas bibicletas, numa cidade cómoda, de praças soalheiras e ruas sombrias. Não é só Veneza que se livra do trânsito infernal.
Via delle volte, um arruamento medieval mal afamado. Por cima dos arcos, através da rua, eram armazéns; de lá os comerciantes rapidamente traziam mercadoria para a loja em baixo.
Via San Romano, talvez a rua antiga mais bonita de Ferrara. Padarias e mercearias, bares, joalharias, longas arcadas dos dois lados da rua.
Um dos palácios de Ferrara, o
Pallazzo Paradiso, é há muito a
Biblioteca Comunale, pertencente à Universidade. Foi frequentada por Copérnico e Paracelso. E é muito frequentada pelos estudantes, como se nota.
A Universidade foi fundada em 1391. Os departamentos de Matemática, Arquitectura e Medicina têm reputação internacional. Entre os notáveis que nasceram ou estiveram em Ferrara, contam-se Tasso e Ariosto, dramaturgos e poetas; Frescobaldi e Amato Lusitano, músicos; Boldini, pintor retratista da Belle Époque; Paracelso, médico, e Antonioni, cineasta.
É verdade que fiquei enamorado de Ferrara. Por isso lhe quis prestar aqui tributo, passados já 8 anos, aproveitando também para refrescar a memória.
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Apetece-me ainda comentar como eram civilizados os ciclistas de Ferrara. Não faziam gincana à volta de quem caminhava, andavam sossegadinhos e vagarosos, nunca nenhum me incomodou (nem vice.versa). Tinham e usavam campaínha. Nada como cá, à selvagem.